Cássia Eller cantou de Cazuza a Caetano Veloso com atitude rock’n’roll

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Dirijo meu carro
Tomo o meu pileque
E ainda tenho tempo pra cantar” Cazuza & Frejat

Cássia Eller nasceu no Rio de Janeiro, no dia 10 de dezembro de 1962, e morreu na mesma cidade, no dia 29 de dezembro de 2001, aos 39 anos, após sofrer um infarto decorrente da abstinência de drogas, já que vinha fazendo um tratamento para abandoná-las, e do excesso de shows que lhe causou um quadro de stress. Filha de um militar do Exército, Cássia mudou de cidade várias vezes por conta da profissão do pai, chegando a morar em Belo Horizonte, onde ela se tornou uma torcedora fanática do Clube Atlético Mineiro.

Ela iniciou a carreira em Brasília, participando de grupos teatrais dirigidos por Oswaldo Montenegro. O primeiro disco foi lançando em 1990, com uma forte pegada rock. Homossexual assumida, Cássia foi fundamental para a lei da união civil entre pessoas do mesmo sexo no Brasil, quando sua companheira Eugênia ganhou a guarda do filho Chicão, logo após sua morte. Entre os maiores sucessos de Cássia estão “O Segundo Sol”, “Palavras ao Vento”, “Por Enquanto”, “E.T.C.”, “Luz dos Olhos”, e “Malandragem”, de Cazuza com Frejat.

“Diamante Verdadeiro” (chorinho, 1978) – Caetano Veloso
Com título de música de Djavan, o disco “Álibi”, lançado por Maria Bethânia em 1978, foi o primeiro de uma cantora brasileira a ultrapassar a marca de um milhão de cópias, consolidando o ápice artístico e popular da irmã de Caetano Veloso, que despontou para o estrelato após substituir Nara Leão no espetáculo “Opinião” e imprimir sua interpretação rascante a “Carcará”, de João do Vale. No repertório de “Álibi”, uma coleção de sucessos, como o chorinho “Diamante Verdadeiro”, do mano Caetano, regravado por Cássia Eller.

“Socorro” (blues, 1994) – Arnaldo Antunes e Alice Ruiz
Apontado como um poeta do rock nacional, Arnaldo Antunes se uniu a uma grande poetisa para compor, em 1994, uma de suas mais expressivas canções. “Socorro” é resultado da parceria de Arnaldo com Alice Ruiz, que foi casada com Paulo Leminski. Em clima de blues, principalmente no canto rascante de Cássia Eller, a música ganhou a sua primeira gravação no disco homônimo lançado pela cantora.

Arnaldo Antunes só lançou a sua versão quatro anos depois, em 1998, no elogiado álbum “Um Som”. Já Alice a registrou em 2004. Comprovando o poder de fascinação da música, Gal Costa a regravou em 2002. “Socorro, não estou sentindo nada/ Nem medo, nem calor, nem fogo/ Não vai dar mais pra chorar/ Nem pra rir/ Socorro, alguma alma, mesmo que penada/ Me empreste suas penas/ Já não sinto amor nem dor/ Já não sinto nada”, proclamam os versos que dispensam maiores explicações. Basta ouvir.

“Amor Destrambelhado” (rock, 1996) – Lan Lanh e Márcio Mello
Prestes a serem mães de gêmeas, Lan Lanh e Nanda Costa lançaram “Duas Mães”, parceria do casal. “Não tenha medo/ Nós somos fortes/ Tem duas mães/ Você tem sorte”, diz a letra. A previsão do nascimento para as filhas, em gestação no útero de Nanda, é entre outubro e novembro deste ano. Lan Lanh e Nanda Costa oficializaram a união em 2019, mas estão juntas desde 2014. Antes desse momento iluminado, a percussionista compôs “Amor Destrambelhado”, rock em parceria com Márcio Mello gravado por Cássia Eller.

