Conheça as melhores músicas brasileiras para a chegada da Primavera

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Uma violeta ao iniciar-se a primavera,
Precoce, mas fugaz; suave, mas efêmera,
O perfume e o recreio de um minuto apenas,
E nada mais.” William Shakespeare

Historicamente, a Primavera é conhecida como a estação das flores, e prenuncia a chegada da esperança, após tempos de desolação e recolhimento. Cantada em verso e prosa pela poeta Cecília Meireles, a Primavera também recebeu o encanto musical dos compositores brasileiros, passando por Braguinha, na década de 1930, até os anos 1990, com o grupo carioca Los Hermanos, contando ainda com a tarimba de Chico Buarque, Vinicius de Moraes, Nelson Sargento, Paulo Soledade, Cassiano, Vanusa e Beto Guedes. Para dar conta do recado, a voz suntuosa de Tim Maia e a melodiosa interpretação de Ed Nasque e Luisa Doné expressaram todo esse lirismo floral.

“Primavera no Rio” (marcha, 1934) – Braguinha
Dono de um dos mais vastos e ricos repertórios da música brasileira, Braguinha, nascido no dia 29 de março de 1907, jamais aprendeu a tocar um instrumento musical, compondo suas músicas através de uma das formas mais antigas que existem, e que desde criança se aprende, o assovio. Compositor, cineasta, dublador, cantor, Braguinha trazia no apelido singelo e simples a expressão perfeita para sua alma de criança divertida e brincalhona. Mesmo em canções que traziam versos um pouco mais reflexivos, nos quais explorava todo seu talento lírico, ao final Braguinha sempre optava pela alegria. Em 1934, Carmen Miranda lançou a marcha “Primavera no Rio”, uma das mais bonitas do repertório de Braguinha, regravada por Dalva de Oliveira e Emilinha Borba…

“Cântico à Natureza (Primavera)” (samba, 1955) – Nelson Sargento e Alfredo Português
Nelson Sargento passou quatro anos tentando emplacar um samba-enredo para a Mangueira desfilar na avenida, até que, em 1955, conseguiu. Batizado por ele e o padrasto, Alfredo Português, de “Cântico à Natureza”, a canção ficaria mais conhecida como “Primavera”, cujos versos, sublinhados por uma delicada melodia, logo trazem à memória um tempo de bem-estar e esperança: “Oh primavera adorada/ Inspiradora de amores/ Oh primavera idolatrada/ Sublime estação das flores”. As outras estações do ano são também citadas na letra, mas é a primavera que se impõe, abrindo e fechando a canção. Lançada por Jamelão em 1955, ela chegou a ter o nome do cantor credenciado entre os compositores, o que era comum na época, mas foi escrita somente por Nelson e o padrasto. Ganhou regravações de Monarco, Chico César, Ivo Meireles, etc.

“Estão Voltando as Flores” (marcha-rancho, 1962) – Paulo Soledade
Paulo Soledade abriu os olhos e enxergou, pela janela do hospital onde estava, uma primavera fulgurante, embora estivéssemos em dezembro de 1960. Em cerca de quinze minutos, sem violão nem nada, nasceu, segundo o próprio, a melhor composição do autor de “Estrela do Mar”, sucesso de Dalva de Oliveira, e parcerias com Vinicius de Moraes feitas para o projeto “A Arca de Noé”. A canção expressava todo o entusiasmo do compositor, recuperado após se submeter a uma delicada cirurgia, e se tornou um hino da redenção: “Vê, estão voltando as flores/ Vê, nessa manhã tão linda/ Vê, como é bonita a vida/ Vê, há esperança ainda”, misto de alívio e determinação de viver. Mas a música não seduziu cantores tarimbados e consagrados pela mídia, o que levou Soledade a recorrer à pequenina gravadora Mocambo, dirigida por um amigo, que topou a empreitada. Dois anos depois, a voz grave e melodiosa da carioca Helena de Lima ecoava nas rádios do Brasil inteiro, transformando a marcha-rancho “Estão Voltando as Flores” no maior sucesso de 1962. Um clássico atemporal…

“Primavera” (canção, 1965) – Vinicius de Moraes e Carlos Lyra
“Oi, gente, eu sou aquela menina ‘bicona’ do disco ‘O Som da Pilantragem’… vocês se lembram? Pois é, agora que todo mundo ‘tá na minha’… uma amostrinha do ‘Pila n.º 2’… uma faixa ‘da pesada’: ‘Tem Dó’…”. É a própria Regininha quem se apresenta, com essas palavras descoladas, na capa do compacto simples “Apresentando Regininha”, lançado pela Polydor em 1968. “Claro que a ‘Turma da Pila’ tá toda aí, bem como o nosso ‘chefe’ supremo, Nonato Buzar, amém! Ah, outra coisa: o meu LP já vem por aí. O título?… ‘Me Ajuda Que a Voz Não Dá’… Tá? ‘Bye’!…”, continua ela no encarte. O título é uma referência bem-humorada a uma frase que Regininha soltou durante a gravação de “Primavera”, a bonita música de Carlos Lyra e Vinicius de Moraes.

