“Meu Deus, me dá cinco anos, me dá a mão, me cura de ser grande…” Adélia Prado
É na comparação entre o assaltante de uma bolsa e um político que reside o segredo do monólogo protagonizado por Cassio Scapin em que a atriz Myrian Muniz é homenageada. Evidentemente o bandido do bem de pequeno porte tem mais autenticidade, outra expressão identificada com o universo da personagem, que entre dar a mão a Deus e ao diabo não deixa passar em branco uma suma necessidade: a força da palavra.
Essa descoberta é feita por Myrian em um sonho no qual conversa com seu amigo, o Papa, e lhe questiona se a hóstia é realmente o corpo de Cristo. O pontífice deixa claro que a resolução depende mais do olhar que do objeto, o que só corrobora com algo que na infância já se iluminara aos olhos da menina brincando de interpretar: a força das coisas que não existem, da imaginação. Com uma didática própria, Myrian Muniz apresenta a vida ao teatro.
Entre vários palavrões, cigarros, tosses, fé e cusparadas, o intérprete mimetiza a figura folclórica e exponencial de Myrian Muniz de tal forma que é impossível não esquecer que se trata de um homem adotando os gestos, como a tremida na mão, a voz embargada e rouca, a risada, o olhar expressivo, e o humor debochado e ranzinza dum dos mais importantes nomes da cena teatral brasileira. A simplicidade de figurino e cenário amplifica o trabalho do ator.
Merece destaque a passagem em que a platéia é surpreendida ao convite de receber uma aula de Myrian, que começa com bom humor e termina comoventemente, assim como o trecho em que a protagonista relembra fato embaraçoso e cômico, quando ouviu “velhinhas na primeira fila” a chamarem de feia e resolveu descontar as levando às lágrimas, o que só piorou a situação, e também as experiências como bailarina e enfermeira.
Ao repetir em diferentes momentos o título da peça, “Eu não dava praquilo”, Myrian Muniz deixa claro que nasceu para o teatro e que por ele nasceu várias vezes na pele de diferentes personagens, inclusive animais, como o urso que a levou ao desmaio, mas, sobretudo, sublinha a irreverência de uma contraditória mulher que, acreditando na força das palavras desdenha dos que não as nutrem de substância, e ao piscar o olho é reverenciada por Scapin, Elias Andreato, Cássio Junqueira, Fabio Namatame, e todos os envolvidos: platéia e aplausos.
Fotos: Cassio Scapin em cena; e Myrian Muniz, a homenageada.
Raphael Vidigal
7 Comentários
Otima peça!
Bacana resenha
Estou muito feliz com a recepção que o espetáculo está tendo em Belo Horizonte! muito bacana , obrigado linda critica!!
Pelo tanto que é dito e colocado em discussão no texto espetacular, a crítica é bem rasa.
Aliás, não chegou a ser uma crítica.
🙂 gostei muito do texto! e o espetáculo é incrível mesmo
Poucas vezes, vi um monólogo interpretado com maestria como “Eu Não Dava Praquilo”, com Cassio Scapin. A sutileza de um xale jogado displicentemente sobre os ombros transforma o ator na forte Myrian Muniz. Recordo-me apenas de Carlos Moreno, em “Quixote”, ter atingido tal preciosismo. Um espetáculo que encanta por contar a história da atriz irreverente, mas, sobretudo, pela impecável atuação de Cássio.
bravo!