“Farrapo Humano” (rock, 1973) – Luiz Melodia
Outro título da filmografia clássica norte-americana inspirou Luiz Melodia, que, no disco de estreia, em 1973, gravou “Farrapo Humano”, um rock agressivo, acelerado, mas cheio de batidas e dos suingues típicos do compositor. O filme de mesmo nome foi dirigido em 1945 por Billy Wilder, com Ray Milland e Jane Wyman nos papeis principais, e retrata o drama do alcoolismo de um escritor que enfrenta um bloqueio criativo. A letra de Luiz Melodia também se quebra e se fragmenta como um “caco de telha” e um “caco de vidro”, e foi regravada por Cássia Eller e Jards Macalé, ambos admiradores e amigos do compositor.

“Juventude Transviada” (samba, 1976) – Luiz Melodia
Um dos maiores sucessos de Luiz Melodia, “Juventude Transviada” entrou para a trilha da novela “Pecado Capital”, da Rede Globo, e ficou em primeiro lugar nas paradas. Lançada no disco “Maravilhas Contemporâneas”, de 1976, é dedicada a Jane, mãe de seu filho Mahal. A música foi regravada por Luiz Melodia e Cássia Eller em 1997, num dueto para o disco “Casa de Samba 3”. O título da canção repete o do filme de 1955 estrelado pelo galã James Dean. A poesia única de Luiz Melodia aparece em cada verso de “Juventude Transviada”, um samba dolente que conversa com a tradição e a modernidade.

“Mal Nenhum” (rock, 1985) – Cazuza e Lobão
Similaridades de comportamento e gostos em comum uniam Lobão e Cazuza. Em 1985, ambos expulsos de seus respectivos grupos, “Barão Vermelho” e “Os Ronaldos”, encontraram-se no Baixo Leblon e, por sugestão de Cazuza, iniciaram parceria musical. A música “Mal nenhum”, lançada por Cazuza em seu primeiro disco solo, “Exagerado”, de 1985, foi apresentada pelo cantor pela primeira vez durante o “Rock In Rio” daquele ano, ainda na companhia do grupo Barão Vermelho.

Antes de cantá-la Cazuza faz uma defesa, a seus modos, de Lobão. O autor da letra afirma que o texto diz respeito a “uma fase em que nem eu me aguentava. Andava meio agressivo e o Lobão estava parecido comigo”. Já Lobão, responsável pela melodia diz que “apesar de parecer simples, foi bastante trabalhada”. O que emerge deste conjunto é uma música visceral, lírica, recado de uma geração para seus afetos e opressores. Regravada, entre outros, por Lobão, Cássia Eller e Arnaldo Antunes.

“Aprendiz de Feiticeiro” (vanguarda paulista, 1999) – Itamar Assumpção
Tido e havido, com méritos, como um dos mais originais e criativos artistas da música brasileira, Itamar Assumpção experimentava no palco as facetas de cantor e ator com a mesma facilidade usada para distribuir sua obra. Compositor de mão cheia incumbiu a Cássia Eller o desafio de lançar a canção “Aprendiz de Feiticeiro”, em 1999.

Na peça o autor busca retratar as desditas da existência com um olhar arguto e audacioso, misturando, como de seu feitio e da vanguarda paulista, sotaques, emblemas e territórios. Dois anos mais tarde, Cássia teria outra experiência com universo místico, ao regravar, para o especial do Sítio do Pica-Pau Amarelo, a música “A Cuca Te Pega”, também registrada por Angela Ro Ro. Com a voz capaz de encantos de outro mundo…

“Preciso Dizer Que Te Amo” (balada, 1988) – Cazuza, Dé Palmeira e Bebel Gilberto
Interpretada por Cazuza no especial “Uma Prova de Amor”, exibido pela Rede Globo em 1989, a música teve o seu primeiro registro revelado no ano de 2004, quando o produtor Ezequiel Neves recuperou a fita cassete original. Lançada na coletânea “Preciso Dizer Que Te Amo”, a versão apresenta as vozes de Bebel Gilberto e Cazuza sob o acompanhamento do violão de Dé Palmeira. “E até o tempo passa arrastado/ Só pra eu ficar do teu lado”, sublinham os versos prenhes de paixão.

Inicialmente, o refrão dizia: “É que eu preciso dizer que te amo/ Desentalar esse osso da minha garganta”, mas Dé Palmeira o achou muito “punk”, e Cazuza substituiu a expressão por “te ganhar ou perder sem engano”. A canção recebeu inúmeras regravações, com diferentes arranjos, mas mantendo o poder de identificação entre os românticos e apaixonados. Marina Lima, Leo Jaime, Bebel Gilberto e Cássia Eller foram alguns dos que deram voz a essa balada.

