*por Raphael Vidigal Aroeira
“Água densa do sonho, quem navega?
Contra as auroras, contra as baías,
barca imóvel, estrela cega.” Cecília Meireles
Muda o ritmo, muda o gênero, o autor, o intérprete, e até o ano muda. De velho, passa a ser novo, mas a mensagem é sempre a mesma. Adoniran Barbosa em parceria com o maestro Hervé Cordovil conclama para que o desesperado João não perca a esperança, “que amanhã tu levanta um barracão muito melhor…”, Chico Buarque declara logo nos versos inicias que “amanhã vai ser outro dia”, e Gonzaguinha reafirma que “começaria tudo outra vez, se preciso fosse…”. Já Caetano Veloso vaticina, numa das homenagens ao sociólogo e ativista Betinho: “Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”. Por fim, Guilherme Arantes, em sua belíssima balada aposta: “amanhã, será um lindo dia, da mais louca alegria que se possa imaginar”. E que assim seja…
“I Will Survive” (disco, 1978) – Freddie Perren e Dino Fekaris
Gloria Gaynor havia perdido a mãe quando lançou “I Will Survive”, que se transformaria em hino da comunidade gay. Gravada em 1978, a canção de Freddie Perren e Dino Fekaris logo se tornou um hit, e rendeu à intérprete um disco duplo de platina pelas milhões de cópias vendidas. A mensagem com a qual Gloria se identificou vale até os dias de hoje para as pessoas que tentam sobreviver às agruras da vida e não perdem a esperança. “I will survive”, canta.
“Canta, Canta Minha Gente” (samba, 1974) – Martinho da Vila
Em 1974, Martinho da Vila já era um sambista considerado quando colocou na praça o LP “Canta, Canta Minha Gente”, que se tornou um grande sucesso. A faixa-título era uma ode à capacidade de resiliência do povo brasileiro que, àquela altura, enfrentava o pior período da ditadura militar que assolou o país. Com ritmo cadenciado, os versos conclamam a uma alegria que se impõe aos poucos. E o antídoto para todas as dificuldades estava no samba de Martinho.
“É Preciso Saber Viver” (balada, 1974) – Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Lançada em 1974, por Roberto Carlos, a música “É Preciso Saber Viver”, parceria com o eterno amigo de fé e irmão camarada Erasmo Carlos, é um compêndio sobre como lidar com as adversidades que todos enfrentamos. A música teve o seu sucesso renovado em 1998, na regravação do grupo Titãs, que contou com a participação dos integrantes do Fat Family nos vocais, e entrou para a trilha sonora da novela “Pecado Capital”, exibida pela TV Globo.
“Reflections of My Life” (balada, 1969) – Junior Campbell e Dean Ford
Gravada durante três dias, a balada “Reflections of My Life” conheceu o mundo em 1969, quando acabou lançada com enorme sucesso pela banda escocesa Marmalade, alcançando o topo das paradas e angariando um disco de ouro decorrente das vendas globais. Composta por Junior Campbell e Dean Ford, a canção também passou a integrar trilhas de filmes e seriados. Não é exagero apontar “Reflections of My Life” como o maior hit da história do conjunto sueco.
“Tente Outra Vez” (balada, 1975) – Raul Seixas, Paulo Coelho e Marcelo Motta
Raul Seixas sempre foi um artista místico, mas essa característica atingiu seu pico quando ele encontrou Paulo Coelho. Foi ao lado dele e de Marcelo Motta que o grande “Maluco Beleza” compôs um dos hinos mais emblemáticos da carreira, um louvor à fé e à resistência. “Tente Outra Vez”, balada de 1975, lançada no disco “NOVO AEON” sublinha, sobretudo, a força de continuar na batalha e renovar as esperanças. A música acabou regravada inúmeras vezes.
“Imagine” (balada, 1971) – John Lennon
Uma canção de utopia, que imagina um mundo de paz e comunhão entre as pessoas. Essa é “Imagine”, balada lançada em 1971 por John Lennon, que se tornou a música mais vendida de sua carreira-solo. O lançamento foi produzido pelo ex-Beatle com a esposa Yoko Ono e logo ganhou a mente e os corações dos ouvintes. Com seu espírito hippie e gregário, a música prega solidariedade, amor, compreensão e diz, no final das contas, que precisamos de mais sonhos.
