De Martinho da Vila a Chico Buarque: músicas para o Dia do Trabalhador

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Não direi todos, mas um dos males da nossa época é essa pregação do trabalho intenso, que tira o ócio do espírito e nos afasta a todo o momento da nossa alma imortal e não nos deixa ouvi-la” Lima Barreto

Cantado em verso e prosa, o trabalho que “dignifica o homem”, nas palavras do sociólogo Max Weber, recebeu de nossos compositores tratamento exemplar, e, como sempre, bastante inventivo. Valendo-se da observação dos costumes, como autênticos cronistas, e conferindo a eles pitadas de ironia, irreverência e até romantismo, o tema foi tratado desde os tempos de Wilson Batista e Herivelto Martins até Chico Buarque de Hollanda, em sua exaltação ao malandro. Seja como for, as músicas brasileiras listadas abaixo, em homenagem ao Dia do Trabalhador, não deixam de revelar certa característica do nosso povo, que leva e trata o ofício como der e vier, das mais diversas formas.

“Filosofia” (samba, 1933) – Noel Rosa e André Filho
Um dos sambas mais conhecidos de Noel Rosa foi lançado em 1933, por Mário Reis. “Filosofia” é uma parceria com André Filho, e revelou-se tão atemporal que mereceu regravações de Martinho da Vila, Chico Buarque, Adoniran Barbosa, Teresa Cristina, Marcos Sacramento, dentre inúmeros outros que compartilhavam dos ideais de Noel. “O mundo me condena/ E ninguém tem pena/ Falando sempre mal do meu nome/ Deixando de saber se eu vou morrer de sede/ Ou se vou morrer de fome”. A perspicácia de Noel capta, de uma só tacada, as contradições existencialistas e sociais desse país chamado Brasil.

“Me Dá… Me Dá” (samba-choro, 1937) – Cícero Nunes e Portelo Juno
Um sujeito enjeitado que usa as desculpas mais esfarrapadas para não precisar pegar no batente. Esse é o protagonista do samba-choro “Me Dá… Me Dá”, lançado por Carmen Miranda em 1937. A dupla de compositores formada por Cícero Nunes e Portelo Juno usa e abusa de situações esdrúxulas por meio de um senso de humor saboroso que estava em voga na época. A canção foi regravada com igual categoria e precisão pela musa da bossa nova, Nara Leão, que, naquele período, já se enturmava com a galera da Tropicália.

“Tenha Pena de Mim” (samba, 1938) – Ciro de Sousa e Babaú da Mangueira
Sílvio Caldas ficou injuriado com Ciro de Sousa quando ele deu o samba “Tenha Pena de Mim” para Aracy de Almeida. A música foi um sucesso absoluto no Carnaval de 1938, mas nasceu com outro nome. Inicialmente se chamaria “Ai, Ai, Meu Deus”, versos que também aparecem na parceria de Ciro de Sousa com Babaú, mas a censura getulista proibia a palavra “Deus” em canções. Ciro conheceu Waldomiro José da Rocha, que atendia por Babaú da Mangueira, durante as peregrinações boêmias pelo morro carioca. O rapaz era responsável por trazer os comes e bebes em uma birosca ali nas redondezas. Logo, se revelou um bom sambista. Ciro ajeitou os versos e compôs a segunda parte para o futuro sucesso da dupla, já regravado pela intérprete Elza Soares.

“Inimigo do Batente” (samba, 1939) – Wilson Batista e Germano Augusto
Wilson não se acanhava em tirar um sarro de quem lhe cruzasse o caminho. Tinha por hábito se intitular “Cabo”, e requerer ajuda aos outros com o seguinte maneirismo: “Tem um dinheirinho aí, major?”. Esses trejeitos salientes eram utilizados com muito brio para inspirar seus sambas, num deles, “Inimigo do batente”, de 1939, em parceria com o amigo português Germano Augusto, Wilson Batista tripudia sem dó em cima daqueles que duvidavam de seus talentos artísticos, ironizando a fala da mulher. “Ele dá muita sorte, é moreno, é mesmo um atleta, mas tem um grande defeito, ele diz que é poeta”, como quem diz: vá arrumar trabalho de verdade. Ao que este responde: quem pode, pode, major.

