“E que a chuva no meu rosto
Faça crescer tenro caule
De flor. (Ainda que obscura.)” Hilda Hilst
O teatro requer coragem, e disponibilidade. No caso de “Ensaio para senhora azul” essa característica é preponderante no jogo que se estabelece entre personagem, atriz e público. No solo de Kelly Crifer a atuação se vale de enganos sem os quais seria impossível levar toda a complexidade proposta adiante. A luz é um desses truques, capaz de tornar palpável apenas através de cores as diferenças entre fantasia e realidade, exatamente o que a presença da intérprete procura misturar. No entanto, é justamente ela quem comprova a todo instante certa materialidade, a partir de uma dicção coloquial e de texto que, a despeito da conotação poética e metafórica procura afirmação frente a questões agudas e, nesse sentido, sensitivas, tanto quanto sensíveis. A dramaturgia a que se chegou com Assis Benevenuto, Kelly Crifer e o diretor Robson Vieira, tomou por base palavras dos já citados, além de Grace Passô e Viviane Ferreira, e suas passagens inspiradoras superam aquelas irregulares.
Se a iluminação atua o tempo todo para contar a história, o mesmo acontece com o espaço cênico, o palco que, mesmo conservador, surpreende no modo como é preenchido e reelabora as relações que ali possam se supor definidas. As intervenções sonoras também só aparecem quando têm algo importante a dizer. Sobretudo, existe uma extrema consciência na peça, em relação ao efeito pretendido e aonde se quer chegar, o que, no caso, é mais um questionamento do que uma conclusão. Com o perigo de parecer egocêntrica sobre certo ponto de vista, a peça aceita esse risco, inerente à forma escolhida para tratar do tema de uma realidade líquida que se expressa não somente a partir do olhar lúdico e fantasioso da protagonista, mas do oferecimento destas sensações, percepções e angústias, pois, aqui, na tentativa de afetar – e, quem sabe, mesmo incomodar – o outro, há que se estar disposto a uma entrega mútua. O teatro requer coragem, e disponibilidade. Assim como a nossa vida.
Ficha técnica
Dramaturgia de Assis Benevenuto, Kelly Crifer e Robson Vieira a partir de textos de Grace Passô, Viviane Ferreira e os três citados anteriormente.
Direção e iluminação de Robson Vieira.
Com Kelly Crifer.
Colaboração na iluminação: Marina Arthuzzi/ Sonoplastia: Kiko Klaus/ Colaboração artística: Viviane Ferreira/Consultoria em figurino: Marco Paulo Rolla/Assistente de cenografia e cenotécnico: Victor Giorni/Colaboração técnica: Rogério Alves.
Raphael Vidigal
Fotos: Marco Aurélio Prates; e Flávio Souza Cruz, respectivamente.