“Tempo Rei” (MPB, 1984) – Gilberto Gil
A música “Tempo Rei”, de Gilberto Gil, traça um paralelo existencialista, entre a finitude e o que é eterno, o momento presente e o passageiro. Ela foi lançada em 1984, e começa, sem terminar, um dos mais conhecidos ditados do Brasil: “Água mole/ Pedra dura/ Tanto bate/ Que não restará/ Nem pensamento…”. Dessa maneira, Gil filosofa de maneira simples, e contribui para popularizar questões que afetam todos nós, como a passagem do tempo e suas consequências. O próprio Gil regravaria “Tempo Rei” ao longo de sua trajetória.
“O Amanhã” (samba-enredo, 1979) – João Sérgio e Didi
“Samba é 10% ideia e 90% uísque”. Essa era a máxima do procurador federal Gustavo Adolfo de Carvalho Baeta Neves que, ao assinar sambas-enredos para a União da Ilha, utilizava o nome de Didi. Foi assim que ele assinou ao lado do parceiro João Sérgio, o sucesso “O Amanhã”, que ganhou a avenida em 1979, antes de entrar no disco gravado por Simone, em 1983. A música se tornou o maior sucesso do repertório, com a sua mensagem de fé e esperança.
“One Moment in Time” (balada, 1988) – Albert Hammond e John Bettis
Composta para a abertura dos Jogos Olímpicos de Seul, na Coreia do Sul, a balada “One Moment in Time” foi apresentada ao mundo em 1988, na voz marcante e emocionante de Whitney Houston. A canção foi inspirada na figura do ícone do rock Elvis Presley, e ganhou um videoclipe que agregava imagens de cerimônias olímpicas de diversos períodos. Com a exposição, a música se tornou uma das mais conhecidas do repertório de Whitney Houston, em 1988.
“Novo Tempo” (MPB, 1980) – Ivan Lins e Vítor Martins
O teclado inconfundível de Ivan Lins se tornou tão presente na cabeça dos brasileiros quanto os versos escritos por Vítor Martins para a parceria da dupla, lançada em 1980, com o título de “Novo Tempo”. Com um forte teor de esperança, a música serviu como manual de autoajuda para muita gente e segue como uma das mais executadas em épocas de virada de ano. Pelo período em que foi composta, a canção também se tornou uma espécie de hino contra a ditadura militar no Brasil, e hoje já contabiliza mais de 40 regravações.
“Amanhã” (Balada, 1977) – Guilherme Arantes
No mesmo ano de 1977, Guilherme Arantes compôs uma balada de espírito hippie, mas, sobretudo, um hino de esperança. O próprio título já entregava a proposta. “Amanhã”, retrata a incansável luta, a busca eterna, por um destino melhor e mais confortável do que o oferecido pelo momento presente, tudo por uma lente otimista, leve e confiante.
“Amanhã, será um lindo dia, da mais louca alegria, que se possa imaginar”, relata Guilherme nos versos da canção lançada por ele mesmo no álbum “Ronda Noturna”. A música foi regravada por Caetano Veloso, em registro impecável, acompanhado apenas por um violão. Betinho era acima de tudo um brasileiro cheio de esperança e amor. “Amanhã, a luminosidade, alheia a qualquer vontade, há de imperar! Há de imperar!”.
“Começaria Tudo Outra Vez” (bolero, 1976) – Gonzaguinha
Ao som de bolero, samba, baião ou toada. Assim Gonzaguinha escreveu seu nome na canção brasileira. Um nome que já tinha peso antes mesmo dele nascer, e que foi aos poucos penetrando nos ouvidos das pessoas com aquele diminutivo. O menino esguio que falava de dramas, amores e problemas sociais, cresceu e continuou menino. Continuou falando, cantando, observando aquilo que lhe tocava com o cuidado de quem enxerga uma fruta madura no pé da árvore.
Gonzaguinha no palco era solto, espontâneo, como se estivesse em casa, mas quando escrevia era incisivo, agudo, enfático, dando a medida que lhe cabia da força dos relacionamentos humanos em sua vida. Não imaginava ele que em 1976, só estava no começo, mas ainda assim decidia: “Começaria tudo outra vez, se preciso fosse, meu amor…”.
“Apesar de Você” (samba, 1970) – Chico Buarque
Exilado na Itália pelo regime militar, Chico Buarque retornou ao Brasil em 1970. Incentivado pelo dono de sua gravadora, André Midani, que garantia a melhora da situação, Chico se decepcionou ao constatar o verdadeiro cenário. Para expressar sua indignação e esperança, compôs o samba “Apesar de Você”. Incrivelmente, os censores não captaram a mensagem, e caíram na ladainha de uma “briga de amantes”. A música estourou nas rádios e acabou censurada.