“Maluca” (balada, 1995) – Luís Capucho
Quando Cássia Eller o gravou, em 1999, pouca gente procurou saber quem era o autor dos versos de “Maluca”. Natural de Cachoeiro do Itapemirim, no interior do Espírito Santo, Luís Capucho é cantor, músico, artista plástico e escritor. “Sou de uma família de roceiros, colonos das proximidades de Cachoeiro. Meus parentes do interior gostavam de música brega. Eu ouvia muito o Evaldo Braga. Outro cara que admiro é o José Augusto”, diz Capucho, que mantém uma carreira artística enquanto batalha contra o vírus HIV desde os anos 1990.

“Coroné Antônio Bento” (baião, 1970) – João do Vale e Luiz Wanderley
A áspera música “Carcará”, do maranhense João do Vale, se transformou, em 1965, num grito de rebeldia e luta no histórico espetáculo “Opinião”, dirigido por Augusto Boal e produzido pelo Teatro de Arena e pelos integrantes do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes, com dramaturgia de Armando Costa, Oduvaldo Vianna Filho e Paulo Pontes. Protagonizado por João do Vale, Zé Kéti e Nara Leão, o elenco ganhou a gana da estreante Maria Bethânia quando Nara decidiu deixar o espetáculo. Em 1970, João do Vale lançou outra pedrada, mas de intenção diferente. O baião “Coroné Antônio Bento”, feita com Luiz Wanderley, ganhou as vozes de Tim Maia e Cássia Eller.

“Vida Bandida” (rock, 1987) – Lobão e Bernardo Vilhena
Lobão começou a carreira como baterista, tocou com Marina Lima e Marília Pera e fundou uma banda com Lulu Santos e Ritchie, antes de participar do primeiro disco da Blitz. Ali, o seu temperamento polêmico já ficaria conhecido. Lobão deixou a Blitz logo após o primeiro disco, por desentendimentos com os produtores da gravadora, e partiu em carreira-solo, emplacando uma série de hits, como “Me Chama”, “Corações Psicodélicos” e “Rádio BLÁ”. Lobão também é o compositor, com Bernardo Vilhena, de “Vida Bandida”, rock de 1987 regravado por Cássia Eller.

“Um Tiro no Coração” (pop rock, 2000) – Nando Reis
Embora tenha enfileirado uma série de sucessos, especialmente no ano de sua morte, quando gravou o “Acústico MTV”, e mesmo um pouco antes, com discos antológicos produzidos por Nando Reis e Wally Salomão, a exemplo de “Com Você… Meu Mundo Ficaria Completo” e “Veneno Antimonotonia”, Cássia Eller passou boa parte de sua trajetória à margem do mercado fonográfico, priorizando cantores da chamada vanguarda paulista, como Arrigo Barnabé, Mário Manga, Hermelino Neder e Itamar Assumpção. Mesmo no auge do sucesso, ela não os abandonou, quando gravou “Aprendiz de Feiticeiro”, de Itamar, e “Maluca”, de Luís Capucho. No ano 2000, protagonizou um potente dueto com Sandra de Sá em “Um Tiro no Coração”, música de Nando Reis.

“Vila do Sossego” (MPB, 1978) – Zé Ramalho
A estreia em disco solo de Zé Ramalho não poderia ser melhor. Ali, ele já enfileirava sucessos como “Chão de Giz”, “Avôhai”, “Bicho de Sete Cabeças” e “A Dança das Borboletas”, parceria com Alceu Valença que mereceu uma releitura inusitada do grupo de metal Sepultura. Também não passou despercebida a canção “Vila do Sossego”, mais uma obra de Zé Ramalho que fala de papiro e remonta ao passado para refletir sobre o presente, com sua estética medieval e mística. A música foi regravada por Elba Ramalho, Cássia Eller, Zeca Baleiro, entre outros, e permanece no imaginário popular do Brasil.

