*por Raphael Vidigal Aroeira
“Ai, ai, Meu Deus
Tenha pena de mim
Todos vivem muito bem
Só eu que vivo assim” Ciro de Sousa & Babaú da Mangueira
Sílvio Caldas ficou injuriado com Ciro de Sousa quando ele deu o samba “Tenha Pena de Mim” para Aracy de Almeida. A música foi um sucesso absoluto no Carnaval de 1938, mas nasceu com outro nome. Inicialmente se chamaria “Ai, Ai, Meu Deus”, versos que também aparecem na parceria de Ciro de Sousa com Babaú, mas a censura getulista proibia a palavra “Deus” em canções. Ciro conheceu Waldomiro José da Rocha, que atendia por Babaú da Mangueira, durante as peregrinações boêmias pelo morro carioca. O rapaz era responsável por trazer os comes e bebes em uma birosca ali nas redondezas.
Logo, se revelou um bom sambista. Ciro ajeitou os versos e compôs a segunda parte para o futuro sucesso da dupla. Àquela altura, ele já contava com alguma repercussão a seu nome, graças a parcerias, ainda tímidas, com Moreira da Silva. Depois do estouro com “Tenha Pena de Mim”, engatou mais dois sucessos radiofônicos no mesmo ano: “A Mulher Que Eu Gosto”, samba feito com o malandro Wilson Batista, gravado pelo xará Ciro Monteiro; e o choro “Juraci”, composição com Antônio Almeida que teve o privilégio de ser lançada por Vassourinha, cantor de trajetória meteórica e morte precoce, aos 19 anos.
Outra parceria impagável – quase que literalmente – com Wilson Batista foi a sempre atual “Ganha-se Pouco, Mas É Divertido”, de título zombeteiro e espírito crítico. Também lançada por Aracy, a música ganhou regravação primorosa de Cristina Buarque, antes de ser resgatada no canto de Marcos Sacramento. Outros que regravaram a obra de Ciro de Sousa foram Elza Soares, Beth Carvalho, Roberto Ribeiro, Chico Buarque e Zizi Possi. Com dificuldades de permanecer no disputado mercado fonográfico da música brasileira, Ciro passou a compor esporadicamente e abandonou a pretensão de ser cantor. Seu derradeiro sucesso foi o “Rock do Ratinho”, com Carequinha.
“A Mulher Que Eu Gosto” (samba, 1941) – Wilson Batista e Ciro de Sousa
Filho de um funcionário da guarda municipal e sobrinho de um maestro de banda, a Lira de Apolo, na qual estreou tocando triângulo, Wilson Batista viveu avesso à legalidade, mas não se fez de rogado sobre a herança musical. As duas influências o perseguiram durante a vida, rebelde em relação à primeira, convicto com a segunda. Chegado dos irmãos Meira, malandros famosos da Lapa, Wilson sempre cultivou, em seu círculo de amizades, subversivos da ordem vigente. Algumas prisões lhe rechearam o currículo, e foram acrescentadas às suas composições temáticas e controversas para a época. Parceiro de vários sambistas, Wilson Batista compôs com Ciro de Sousa, em 1941, “A Mulher Que Eu Gosto”, no qual reclama da deslealdade de um amigo.
Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.