*por Raphael Vidigal Aroeira
“Paraíba masculina
Muié macho, sim sinhô
Eita pau pereira
Que em princesa já roncou
Eita Paraíba
Muié macho, sim sinhô” Humberto Teixeira & Luiz Gonzaga
Ao comentar as agressões do DJ Ivis contra sua mulher Pamella Gomes de Holanda, na presença da filha de nove meses do casal, a atriz e youtuber Antônia Fontenelle, disse: “Esses ‘paraíbas’ fazem um pouquinho de sucesso e acham que podem tudo. Amanhã vou contatar as autoridades do Ceará para entender porque esse cretino não foi preso”. Ao ser questionada nas redes sociais pelo uso do termo ‘paraíba’ de forma pejorativa, Antônia não recuou. “Paraíba eu me refiro a quem faz ‘paraibada’, pode ser ele sulista, pode ser ele nordestino, pode ser ele o que for. Se fizer ‘paraibada’, é uma força de expressão”, reforçou. A fala provocou novos protestos, desta vez de personalidades paraibanas, como Juliette, vencedora do BBB21, e GKay, influenciadora digital, que repudiaram o comportamento de Fontenelle.
“Não é força de expressão, é xenofobia. Não existe ‘ser paraíba’ e ‘fazer paraibada’. Existe ser paraibana, o que sou com muito orgulho”, disparou Juliette. Em julho de 2019, o ex-presidente Jair Bolsonaro também usou a expressão de maneira pejorativa. Em áudio vazado, ele invocou a Paraíba para depreciar seus cidadãos e reiterar preconceitos. “Daqueles governadores ‘de paraíba’, o pior é o do Maranhão. Não tem que ter nada com esse cara”, confidenciou ao então Ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, em referência ao então governador do Maranhão, Flávio Dino. Para provar a força do Estado, lembramos músicas que exaltam a Paraíba, através de seus cantores, músicos e compositores.
“Paraíba” (baião, 1950) – Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira
Embora seja o nordeste brasileiro identificado com frequência junto a um universo machista e de preconceitos, Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira quebraram esse paradigma de maneira enviesada em 1950. Outro forte costume da região é também o das mulheres fortes, que, não por acaso, tornam-se as lideranças das famílias e dos lares, capazes de enfrentar os maiores desafios e as violências dos próprios maridos e da moral do ambiente. No baião “Paraíba”, os compositores provavelmente prestam homenagem a essa figura bem atribuída à mãe, e reiteram: “Paraíba masculina, mulher macho, sim senhor!”. A música foi regravada pela leoa do norte Elba Ramalho.
“Paraibeiro” (choro-baião, 2016) – Zé Ramalho, Waldir Silva e Raphael Vidigal
Mineiro de Bom Despacho, o cavaquinhista Waldir Silva gravou, em 1981, o disco “Cavaquinho Camarada Nº 3”, que trouxe uma participação mais do que especial. Além de interpretar “Pelo Vinho e Pelo Pão”, Waldir registrou uma versão para “Pai e Mãe”, de Gilberto Gil, declamada por Zé Ramalho. Os dois se conheceram nos estúdios da CBS, no Rio, onde ambos eram contratados. A amizade resultou em “Paraibeiro”, parceria instrumental cujo título brincava com o fato de um ser paraibano e o outro mineiro. Com letra de Raphael Vidigal, a música foi gravada no disco “Waldir Silva em Letra & Música”, de 2016, pela cantora mineira Luana Aires.
“Bate Coração” (xote, 1982) – Cecéu
No universo patriarcal e tradicionalmente machista da música brasileira como um todo, mas, em destaque, do ambiente nordestino, a compositora Cecéu se destaca como uma das mais prolíficas em êxito popular como na qualidade de seu repertório, ao lado das não menos valentes Marinês e da paraibana Elba Ramalho que, inclusive, lançou um dos maiores sucessos da artista. “Bate Coração” foi um xote lançado em 1982 e regravada por diversas vezes. Sua permanência pode ser atribuída ao tema, ao ritmo, mas é, sobretudo, pela união dessas duas características que perpassou as vozes mais diversas. Universal como a abordagem é o sentimento, a sensação do coração batendo dentro do peito. Foi regravada por Angela Ro Ro em dupla com Elba Ramalho.