“Admirável Gado Novo” (MPB, 1979) – Zé Ramalho
“Admirável Gado Novo” merece um capítulo à parte na biografia de Zé Ramalho. O refrão marcante ganhou a força de um ditado popular, sendo usado tanto para se referir a situações de opressão quanto de alienação: “Ê, ô, ô/ Vida de gado/ Povo marcado, ê/ Povo feliz”. Ela foi inspirada no título de um livro de Aldous Huxley, “Admirável Mundo Novo”, de 1932, que versava sobre tecnologia reprodutiva e manipulação psicológica. Lançada em 1979 pelo próprio autor, a canção voltou a ter sucesso em 1996, quando virou tema da novela “O Rei do Gado”. A despeito da conotação política, Zé Ramalho comprovou a triste atemporalidade da música depois gravada por Cássia Eller.

“Cuca” (infantil, 1982) – Geraldo Casé, Waltel Branco e Sylvan Paezzo
Angela Ro Ro encarnou uma das personagens mais conhecidas do folclore nacional no especial de TV da Globo, “Pirlimpimpim”, levado ao ar em 1982. A cantora de voz rouca e grave interpretou todos os trejeitos da famosa Cuca do Sítio do Pica-Pau Amarelo criada por Monteiro Lobato, uma bruxa que tem a forma animal de um jacaré, inclusive a estridente risada. A canção feita para a personagem ficou a cargo do trio Geraldo Casé, Waltel Branco e Sylvan Paezzo. A mesma personagem foi vivida por Cássia Eller. “Olha a minha fuça/Olha que boneca/Não existe bruxa/Mais charmosa”, canta Ro Ro/Cássia.

“Na Cadência do Samba” (samba, 1962) – Ataulfo Alves e Paulo Gesta
Homônima de outra canção de sucesso, “Na Cadência do Samba” só tem em comum com a gêmea distante o seu nome. A música de Luiz Bandeira, mais conhecida pelo verso inicial “Que bonito é…”, é uma ode à alegria e tornou-se emblema de transmissões futebolísticas quando o Brasil dava as cartas no jogo. Já a composição de Ataulfo Alves e Paulo Gesta reflete sobre a despedida definitiva, ou seja, a morte. Lançada por Ataulfo Alves, ganhou regravação marcante da Divina Elizeth Cardoso, que foi seguida por Cássia Eller, Martinho da Vila, Novos Baianos e outros que não resistiram à cadência do belo samba.

“Malandragem” (rock, 1994) – Cazuza e Roberto Frejat
A música “Malandragem” foi finalizada por Roberto Frejat e Cazuza em 1989, composta especialmente para Angela Ro Ro, um desejo íntimo do poeta exagerado, fã da cantora. Angela, porém, declinou do convite, ao não se identificar com os versos “quem sabe eu ainda sou uma garotinha”, nas portas de completar 40 anos e em meio à crises de idade. Em 1994, quatro anos após a morte de Cazuza, esse rock veio à luz na voz marcante de Cássia Eller, outra discípula do próprio autor e da cantora Ro Ro. A música foi um sucesso daqueles e catapultou a carreira de Cássia Eller, que ainda era pouco famosa.

“Non, Je Ne Regrette Rien” (canção francesa, 1956) – Michel Vaucaire e Charles Dumont
Édith Piaf lançou “Milord”, compôs “La Vie En Rose”, cantou que não se arrependia de nada em “Non, Je Ne Regrette Rien”, atuou em peça de Jean Cocteau e no cinema ao lado de Yves Montand, assistiu à Segunda Guerra Mundial, foi considerada traidora em seu país, excursionou por toda a Europa, Estados Unidos e América do Sul, casou-se diversas vezes, perdeu o grande amor de sua vida, o boxeador argelino Marcel Cerdan, em um acidente de avião, quando este ia encontrá-la. No Brasil foi cantada de Bibi Ferreira a Cássia Eller.

“Brasil” (samba-rock, 1988) – Cazuza, Nilo Romero e George Israel
A partir de uma composição feita de encomenda, Cazuza criou um dos hinos da música brasileira, e não apenas de sua geração. “Brasil” foi um pedido do cineasta Lael Rodrigues para a trilha sonora do filme “Rádio Pirata”, e surgiu exuberante na voz de Gal Costa na abertura da novela global “Vale Tudo”, em 1988. Cazuza e Gal a interpretaram em um dueto descontraído no especial da Rede Globo dedicado ao compositor.