“The Show Must Go On” (balada, 1991) – Brian May
O esforço de Freddie Mercury para continuar vivendo apesar da luta inglória que ele travava contra a AIDS inspirou o guitarrista Brian May a compor “The Show Must Go On”, que se revelou um grande sucesso da banda. Devido ao estado físico de Freddie, os companheiros tinham dúvidas se ele seria capaz de gravar a canção, mas o vocalista a realizou de uma só tacada, presenteando os fãs do Queen com uma emocionante performance de adeus.
“Mais Uma Vez” (balada, 1987) – Renato Russo e Flávio Venturini
Um encontro casual entre Renato Russo e Flávio Venturini nos estúdios da EMI-Odeon, em 1986, gerou uma das mais bonitas canções brasileiras sobre esperança. Os respectivos líderes da Legião Urbana e do grupo 14 Bis estavam ocupados com as gravações dos álbuns “Dois” e “Sete”, quando se encontraram nos corredores. Venturini improvisava uma melodia e Renato propôs escrever a letra, com a ideia de uma composição que falasse que o sol voltaria a brilhar após a tempestade. A espera valeu a pena. O resultado, três meses depois, foi a gravação em dueto da balada “Mais Uma Vez”, já em 1987.
“Spending My Time” (balada, 1991) – Per Gessle e Mats Persson
Outra estrela da música sueca que desfrutou de bastante sucesso internacional foi o Roxette, duo formado por Per Gessle e Marie Fredriksson. Em 1991, eles lançaram “Spending My Time”, balada que logo caiu no gosto do público, alcançando o topo das paradas de sucesso. A crítica também aplaudiu a melodia memorável de Per Gessle e a letra de Mats Persson, destacando a contribuição fundamental de Marie Fredriksson, com a sua voz inconfundível.
“Velha Roupa Colorida” (rock, 1976) – Belchior
Desejo de renovação e liberdade. Esse era o Brasil de 1976, quando Elis Regina lançou “Velha Roupa Colorida”, clássico imediato de Belchior, que também a gravou naquele ano, no LP “Alucinação”. A versão original de Elis começa com palmas e gritinhos entusiasmados da intérprete. O arranjo concentra suas atenções na energia blues e rock que, aos poucos, se infiltraria na MPB e, principalmente, na trajetória de Elis. O resultado é um frescor que perdura, seja pela potência da letra, a entrega da cantora, a concepção do registro ou pela condição a que o Brasil se acostumou, de abafar a sua história.
“My Way” (balada, 1968) – Claude François e Paul Anka
Uma das canções populares mais gravadas da história ganhou o registro único de Frank Sinatra em 1968. “My Way” se consagrou como um dos grandes sucessos daqueles que, para muitos, foi o maior cantor de todos os tempos. A música é uma versão em inglês de Paul Anka para a original francesa composta por Claude François, autor da melodia que se manteve. Em 1971, Elvis Presley regravou esse clássico que reflete as perdas e os ganhos da vida.
“Resposta ao Tempo” (bossa nova, 1998) – Aldir Blanc e Cristóvão Bastos
A música “Resposta ao Tempo” concentra uma poesia altamente existencial e reflexiva de Aldir Blanc, aliada à melodia sofisticada de Cristóvão Bastos e à voz de mormaço de Nana Caymmi. Esse conjunto, por si só, a justifica como obra-prima. Não bastasse isso, essa típica peça de bossa nova, tema de abertura da minissérie “Hilda Furacão” em 1998, tem como tema o “tempo”, um dos mais misteriosos ao ser humano, senão o principal responsável por suas dúvidas, esperanças e medos. Por isso, ele adquire condição de protagonista, numa conversa franca com o eu-lírico, que conclui: “No fundo é uma eterna criança/ Que não soube amadurecer/ Eu posso, ele não vai poder/ Me esquecer…”, diz.
