“Louca, a tarde de figueiras
e de rumores ardentes
cai desmaiada nas coxas
machucadas dos ginetes.
E negros anjos voavam
através do ar poente.
Anjos de compridas tranças
e de corações de azeite.” García Lorca
Há um ambiente reservado, no fundo de uma sala escura, destinado a mulheres e homens. Polidos, os cavalheiros passam panos por sobre óculos embaçados. Descontraídas, mulheres em vermelhos vestidos vulgares erguem as pernas à altura de cabelos castanhos. A saia está ali para ser levantada. A brisa, a rigor, uma cócega, em minutos expande-se. O furacão alça coxas, canelas, rumores. No varal, a cinta-liga desprendeu-se.
Apertadas por baixo de seios, barrigas, tremores, as pernas não mais resistem à tentação libidinosa. Gorjeiam a liberdade. A tentativa logo se entrosa a um debochado jogo de copas. Aos corações, atarantados, emulam sonhos, desejos, camas. Mas é no palco que desenrola-se, a carícia de dedos e unhas. Bem costurados, os vestidos das moças. Antes, vulgares. Agora, damas. Homens carregam-nas pelas coxas, que apenas voam para as masmorras.
Pois é na França esse meio termo. Entre o sagrado e o profano. Na Inglaterra originou-se. Mas em Paris os aplausos, ensandecidos e roucos, conquistou os proprietários: do Moulin Rouge, do Chat Noir. A melodia, de Jacques Offenbach. Os movimentos, tão populares, entre a polca e a quadrilha francesa. E a indecência, nestes lugares, desde então, chama-se Cancan. Veja o suave Toulouse-Lautrec, com o pincel, bordando as linhas, bordando as lãs.
E existem penas, ensimesmadas, cobrindo as faces, ao aproximarem-se. Por timidez, por ironia, viram de costas, levantam a saia. Exibem bundas, nuas e pardas. Exibem cores, negras e escarlates. E em uníssono, ouvem-se os gritos. Oriundos da platéia. Oriundos das meninas. Uma algazarra. Gritam-se os medos, e os pecados, estalam-se dedos, pedimos mais. Champanhe, pernas, brindam aos céus: Viva o Cancan!
Cancan – Dançado a primeira vez em 1822. Durante algum tempo, considerado ilegal, por conta do caráter provocativo e “indecente”. Principal característica: passos firmes e saltitantes, conduzidos por chutes altos e fortes, enquanto segura-se a saia na altura da cintura. Nome faz menção aos ruídos advindos dos movimentos. Figurino composto por meias de renda, botas de salto-alto, corpete, penas na cabeça e saia de babados.
Raphael Vidigal
Pintura: Toulouse-Lautrec.
3 Comentários
Adorei!!!
Cancan: “Por timidez, por ironia, viram de costas, levantam a saia. Exibem bundas, nuas e pardas. Exibem cores, negras e escarlates. E em uníssono, ouvem-se os gritos”.
Vidi! Adoro sempre o que vc escreve!! 🙂 Cadê as poesias??
Achei informativo, obg , ajudará muito no meu trabalho da escola !!! Amém 🙂