A música é pródiga em imagens impactantes e encontra Cazuza na plenitude de sua criatividade. “Brasil é um deboche sem autocompaixão, em que eu peço à pátria que me conte todas as suas sacanagens, que eu não vou espalhar para ninguém. Os problemas do Brasil parecem os mesmos desde o descobrimento: renda concentrada, a maioria da população sem acesso a nada. O problema todo do Brasil é a classe dominante, mais nada”, disse Cazuza. Cássia Eller a regravou.

“Woman Is The Nigger Of The World” (balada, 1972) – John Lennon e Yoko Ono
Os apelos de George Floyd, afirmando que estava sem ar, foram ignorados pelo agressor. A ação, ocorrida em Minneapolis, foi filmada através de um celular e correu o mundo, dando origem a uma série de protestos nos Estados Unidos e em diversos países. “Temos que lembrar, como John Lennon (1940-1980) dizia, que a mulher é o negro do mundo”, ressalta Nasi, vocalista do grupo Ira!, em alusão a “Woman Is The Nigger of The World”, música lançada por Lennon e Yoko Ono, em 1972, e regravada por Cássia Eller (1962-2001).

“Eu Sou Neguinha?” (rap, 1987) – Caetano Veloso
Sempre provocador e inventivo, desde os tempos da “Tropicália”, Caetano Veloso, que nunca para quieto, compôs, através do rap, mais um manifesto contra as desigualdades sociais no Brasil e no mundo. Lançada em 1987 a música “Eu Sou Neguinha?” também provoca no sentido moralista, ao ter Caetano interpretando uma voz feminina.

Feminina, negra, pobre, excluída. “Bunda de mulata, muque de peão”, afirma num dos versos mais contundentes. Experimental em sua forma e conteúdo, a música busca esgarçar os limites que se impõe nas sociedades arraigadas em preconceitos. É uma ode ao ser humano, à vida e ao respeito inalienável ao seu corpo e alma. Foi regravada por Cássia Eller.

“Todas as Mulheres do Mundo” (rock, 1993) – Rita Lee
Rita Lee havia prometido uma canção para homenagear Leila Diniz em 1972, quando a atriz morreu aos 27 anos em um trágico acidente de avião. “Todas as mulheres do mundo”, título retirado do filme que Domingos Oliveira ofereceu à ex-mulher e que também explicita a relação de reverência e fascínio que Leila exercia sobre o diretor; só ficou pronta em 1993. Um rock ligeiro, rasgado, sem lero-lero, sem blá-blá-blá, com o espírito de Leila em seu embrião. E de todas aquelas que Rita cita em sua ode à mulher moderna, dentre elas: Dercy Gonçalves, Roberta Close, Dolores Duran, Luiza Erundina, Hortência, Ruth Escobar e a própria mãe. A música foi regravada, com gana, por Cássia Eller.

“Rubens” (vanguarda paulista, 1986) – Mário Manga
Provavelmente a música mais explícita do cancioneiro nacional no tocante à homossexualidade masculina, “Rubens”, rock de 1986 composto por Mário Manga, ganhou sua versão definitiva na “voz de trovão”, como bem dito por Rita Lee, da icônica Cássia Eller. Como não poderia deixar de ser, havia aí mais uma ironia e tabu a ser placidamente derrubado por Cássia que, homossexual assumida, tornou-se uma das mais importantes figuras na luta pelo direito à união homoafetiva quando a Justiça decidiu dar a guarda de seu filho Chicão para Eugênia, companheira da cantora por décadas, em decisão, até aquele momento, inédita.

A postura de Cássia durante toda a vida foi um exemplo de liberdade e renascimento. Roqueira radical no início da carreira atingiu a maturidade artística como mãe e descobrindo as suavidades de seu repertório, isso sem abandonar o vigor de suas interpretações. “Rubens”, lançada pelo grupo “Premeditando o Breque”, em 1986, não deixa dúvidas quanto ao ditado: “Rubens, eu acho que dá pé, esse negócio de homem com homem, mulher com mulher!”.