“Oração ao Tempo” (MPB, 1979) – Caetano Veloso
Durante a turnê “Ofertório”, em que se apresentava ao lado dos três filhos, Caetano Veloso contou que a relação musical com os filhos se estabeleceu cada uma à sua maneira, e confidenciou que o último a aderir foi, justamente, o caçula Tom. Ele afirmou, que, ainda bebê, Tom demonstrava irritação ao ouvi-lo cantar, o que naturalmente se dispersou com o tempo, aquele senhor que “é tão bonito quanto a cara do meu filho”, como já eternizou a clássica “Oração ao Tempo”, lançada em 1979 no álbum “Cinema Transcendental”. “Fazer música com meus filhos parece outra coisa, não é como fazer com outros parceiros. Eles são extensões de mim na minha cabeça”, disse o tropicalista, inquieto como o tempo.
“A Lista” (MPB, 1999) – Oswaldo Montenegro
No ano de 1997, o cantor e compositor carioca Oswaldo Montenegro voltou a flertar com as artes cênicas. Criador de trilhas sonoras para filmes, balés e peças teatrais, o músico foi responsável pelas canções do musical infantil “Vale Encantado”. Já em 1999, Oswaldo compôs o tema-homônimo para a peça “A Lista”, que se transformou em um sucesso maior do que a própria montagem. Na delicada e sensível letra, o compositor reflete sobre a passagem do tempo…
“As Time Goes By” (canção, 1931) – Herman Hupfeld
Sam, personagem de Dooley Wilson, foi quem popularizou a canção “As Time Goes By”, ao interpretá-la no clássico filme noir “Casablanca”, protagonizado por Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, o casal mais sensual da história do cinema, em 1942. Ela já havia sido lançada em 1931, na gravação de Rudy Vallee. Composta por Herman Hupfeld foi regravada por Billie Holiday, Louis Armstrong, Nat King Cole e Carly Simon, mantendo aceso o seu poder de fogo.
“Estrada da Vida” (valsa, 1970) – José Rico
Embora lançada como uma valsa, a música “Estrada da Vida” se consolidou como um dos maiores sucessos da dupla sertaneja formada por Milionário & José Rico. Composta pelo segundo, recebeu inúmeras regravações, desde Roberta Miranda até Gusttavo Lima, passando por Zezé Di Camargo & Luciano. Clássico absoluto, “Estrada da Vida” é uma dessas canções que jamais perderam o frescor, por conta de sua temática sempre atual e instigante.
“Hit the Road Jack” (R&B, 1961) – Percy Mayfield
“Hit the Road Jack” também fala sobre a vida na Estrada e o sentiment de liberdade experimentado com essa experiência. Composta por Percy Mayfield, a música, no ritmo de frenesi do R&B, tornou-se um sucesso absoluto de 1961 graças à interpretação de Ray Charles e seguiu arrastando quarteirões nas décadas seguintes, tanto que, até hoje, é reconhecida pelos mais novos. Ao ser lançada, rendeu um Grammy para Ray Charles e alcançou o topo dos hits.
“Aguenta a Mão, João” (samba, 1965) – Adoniran Barbosa e Hervé Cordovil
Novamente o pano de fundo social estabelece o enredo para que Adoniran Barbosa e Hervé Cordovil componham a história de “Aguenta a mão, João”, samba de 1965. A música conta os percalços porque passa o protagonista depois de uma enchente, ao que os compositores advertem: “não reclama, pois a chuva só levou a tua cama/não reclama, guenta a mão, João/que amanhã tu levanta um barracão muito melhor”.
Além do uso de gírias paulistanas, características do modo de compor de Adoniran, ao final a canção é coroada com uma das mais repetidas expressões nacionais, um dos ditados que melhor exemplifica o cotidiano da grande maioria dos brasileiros: “Com uma mão atrás e outra na frente”. Foi lançada por Adoniran e regravada, depois, com Djavan.
“Volta por Cima” (samba-canção, 1962) – Paulo Vanzolini
“Samba é que nem osso, uma vez que tá na rua, vai na boca de qualquer cachorro”, riu-se Paulo Vanzolini, quando perguntado por Zé Henrique o que fazer com a música que este havia ganhado, e que, por briga com a gravadora, não poderia gravá-la. Foi então que “Volta por Cima” encontrou Noite Ilustrada, e por três semanas consecutivas angariou o primeiro lugar nas paradas de sucesso do ano de 1962.
Notícia que seu autor só veio a ter quando voltou de sua viagem à Amazônia, entretido com os afazeres da zoologia, e ouviu no rádio a sua exaltação para aquilo que ficaria conhecido no dicionário Aurélio da Língua Portuguesa como “ato de superar uma situação difícil”. Para Vanzolini, a parte mais importante da letra não está no título, mas no verso “reconhece a queda…”.