“O Bonde de São Januário” (samba de carnaval, 1941) – Wilson Batista e Ataulfo Alves
“O Bonde de São Januário” guarda uma das mais saborosas histórias da nossa MPB, pois, inicialmente feito para exaltar a preguiça, e não a labuta teve de ser modificado a mando do DIP, departamento de censura durante a ditadura de Getúlio Vargas, afinal os seus integrantes consideravam que já passava dos limites a ode ao “malandro”. Wilson Batista e Ataulfo Alves, dupla de peso do nosso samba e completamente diferentes entre si na maneira de se portar, inclusive em relação ao trabalho, tiveram de substituir os versos e ao invés de dizer que não iriam trabalhar mudarem tal direção. Assim o bonde passava a contar com mais dois dignos operários. Foi lançada em 1941 por Ciro Monteiro. Posteriormente regravada por Gilberto Gil, Elza Soares e o próprio Ataulfo.

“Izaura” (samba, 1945) – Herivelto Martins e Roberto Roberti
“Izaura” capta um indivíduo em momento parecido com o do protagonista de “Trem das Onze”, samba de Adoniran Barbosa lançado 20 anos depois. Desta feita, porém, não é a mãe que espera o apaixonado namorado, mas sim o trabalho. Ele tenta de todas as maneiras convencer a amante de que, mesmo contra a vontade, terá de deixá-la afinal de contas “se eu cair em seus braços/não há despertador que me faça acordar”, argumenta. O episódio, ao mesmo tempo insólito e cômico revela uma típica cena de costumes, no que Herivelto Martins e Roberto Roberti colocam-se como autênticos cronistas. Daí, por certo, sua imensa identificação junto ao público, assimilada também pelo ritmo. Foi lançada por Francisco Alves em 1945 e regravada por João Gilberto.

“Bolinha de Papel” (samba, 1945) – Geraldo Pereira
João Gilberto conta que foi Geraldo Pereira um dos inspiradores da batida com a qual ele caracterizou a bossa nova. O sambista bom de bossa, aliás, vivia jogando seu charme para cima das cabrochas de seu convívio. Numa dessas acabou se dando mal, engravidou a moça e foi obrigado a casar, mas nada que impedisse suas peregrinações galantes. Na contagiante “Bolinha de Papel”, lançada pelos Anjos do Inferno em 1945, ele declara seu amor capaz de garantir até sossego para a tal Julieta. A música recebeu regravações de Miltinho e do próprio João Gilberto.

“Falta Um Zero No Meu Ordenado” (samba de carnaval, 1948) – Ary Barroso e Benedito Lacerda
A música “Falta Um Zero No Meu Ordenado” é resultado da parceira entre Ary Barroso e o talentoso flautista Benedito Lacerda, responsável, entre outras, pela clássica melodia de “A Jardineira”, com letra de Humberto Porto. Em 1948, ambos já conhecidos dos foliões cariocas, eles colocaram na avenida o divertido samba de carnaval “Falta Um Zero No Meu Ordenado”, lançado por Francisco Alves, o “Rei da Voz”, maior cantor de rádio da época. A música parte de um princípio que se mantém inalterado até os dias de hoje: o fato de que o esforço não é recompensado, e o salário recebido pelo trabalhador brasileiro segue muito abaixo do justo e recomendável. “Trabalho como louco/Mas ganho muito pouco”, dizem os versos atemporais. A composição ganhou uma regravação de Jards Macalé, sempre a calhar.

“O Vento” (canção praieira, 1949) – Dorival Caymmi
A essência cíclica da vida, em movimentos ondulatórios como o vento, que estimula com seu sopro a continuidade das coisas. “O Vento”, canção praieira de 1949 integra o estímulo inicial à consagração obtida. Talvez por essa razão, Dorival tenha sempre entoado suas raízes, por saber que no início delas é que se construiu a frondosa árvore que floriu no Rio de Janeiro, sempre com muitos pingos baianos. “Vamos chamar o vento, vamos chamar o vento. Vento que dá na vela. Vela que leva o barco. Barco que leva a gente. Gente que leva o peixe. Peixe que dá dinheiro, curimã.” A palavra final é repetida em ritmo folclorista. Como um mantra.