“Paraíba, Meu Amor” (xote, 1997) – Chico César
A cantoria da advogada paraibana Juliette no Big Brother Brasil 21 levou o conterrâneo Chico César ao topo das paradas de sucesso. Tudo porque a participante da atração começou a cantar com frequência “Deus Me Proteja”, uma delicada cantiga de Chico César, lançada originalmente em 2008, no álbum “Francisco, Forró Y Frevo”, em gravação que contou com a participação mais do que especial do sanfoneiro Dominguinhos (1942-2013). Antes, em 1997, Chico César homenageou o seu Estado natal com o malemolente xote “Paraíba, Meu Amor”.
“Como Tem Zé na Paraíba” (rojão, 1962) – Manezinho Araújo e Catulo de Paula
A gravação de Jackson do Pandeiro para “Como Tem Zé Na Paraíba” (“Vixe como tem Zé/ Zé de baixo, Zé de riba/ Desconjuro com tanto Zé/ Como tem Zé lá na Paraíba”), tornou-se tão emblemática que poucos associam o rojão a seus verdadeiros autores (no caso uma parceria de Manezinho Araújo com Catulo de Paula). “Desde sempre é assim, a maioria das pessoas não presta atenção no compositor, mas sim em quem canta, o próprio rádio tem por hábito dizer o nome do intérprete”, lamenta o compositor Geraldo Maia. Paraibano de Alagoa Grande que inventou o seu nome artístico inspirado por Jack Perry – ator de filmes de faroeste de quem ele era fã – Jackson do Pandeiro foi entronizado como o “Rei do Ritmo” da música brasileira e colecionou sucessos.
“Era Casa, Era Jardim” (MPB, 1978) – Vital Farias
Paraibano de Taperoá com influências ibéricas em seu violão, o músico Vital Farias construiu uma obra particular, facilmente identificável. Entre seus maiores sucessos destacam-se “Era Casa, Era Jardim”, lançada em 1978 e regravada por Fagner, também conhecida como “Canção em Dois Tempos”, e “Veja (Margarida)”, de 1986, resgatada por Alceu Valença, Elba Ramalho, Zé Ramalho e Geraldo Azevedo quando eles gravaram “O Grande Encontro”, em 1996. Também em conjunto, desta vez ao lado de Geraldo Azevedo, Elomar e Xangai, Vital Farias interpretou as duas canções em um único número, no álbum que foi batizado como “Cantoria 2”, e incentivou a plateia a cantar junto.
“Meu Erro” (balada, 1984) – Herbert Vianna
Um ano antes de serem uma das duas únicas bandas brasileiras a não serem vaiadas no primeiro Rock in Rio da história, ao lado do Barão Vermelho, o grupo Paralamas do Sucesso confirmou a sua apoteose com o álbum “O Passo do Lui”, que rendeu ao trio formado por Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone discos de platina e ouro pelas milhões de cópias vendidas. Um dos destaques do álbum era a balada “Meu Erro”, inspirada no término do relacionamento de Herbert, paraibano de João Pessoa, com a carioca Paula Toller, vocalista do Kid Abelha. Em 1989, quando lançou uma versão lenta para “Meu Erro”, no álbum “Estrebucha Baby”, Zizi Possi recebeu um elogio de Tim Maia: “Nem o Herbert sabia que a canção que ele fez era tão bonita”, provocou.
“Disparada” (moda de viola, 1966) – Geraldo Vandré e Theo de Barros
Em 1966, no auge da popularidade, Jair Rodrigues foi convidado pelo paraibano Geraldo Vandré e pelo carioca Theo de Barros para defender a parceria dos dois no Festival da Canção daquele ano. Com uma temática rústica e engajada, e, segundo os próprios autores, centrada “no folclore da região centro-sul do Brasil e nas raízes da catira do chapéu de couro”, a moda de viola “Disparada” entusiasmou a plateia, que bradou empolgada os versos direcionados de maneira enviesada contra a ditadura. Para garantir maior rusticidade à apresentação, o percussionista Airto Moreira utilizou uma queixada de burro como instrumento. A interpretação lancinante de Jair Rodrigues contribuiu para elevar “Disparada” ao primeiro lugar, empatada com “A Banda” de Chique Buarque, aclamada pelo júri, mas menos querida pela plateia.
