*por Raphael Vidigal Aroeira
“Protege-os com os teus sutis sortilégios.” William Blake
…cruzando o seu cenho franzido, a coroa de espinhos se ajusta sobre a fronte do menino a chorar convulsivamente, com o peito arfante, em movimentos que horrorizam os animais da estrebaria, entrelaçando com sua nodosa superfície aquela imagem de aparente pureza, presente no rosto das criaturas recém-chegadas ao mundo, e, no entanto, íntimas do desespero, da dor, da vertigem, pois sobre as mãos em prece há pregos que se aprofundam para dentro das linhas, extraindo de lá um sangue viscoso, grudento, com a textura do mel que atrai as formigas e nele as congela em seu eterno martírio, nem se incomodam o burro, a vaca, ou o boi, o céu enegrecido não dá pinta de estrela, faíscam apenas no horizonte dois olhos como dois buracos, da lúgubre mãe que perdeu o filho, enquanto o pai ausente conserva seu silêncio sem clemência, o fim se impõe, ninguém recorda da manjedoura, mas adoram a – e eu já nem ando – cruz…
Pintura: Obra de El Greco.