“Ministério da Economia” (samba, 1951) – Geraldo Pereira e Arnaldo Passos
“Ministério da Economia” era supostamente uma música para fazer afagos em Getúlio Vargas, então presidente do Brasil. Mas o samba não ficou datado justamente pelo caráter irônico que se pode atribuir a ele, ao se constatar o protagonista esbanjando o fato de não precisar “comer mais gato”. A música em parceria com Arnaldo Passos foi novamente lançada pelo próprio Geraldo Pereira, e recebeu regravação do portelense Monarco e de Jards Macalé.

“Maria Candelária” (marcha de carnaval, 1952) – Klécius Caldas e Armando Cavalcanti
Grande Otelo era o inspetor de gafieira que exigia: “dança direito ou desce!”, no primeiro filme que contou com a atuação de Blecaute, ainda como figurante, “Tristezas não pagam dívidas”. Depois, seguiu carreira bem sucedida no cinema, participando de 20 filmes, num deles, intitulado “Tudo Azul”, de Moacyr Fenelon, entoava a sátira “Maria Candelária”, calcada na conhecida fórmula de abuso por parte de algumas funcionárias públicas. Essas costumavam esperar ônibus no ponto que dá sobrenome à protagonista. Se bem que elas preferiam mesmo andar de paraquedas, como sugerem Klécius Caldas e Armando Cavalcanti.

“Vendedor de Caranguejo” (coco, 1958) – Gordurinha
Waldeck Artur de Macedo, mais conhecido como Gordurinha, nasceu no dia 10 de agosto de 1922, em Salvador, e morreu no dia 16 de janeiro de 1969, aos 46 anos, vítima de uma overdose de morfina. Gordurinha ganhou o apelido quando trabalhava no Circo de Joval Rios, que, ao vê-lo sem camisa, resolveu tirar um sarro com sua magreza. Entre os grandes sucessos da carreira de Gordurinha estão “Chiclete com Banana”, gravada por Jackson do Pandeiro e Gal Costa, “Súplica Cearense”, que recebeu as vozes de Luiz Gonzaga, Fagner e Elba Ramalho, “Orora Analfabeta”, “Vendedor de Caranguejo”, e etc.

“Canção do Sal” (clube da esquina, 1966) – Milton Nascimento
De “Travessia”, aparece no repertório “Canção do Sal”, composta apenas por Milton Nascimento e lançada com Elis Regina em 1966, numa interpretação que não agradou ao músico. Anos depois, no programa “Ensaio”, da TV Cultura, em 1973, Elis registrou a versão que Milton considerou definitiva. Diagnosticada pelo artista como uma “canção de trabalho”, ela já expressava, no alvorecer da carreira de Bituca, o comprometimento com as questões sociais que ele mantém até hoje, ampliadas para o meio-ambiente e os índios.

“Samba do Trabalhador” (samba, 1969) – Darcy da Mangueira
Martinho da Vila provava, em 1969, que o assunto dinheiro não é unânime. Desmentindo a tese de que com dinheiro a vida é mais fácil e as conquistas vêm a reboque, o sambista relata o caso da mulher que se apaixonou pelos encantos de um bom tocador de viola e desprezou aquele que tinha dinheiro. Afinal de contas “em casa de batuqueiro/só quem fala alto é viola” deixa claro em certa altura da letra “Pra Quê Dinheiro”. Tempos depois, em 1992, o mesmo Martinho deu voz a “Samba do Trabalhador”, de Darcy da Mangueira. A música foi lançada pelo Conjunto Nosso Samba em 1969.

“Construção” (samba, 1971) – Chico Buarque
Se a história da música popular brasileira possui uma linhagem, nela não pode faltar o nome de Chico Buarque de Hollanda. Filho do historiador Sérgio Buarque – e irmão das também cantoras Miúcha, Cristina Buarque e Ana de Hollanda – o garoto prodígio da canção nacional, como era de se esperar, começou cedo. Enfileirou sucessos desde o princípio da carreira, nos anos 1960, auge da bossa nova, passando por vários ritmos, gêneros e inclusive movimentos musicais, alinhavando parcerias com nomes como o poeta Vinicius de Moraes, o maestro Tom Jobim, o dramaturgo Ruy Guerra e o tropicalista Gilberto Gil. Em 1971, Chico gravou uma das músicas mais emblemáticas de seu repertório: “Construção”, um samba sobre o trabalhador urbano.