“João e Maria” (valsa, 1978) – Sivuca e Chico Buarque
Instrumentista, arranjador e compositor nascido em Itabaiana, no interior da Paraíba, Sivuca é considerado um dos maiores tocadores de acordeom que o Brasil já conheceu. Em sua terra natal, ele passou a travar parcerias com gente da cancha de Paulinho Tapajós, Paulo César Pinheiro, Aldir Blanc e Luiz Bandeira, até que, em um encontro literalmente único, foi responsável, ao lado de Chico Buarque, por um dos maiores clássicos da canção brasileira: “João e Maria”. A melodia já existia desde 1947, e foi aproveitada por Chico justamente por remeter a seu período de infância. A valsa ingênua e doce, prenhe da delicadeza do universo lúdico, foi registrada em dueto por Nara Leão e Chico, no ano de 1978, em uma gravação antológica que segue cativando adultos e crianças. “Agora eu era herói/ E o meu cavalo só falava inglês…”, cantam eles.
“Kukukaya: Jogo da Asa da Bruxa” (quadrinha, 1979) – Cátia de França
Em 1979, a paraibana Cátia de França estreou com disco que já trazia um de seus maiores sucessos. “Kukukaya: Jogo da Asa da Bruxa” seria regravada em grupo por Elomar, Vital Farias, Geraldo Azevedo e Xangai. De acordo com a compositora da canção, ela a recolheu de quadrinhas de domínio público, e o termo que a intitula faz referência ao “pai de todos os ciganos”, que ela descobriu em uma revista de esoterismo. “No desafio do jogo da bruxa/Em noite de lua cheia/São quatro jogadores nesta mesa/Dando as cartas no jogo surdo da vida”, anunciam os primeiros versos.
“Primavera” (música soul, 1970) – Cassiano e Sílvio Rochael
Tim Maia é daqueles intérpretes tão expressivos que, ao cantar uma música, tornava-a a sua, talvez só comparável a Elis Regina. Por isso não é estranho notar que “Primavera”, um soul de 1970 escrito pelo paraibano Cassiano e Sílvio Rochael, esteja indiscutivelmente ligado à sua imagem, ou melhor, à sua voz. Mas é preciso fazer justiça aos compositores, principalmente a Cassiano, autor de pérolas desse gênero restrito no país, que encontrou em Tim Maia a sua expressão maior, mas que também contava com Hyldon, outro frequentemente relegado, autor do megassucesso “Na Rua, na Chuva, na Fazenda”. A música, romântica, encontra seu ápice quando o vozeirão de Tim anuncia: “É primavera/ Te amo!/ É primavera/ Te amo, meu amor!”. E o coro interpreta sutil a glória da chuva. “Vai chuva…”.
“Severina Xique-Xique” (forró, 1975) – Genival Lacerda e João Gonçalves
Genival Lacerda é um dos ícones da música de duplo sentido no Brasil. Natural de Campina Grande, na Paraíba, criou um estilo caricatural, pautado nas vestes espalhafatosas e na famosa dança ‘sensual’ em que põe a mão na barriga, influenciando nomes da região que também fizeram sucesso no Brasil, como Reginaldo Rossi e principalmente o cantor Falcão. Em 1975, esse gênero musical que sempre esteve ligado às camadas mais populares, viu nascer o forró “Severina Xique-Xique”, de Genival e João Gonçalves. Com uma letra mais óbvia do que na época das marchinhas, mas ainda ambígua, não se precisa de muito para imaginar o que é a butique da protagonista… “E ele tá de olho/ É na butique dela…”. A música foi regravada pelo grupo mineiro Pato Fu.