“1º de Julho” (MPB, 1994) – Renato Russo
Em 1994, Renato Russo compôs especialmente para Cássia Eller a música “1º de julho”, em homenagem ao filho da cantora que acabara de nascer, Francisco, conhecido e chamado por ela de Chicão. Além de lançar uma luz poética e sensível sobre os mistérios da maternidade, Renato também acende sua lâmpada para a capacidade transformadora da mulher, os ciclos que a tornam não-linear, interessante e liberta das convenções de um mundo fadado ao preconceito e ao fracasso. Cássia Eller canta com toda a propriedade: “Sou fera, sou bicho, sou anjo e sou mulher, sou minha mãe, minha filha, minha irmã, minha menina, mas sou minha, só minha e não de quem quiser…”.

“Vá Morar Com o Diabo” (samba, 2000) – Riachão
Não poderia o samba, ritmo mais tradicional do Brasil, ficar fora desta panelada. Ainda mais tendo Riachão, Caetano Veloso e Cássia Eller nesta conversa. A música “Vá morar com o diabo” foi lançada para o sul maravilha em 2000, pelo baiano Caetano Veloso, mas certamente já era cantada e abusava de sucesso popular na boa terra de Riachão.

Quando em 2001, Cássia Eller a registrou em seu “Acústico MTV”, a explosão se deu por completo. Não podemos assentir que é com toda a razão que a personagem reclama das manhas, mimos e folgas daquela mulher. Mas uma coisa é certa, “se a panela tá suja/ela não quer lavar/quer comer engordurado/não quer cozinhar/(…)/quer agora um Cadillac para passear…”. Isso não está certo. Ou está?

“E.C.T.” (balada, 1994) – Carlinhos Brown, Nando Reis e Marisa Monte
Antônio Carlos Santos de Freitas ficou nacionalmente conhecido como Carlinhos Brown quando ingressou no grupo percussivo Timbalada e mostrou ao mundo o talento de jovens promissores da Bahia. Nascido em Salvador, no dia 23 de novembro de 1962, ele escolheu o nome artístico como uma homenagem ao cantor norte-americano de funk e soul, James Brown.

Cantor, compositor, arranjador, embaixador ibero-americano e multi-instrumentista, Carlinhos Brown já teve composições gravadas por Daniela Mercury, Margareth Menezes, Ivete Sangalo, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Gal Costa, Elba Ramalho, Milton Nascimento, entre outros. Em 2001, ele formou, ao lado de Marisa Monte e Arnaldo Antunes, o grupo Tribalistas, e, desde 2012, atua como jurado no programa The Voice Brasil, da Rede Globo. Entre seus grandes sucessos está “E.C.T.”, lançada por Cássia.

“Luz Del Fuego” (rock, 1975) – Rita Lee
Rita Lee certamente é a compositora com o maior número de obras identificadas ao feminismo, e também a que mais homenageou personagens desta seara. À sua maneira leve e descontraída, Rita inicia o ritual em 1975, no rock “Luz Del Fuego”, uma ode à icônica dançarina que provocou escândalo na sociedade brasileira com suas práticas liberalistas. Adepta do nudismo e do naturalismo, Luz foi brutalmente assassinada em 1967, aos 50 anos, mas seu legado de liberdade e amor continuou colocando fogo nos costumes e na hipocrisia. Sua história foi levada ao cinema em 1982, quando foi interpretada por Lucélia Santos. Luz Del Fuego foi aquela “que não tinha medo”, canta Rita.

“Nasci para Chorar” (rock, 1964) – Dion DiMucci em versão de Erasmo Carlos
Em 1984, o compositor norte-americano John Hartford acusou e processou o Rei da música brasileira por plagiar a canção “Gentle On My Mind”, sob o nome de “O Caminhoneiro”. Roberto Carlos admitiu que se tratava de uma versão em português feita para o especial de fim de ano da Rede Globo, e passou a creditar o nome de John Hartford.

O crítico musical José Teles aponta outro caso em que Roberto e Erasmo Carlos gravaram uma versão sem darem os devidos créditos. “É Proibido Fumar”, lançada pela dupla em 1964, repete os acordes e a melodia de “Lo Nuestro Termino”, do Dúo Dinámico, dupla espanhola que fez muito sucesso na década de 1960. No mesmo álbum que trazia o hit, Erasmo assinava versão de “Nasci para Chorar”, rock de Dion DiMucci regravado por Cássia Eller.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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