“Tempo da Estiagem” (samba, 2020) – Raphael Vidigal e Ronaldo Ferreira
O samba “Tempo da Estiagem” foi composto por Raphael Vidigal e Ronaldo Ferreira no início de 2020. É a estreia da dupla no gênero. Juntos, o mineiro Vidigal e o paulista Ferreira já haviam criado duas marchinhas de Carnaval: “Cuidado Com o Pescoço” e “Retiro do Vampiro”, em 2017 e 2018, respectivamente.
Para interpretar a mais nova composição, eles convidaram a cantora Deh Mussulini e o violonista Lucas Telles, que também cuidou dos arranjos e da produção da faixa. “Tempo da Estiagem” é um samba lírico, na tradição da música popular brasileira afeita à dor de cotovelo, e que bebe nas influências tanto de Batatinha quanto de Paulinho da Viola, com doce melancolia.
“Sobre o Tempo” (pop, 1995) – John Ulhôa
Uma trupe formada em Belo Horizonte por John Ulhôa, Fernanda Takai e Ricardo Koctus deu um drible nas expectativas da música brasileira ao misturar influências eletrônicas de bandas internacionais à prosódia dos nossos inventivos compositores, com atenção destacada para Tom Zé e Os Mutantes. O segundo disco do Pato Fu, de 1995, tinha o sugestivo e irônico nome de “Gol de Quem?”.
Com regravações dos Beatles e até de Nelson Gonçalves, o grande sucesso foi uma composição de John Ulhôa. “Sobre o Tempo” versava sobre essa questão tão cara ao ser humano de forma leve, sem perder a profundidade: “Tempo, tempo, mano velho, falta um tanto ainda eu sei/ Pra você correr macio”.
“Menina, Amanhã de Manhã” (tropicália, 1972) – Tom Zé e Antônio Perna
Inspirado no slogan da ditadura militar, “Brasil, ame-o ou deixe-o”, o irreverente Tom Zé compôs, em 1972, ao lado do parceiro Antônio Perna, “Menina, Amanhã de Manhã” dentro do espírito tropicalista que sempre o guiou. A sagacidade do baiano de Irará consistia em combater o nefasto regime lançando mão de ironias sutis e tendo, como arma, justamente a felicidade, valor sufocado por torturas e assassinatos institucionalizados pelo Estado.
Na versão de Tom Zé, a felicidade oferecida pela ditadura era enfiada goela abaixo dos cidadãos, imposta de maneira pasteurizada e falsa. Dada a amplitude de interpretações sobre composições abertas como as do baiano, a canção ganhou sentido oposto ao cair na boca do povo e com o decorrer dos anos, virando mantra de esperança.
“Espelho do Tempo” (vanguarda, 2015) – André Abujamra
Compositor, ator e poeta, Mário Lago cunhou uma das mais precisas definições sobre a relação do ser humano com a passagem do tempo, aquele ser invisível e maciço que emolduramos em relógios, fotografias e calendários e nos encontra na pele e nos ossos. “Fiz um acordo com o tempo, nem ele me persegue, nem eu fujo dele. Um dia, a gente se encontra”, escreveu Lago. Com a passagem de ano, o tempo parece a esperança de dias melhores à nossa espera, e, como de praxe, não faltam canções brasileiras que versam sobre esse assunto, passando pelo humor, a reflexão e a revolta, indo do samba ao rock, com parada na MPB. “Espelho do Tempo”, de André Abujamra, traz uma declamação de seu pai, o dramaturgo Antônio Abujamra, tudo a um só tempo…
“Arco-Íris” (MPB, 2021) – Ed Nasque e Raphael Vidigal
A delicadeza permeia todo o repertório de “Interior”, álbum de estreia de Ed Nasque, mineiro de Belo Horizonte que se mudou para Ouro Preto para cursar Música e realizar um sonho. A atmosfera de sonho, embora com pés fincados na realidade, aqui se concentra na transição entre mar e montanha, imagens recorrentes nas letras do trabalho.
Agora chega a parte que me cabe. Antes da pandemia, Ed me convidou para escrever a letra de uma melodia que ele compôs. Mas o letrista não é dono das palavras, ele só as escava de dentro das notas. Portanto, tudo que digo em “Arco-Íris” já estava lá, escondido nesse interior sonoro que Ed revela a todos e a todas nós. A esperança está de volta.
Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2022.