“Tareco & Mariola” (forró pé-de-serra, 1995) – Petrúcio Amorim
A cantora e compositora Juliana Linhares, da banda Pietá, lançou, em 2021, o disco “Nordeste Ficção”, em que apresenta parcerias com Zeca Baleiro, Chico César e outros nomes de sua geração, e também regrava as clássicas “Tareco & Mariola” e “Bolero de Isabel”, além de cantar, com Letrux, a irônica “Aburguesar”, canção escrita por Tom Zé em 1972, que permaneceu inédita. Nascida em Natal, no Rio Grande do Norte, a potiguar aproveita o disco para questionar os estereótipos em torno da população nordestina. “Tareco & Mariola”, um tradicional forró pé-de-serra de Petrúcio Amorim foi lançado pelo paraibano Flávio José, natural de Monteiro, interior do Estado, alcançando enorme sucesso e ficando ligado a seu nome assim como “Espumas ao Vento”.
“Cuco” (choro-baião, 1952) – Paschoal Melillo
Natural de Campina Grande, na Paraíba, Zé Calixto ficou conhecido por tocar o fole de oito baixos. Aos 12 anos, o músico já participava de shows de forró. Zé Calixto tocou ao lado de grandes nomes do forró, entre eles, Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. Com sua sanfona de oito baixos, chamou tanto a atenção dos produtores cariocas, que logo foi contratado pela Phillips, passando a gravar um LP por ano. Zé Calixto faleceu em dezembro de 2020, vítima de complicações decorrentes do Alzheimer contra o qual lutava há anos. Acordeonista e saxofonista, Paschoal Melillo nasceu em Itararé, no interior de São Paulo. Contratado pela gravadora Copacabana, Paschoal lançou os seus primeiros discos em 1952, quando apresentou pela primeira vez o choro-baião “Cuco”. A música fez tanto sucesso que seria revisitada por ele em 1957, no LP “Paschoal Melillo, Seu Saxofone e Seu Conjunto”. Coube ao habilidoso Zé Calixto revisitar a canção em 1964, quando ele regravou “Cuco”, pela gravadora Philips, no LP “Sanfoneiro Pai D’Égua”.
“A Majestade, o Sabiá” (sertaneja, 1985) – Roberta Miranda
O ano de 1986 foi aquele em que, pela primeira vez na história, uma cantora brasileira vendeu mais de um milhão e meio de cópias em seu disco de estreia. A paraibana Roberta Miranda é, ainda hoje, a quarta na lista com mais álbuns vendidos no país, atrás apenas de Rita Lee, Xuxa e Maria Bethânia. Cantora e compositora, ao longo da carreira ela emplacou sucessos como “A Majestade, O Sabiá”, “Pimenta Malagueta” e “Sol da Minha Vida”. “A Majestade, o Sabiá”, uma típica composição sertaneja, foi lançada em 1985, por Jair Rodrigues, acompanhado na gravação pela dupla Chitãozinho & Xororó e foi logo sucesso.
“Xaxado no Chiado” (xaxado, 2018) – Lucy Alves e Yuri Queiroga
Paraibana da capital João Pessoa, Lucy Alves começou a chamar atenção como cantora e instrumentista, até se revelar como uma também talentosa compositora, atriz e apresentadora brasileira. Na praça, ela colocou dois álbuns “Lucy Alves”, de 2014, e “Lucy Alves & Clã Brasil no Forró do Seu Rosil”, de 2015, em uma homenagem ao centenário de Rosil Cavalcanti. Como compositora, Lucy se destacou com “Xaxado no Chiado”, parceria com Yuri Queiroga gravada em parceria com Elba Ramalho, em número que mereceu um animado clipe que já conta com mais de 998 mil visualizações no YouTube.
“Na Areia” (MPB, 2018) – Juliano Holanda
Em “O Ouro do Pó da Estrada”, a paraibana Elba Ramalho foi procurar canções contemporâneas que se ajustassem a seu gosto pela diversidade. Os arranjos percorrem do frevo ao rock, com paradas obrigatórias no xote e no baião, até flertes com a música orquestral. Em “Na Areia”, a cantora serviu de inspiração para os versos de Juliano Holanda. “Ele fez essa música observando o caminho que percorri até aqui, é sobre a minha postura e a história que tenho”, diz Elba. Com delicadeza, cada palavra vai desenhando os contornos deixados pela artista: “Tenho andado tão serena/ sinto bem meus pés no chão/ trago o sol nos meus cabelos/ e o luar nas minhas mãos”. “O tempo tem sido generoso comigo, a gente aprende a lidar com ele e a envelhecer”, reflete Elba.