“Se assustar as pessoas elas vão pensar, e ficarão mais assustadas.” Ingmar Bergman
Para quem já conhece a versão original do cineasta sueco Ingmar Bergman não há surpresas na montagem teatral de “Sarabanda” quanto ao conteúdo. O que é compensado em largas medidas na maneira como os diretores Grace Passô e Ricardo Alves Jr. resolvem contar essa história. A relação de personagens que não se conectam torna-se íntima com a plateia desde o início, logo deslocada para o lugar de origem dos atores, que encontram na solidão do espaço amplo das cadeiras uma guarida indiferente a seus anseios e sonhos. Como um Deus que os observa sem que haja clemência. Essa direção combina todos os elementos que tem a seu dispor para criar uma atmosfera pesada, densa, incômoda e surpreendente. A presença da orquestra e o modo como se ergue é um só deleite. Sempre que conclamada a tomar a cena, a música dá ainda mais relevo a sentimentos que se procuram sufocar.
Os acontecimentos seguem no ritmo da hipnose, quando contaminados pela letargia, o espasmo assombra, tira do lugar e desmente a lógica da matemática, pois à repugnância das personagens retribuímos com afeto, compaixão, piedade. Nisto há o trabalho dos atores. Glaucia Vandeveld e Gustavo Werneck destacam-se, irrepreensíveis, numa laboriosa construção delicada, de gestos contidos e graves, como o local, as lembranças que os destruíram e agora somente rodeiam. Marina Viana compõe bem, e segue o desnível de emoções de sua personagem, mas nessa irregularidade de trajetória por vezes confunde-se e vai junto. Algumas cenas de loucura de Romulo Braga soam ingênuas, e chegam a roçar a pieguice apontada pela personagem de Werneck, talvez por isto haja propósito e falte certa gravidade, permanecendo o tom mais histérico. Há ainda a simples presença inquietante e a voz de Nabila Dandara.
A iluminação de Wladimir Medeiros, as imagens de vídeo, o cenário e outros objetos cênicos expõe as sensações de pessoas reclusas num ambiente tão hostil quanto o próprio corpo, o próprio espírito. O texto de Bergman, cruel e puro, retrata facetas menos louváveis no ser humano, como o rancor e o ressentimento, mas certamente mais presentes na maioria das relações do que outros valores admiráveis, como a bondade, o perdão e a esperança. Basta observar o número de pacifistas que se destacaram ao longo da história, de que são exemplos Gandhi, Mandela e Cristo, e como se proliferam nomes de ditadores sanguinolentos que não se ergueram sozinhos ao poder. Bergman raramente dá voz à esperança. O que apresenta é a possibilidade de momentos fortuitos, sorrateiros até, de felicidade, que só agarramos quando bem atentos e dispostos a ignorar todas as razões que nos levam ao ódio e à indiferença.
Raphael Vidigal
Fotos: Guto Muniz e Ricardo Portilho.