“Inventor do Trabalho” (samba, 1973) – Batatinha
Gravado pela primeira vez em 1954 por Jamelão, o compositor e cantor Oscar da Penha, conhecido como Batatinha (1924- 1997), conseguiu lançar apenas dois discos durante sua trajetória, um deles em parceria com os também baianos Panela e Riachão, intitulado “Samba da Bahia” (1975). A música que o lançou tem o longo título “Jajá Está com uma Coroa que É um Barato” e pouco traz do estilo consolidado através das décadas, que transparece em canções como o samba “Inventor do Trabalho”, de 1973, que traz uma leve melancolia.

“Vai Trabalhar, Vagabundo!” (samba, 1973) – Chico Buarque
“Vai Trabalhar, Vagabundo!” foi composta por Chico Buarque a pedido de Hugo Carvana para o primeiro filme do ator como diretor, de título homônimo. A música trata o tema de forma irônica, em consonância com a película, que exalta o malandro, mote sempre repetido por Carvana, que inclusive produziu em 1991 a continuação do longa-metragem. Com versos sempre perspicazes e burilados o autor da letra chega a comparar a labuta a “uma loucura”, e faz referência à gravata, símbolo da dedicação e da seriedade, a um nó prestes a enforcar o protagonista. Lançada em 1973 a música só foi gravada em disco por Chico Buarque três anos mais tarde, pois, perseguido pela ditadura militar, através da censura, via-se impossibilitado de registrar as próprias canções.

“Comportamento Geral” (MPB, 1973) – Gonzaguinha
O inconformismo de Gonzaguinha já denunciava, logo no primeiro disco, o peso de suas “canções de protesto”. Identificado como “compositor-rancor” por críticos e detratores de sua obra, o filho de Luiz Gonzaga, que no início da carreira ainda assinava Luiz Gonzaga Júnior, nunca aceitou a mediocridade, fosse política, social, de gênero e, principalmente, de felicidade. Basta dar uma rápida olhada em seu vasto e complexo repertório para perceber como o autor de canções sensíveis e perspicazes busca retratar o sexo, a desilusão, as relações afetivas e de trabalho com um aguçado senso de justiça e grandeza. É valendo-se da habilidosa ironia, que o calo da vida no morro de São Carlos e a ausência do aclamado pai lhe deram, que Gonzaguinha extirpa uma a uma todas as hipocrisias perpetradas através dos anos pelo costume, a tradição e a intolerância da raça humana com o seu semelhante, na brilhante e ousada letra de “Comportamento Geral”, lançada em 1973, como um dardo afiado, no alvo.

“Estrela da Canção” (MPB, 1976) – Ricardo Vilas
Os vizinhos não compreendem como ela vive “sem correr como eles correm de manhã”. “Acontece que eu preciso de repouso matinal/ Pois não desligo antes das cinco da manhã”, prossegue Teca Calazans, ao dar vida à personagem de “Estrela da Canção”, música de Ricardo Vilas lançada quase simultaneamente por ela, Angela Maria e Simone na década de 1980. A faixa que integrou o LP “Povo Daqui”, de Teca e Ricardo, talvez ajude a compreender a personalidade da cantora que completa 80 anos, e que jamais colocou os holofotes da mídia à frente da real natureza de seu ofício.

“O Rancho da Goiabada” (MPB, 1978) – Aldir Blanc e João Bosco
“O Rancho da Goiabada”, música composta por Aldir Blanc e João Bosco em 1978, fala sobre a triste realidade dos boias-frias brasileiros e as dificuldades que eles encontram até para se alimentar. Para esses boias-frias, bife a cavalo, batata frita e “goiabada cascão com muito queijo” não passam de sonhos, e eles mal têm acesso a um digno prato de comida. Com a exuberância já conhecida de sua voz, Elis Regina canta o outro lado da fome, que, ao invés da fartura, traz a falta, e, ao invés da satisfação, reflete dor e sofrimento. Ao ouvirmos essa canção, o que podemos esperar é que, um dia, a beleza da voz de Elis Regina e a beleza da composição de Aldir Blanc e João Bosco possam também rechear o prato de todos os brasileiros, todas as pessoas do mundo.