“Primavera [Vai Chuva]” (música soul, 1970) – Cassiano e Sílvio Rochael
Tim Maia é daqueles intérpretes tão expressivos que, ao cantar uma música, tornava-a a sua, talvez só comparável a Elis Regina. Por isso não é estranho notar que “Primavera”, um soul de 1970 escrito pelo paraibano Cassiano em parceria com Sílvio Rochael, esteja indiscutivelmente ligado à sua imagem, ou melhor, à sua voz. Mas é preciso fazer justiça aos compositores, principalmente a Cassiano, autor de pérolas desse gênero restrito no país, que encontrou em Tim Maia a sua expressão maior, mas que também contava com Hyldon, outro frequentemente relegado, autor do megassucesso “Na Rua, na Chuva, na Fazenda”. A música, romântica, encontra seu ápice quando o vozeirão de Tim anuncia: “É primavera/ Te amo!/ É primavera/ Te amo, meu amor!”. E o coro interpreta, sutil, a glória da chuva, que cai forte: “Vai chuva…”.

“Manhãs de Setembro” (balada, 1973) – Vanusa e Mário Campanha
É com justiça que se argumenta que Vanusa não teve o reconhecimento à altura do seu talento. Ainda assim, ela recebeu alguns prêmios, como, por exemplo, ao participar do IV Festival Internacional da Canção, promovido pela Rede Globo, quando cantou “Namorada”, com o marido Antônio Marcos, e foi ovacionada pela plateia. Em 1974, ela foi escolhida a revelação feminina no festival de Piriápolis, no Uruguai. Na ocasião, interpretou um dos maiores sucessos de sua trajetória, “Manhãs de Setembro”, parceria com Mário Campanha, lançada em disco no ano de 1973. Em 1980, Vanusa conseguiria o terceiro lugar no Festival de Seul, na Coreia do Sul, com a música “Mágica Loucura”, parceria com o então marido Augusto César Vannucci, é mais um hit.

“Sol de Primavera” (clube da esquina, 1979) – Beto Guedes e Ronaldo Bastos
O terceiro disco da carreira solo de Beto Guedes, lançado em 1979, trouxe como título mais uma parceria de sucesso com Ronaldo Bastos. “Sol de Primavera” anunciava a boa nova em um tempo de esperança: “Já sonhamos juntos/ Semeando as canções no vento/ Quero ver crescer nossa voz/ No que falta sonhar”. A música se tornou tema de abertura da novela “Marina” da Rede Globo, em 1980. Anos mais tarde, Beto Guedes emplacaria mais uma canção de sucesso em uma novela global, quando “Maria Solidária” entrou para “Coração de Estudante”, de 2002. “Sol de Primavera” foi regravada por Altemar Dutra e pelo cantor Leonardo, em versões muito diferentes da original de 1979.

“Como Se Fosse a Primavera” (canção cubana, 1984) – Pablo Milanés e Nicolás Guillén
Se a história da música popular brasileira possui uma linhagem, nela não pode faltar o nome de Chico Buarque de Hollanda. Filho do historiador Sérgio Buarque – e irmão das também cantoras Miúcha, Cristina Buarque e Ana de Hollanda –, o garoto prodígio da canção nacional, como era de se esperar, começou cedo. Enfileirou sucessos desde o princípio da carreira, nos anos 1960, auge da bossa nova, passando por vários ritmos, gêneros e inclusive movimentos musicais, alinhavando parcerias com nomes como o poeta Vinicius de Moraes, o maestro Tom Jobim, o dramaturgo Ruy Guerra e o tropicalista Gilberto Gil, além de outros compositores de peso, tais como Milton Nascimento, Francis Hime e Edu Lobo. Em 1984, Chico gravou a canção cubana – meio mambo meio rumba –, “Como Se Fosse a Primavera”, do poeta Nicolás Guillén com Pablo Milanés, e de quem já havia gravado o hit “Yolanda”.

“Primavera” (balada, 1999) – Marcelo Camelo
Depois de um primeiro disco baseado no hard core, o grupo carioca Los Hermanos, formado por estudantes que se conheceram nos cursos da PUC, foi, pouco a pouco, virando suas atenções para a MPB, com um acento característico que os identificava e que acentuava a melancolia das letras. Um pouco desse caminho que seria traçado logo adiante aparece em “Primavera”, música de Marcelo Camelo. Ali, o acento de balada romântica já domina a canção que, ao contrário da tradição da música brasileira, associa a famosa estação das flores ao sentimento de tristeza e desolação amorosa. “Primavera se foi e com ela meu amor/Quem me dera poder consertar tudo que eu fiz”, diz.

“Arco-Íris” (MPB, 2021) – Ed Nasque e Raphael Vidigal
A delicadeza permeia todo o repertório de “Interior”, álbum de estreia de Ed Nasque, mineiro de Belo Horizonte que se mudou para Ouro Preto para cursar Música e realizar um sonho. A atmosfera de sonho, embora com pés fincados na realidade, aqui se concentra na transição entre mar e montanha, imagens recorrentes nas letras do trabalho. Agora chega a parte que me cabe. Antes da pandemia, Ed me convidou para escrever a letra de uma melodia que ele compôs. Mas o letrista não é dono das palavras, ele só as escava de dentro das notas. Portanto, tudo que digo em “Arco-Íris” já estava lá, escondido nesse interior sonoro que Ed revela a todos e a todas nós. A esperança está de volta.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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