“Torresmo à Milanesa” (samba, 1979) – Adoniran Barbosa e Carlinhos Vergueiro
Adoniran Barbosa, cronista da fala e poeta da cidade, compôs ao lado de Carlinhos Vergueiro em 1979 o samba “Torresmo á Milanesa”, que fala sobre a dura realidade dos trabalhadores da obra. Os dois, ao lado de Clementina de Jesus, cantam um dos poucos momentos de prazer de que desfrutam, quando o enxadão da obra bate onze horas e eles podem sentar na calçada, conversarem sobre isso e aquilo e principalmente comerem suas marmitas com ovo, arroz com feijão e o torresmo à milanesa da Tereza! Esse momento tão aguardado do dia é retratado nos versos de Adoniran com a simplicidade e beleza que tem a hora do almoço, que mesmo que aconteça na calçada e sem mesa, continua sagrada e merecida.

“Conflito de Gerações” (choro-blues, 1981) – Wandi Doratiotto
Lançada no primeiro álbum da trupe, “Premeditando o Breque”, de 1981, que apresentava uma luta de boxe na capa, a música “Conflito de Gerações”, de Wandi Doratiotto, é um autêntico cartão de visitas, e já mostra todas as fichas do conjunto. A melodia começa como um blues e depois se transforma em um bolero, investindo na mistura de ritmos e gêneros musicais que marcaria o grupo, além da letra recheada de uma fina ironia, que coloca em cheque múltiplas questões: desde a relação entre pai e filho até a estrutura do mercado de trabalho em um sistema capitalista. O diálogo também abre espaço para outra referência importante no trabalho do Premê: a dramaturgia e a ligação umbilical com as artes dramáticas do teatro. No palco, eles eram o espetáculo.

“Sou Boy” (rock, 1983) – Kid Vinil
Kid Vinil foi dessas figuras que orbitam a cena sem se preocupar, necessariamente, em estar no centro. Se emplacou dois sucessos no posto de vocalista da banda Magazine, ambas no estilo de crônica e tendo como pano de fundo a cidade de São Paulo – com “Sou Boy” e “Tic-Tic Nervoso” – sua contribuição para além da própria carreira certamente foi mais efetiva, e se estendeu até outras estrelas. Além de influenciar gerações que empregaram ou mantiveram os preceitos do rock com as informações imprescindíveis para se entender essa história, repassadas através de suas participações no comando de programas de rádio e televisão, Kid lutou para adiar ao máximo o arrefecimento do gênero consagrado nos anos 1980 em seu país, movimento do qual fez parte dentro e fora dos palcos.

“Mama África” (MPB, 1995) – Chico César
Chico César conta que estava em um táxi quando a melodia e a letra de “Mama África” simplesmente apareceram em sua cabeça e, sem estar munido de lápis, caneta, ou um gravador, começou a repeti-las insistentemente na cabeça para não esquecer, deixando inclusive de dar atenção à irmã. A inspiração apareceu quando, de mudança para São Paulo, observou, em um grande mercado, diversas mães que, em meio ao trabalho também tinham que se preocupar em amamentar os filhos, cuidar deles e se atentar para com todas as necessidades da prole. Daí os versos que descrevem essa realidade. No fundo, a música é uma homenagem não só à figura da mãe, mas, acima de tudo, um hino à coragem da mulher brasileira, que, contra todos os preconceitos e percalços traça o seu caminho com determinação e coragem.

“Vida de Artista” (balada, 1998) – Itamar Assumpção
Os dois primeiros álbuns da carreira de Itamar Assumpção ganharam, em 2019, reedições em vinil: tanto “Beleléu, Leléu, Eu” (1980) quanto “Às Próprias Custas S. A.” (1981), que trazia em seu título uma das muitas críticas e ironias lançadas por Itamar em suas composições. “O meu pai foi um pioneiro da música independente, numa época em que isso não era comum. Todo esse cenário de hoje, inclusive do rap, deve muito às lutas que ele travou”, observa a cantora e compositora Anelis Assumpção, que se ressente da falta de reconhecimento ao legado do pai. “A música brasileira é ingrata”, reclama. Para tentar amenizar os efeitos desse desprezo à memória, ela prepara um site, em formato de museu virtual, com todo o acervo do progenitor. “Itamar é um documento artístico e cultural do país”, define Anelis. Essas questões inerentes ao fazer cultural e artístico no Brasil aparecem em “Vida de Artista”, de 1998.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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