*por Raphael Vidigal Aroeira
“Doutor de anedota e de champanhota
Estou acontecendo num Café Soçaite
Só digo enchanté, muito merci, all right
Troquei a luz do dia pela luz da Light” Miguel Gustavo
Jorge Veiga, “O Caricaturista do Samba”, nasceu no dia 14 de abril de 1910, no subúrbio do Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, e faleceu no dia 29 de junho de 1979. O cantor se tornou famoso por interpretar, com voz fanhosa e sorriso fácil, sambas de breque, anedóticos e malandros, que o tornaram a mais perfeita tradução do malandro carioca metido a grã-fino da década de 1950.
Jorge sempre se apresentava no rádio e na TV trajando um elegante smoking, e abria suas apresentações na Rádio Nacional com os dizeres: “Alô, alô, aviadores que cruzam os céus do Brasil. Aqui fala Jorge Veiga pela Rádio Nacional. Queiram dar os seus prefixos para a guia de nossas aeronaves.”
Com bom humor característico e voz marcante, puxada pelo forte sotaque carioca, Jorge Veiga é eterno como um dos grandes malandros do samba, aquele que foi de pintor de paredes a artista de circo, parceiro de Cyro Monteiro e pupilo de Paulo Gracindo, que lhe deu o apelido pelo qual ficaria conhecido em todo o Brasil.
“O Caricaturista do Samba”, que deu voz à expressão “eu quero é rosetar”, em samba de autoria de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, permanece desenhando os tipos que frequentam os Cafés Soçaites, escrevem os Estatutos da Gafieira e vão aos cinemas com suas Iracemas. Jorge Veiga merece um salve, regado a Dolores, champanhotas e Teresas, pois o bom malandro terá sempre voz na música brasileira.
“Acertei no Milhar” (samba, 1940) – Wilson Batista e Geraldo Pereira
A invenção do improviso foi por mero acaso, segundo o próprio Moreira da Silva, responsável direto pela popularização do “breque”. De acordo com o que ficou na história, ele teria remendado com astuto falatório os versos de “Jogo proibido”, em 1937. E foi esse exímio talento que convenceu o radialista César Ladeira a oferecer-lhe seguinte valor para cantar na Mayrink Veiga, ao que ele respondeu: “Ora, César, não vês que eu sou o tal?!”. Como na canção de Wilson Batista e Geraldo Pereira, de 1940, ele acertou no milhar e ingressou de vez nas paradas de sucesso. Só que a astronômica quantia não passou de um sonho. A música foi regravada por Jorge Veiga, e com a mesma verve cômica.
“Iracema” (samba, 1944) – Raul Marques e Otolindo Lopes
Dono de um estilo único que associou o chamado samba paulista eternamente à sua figura, Adoniran Barbosa (1910-1982) foi um dos mais importantes compositores da música brasileira. Além de imprimir o sotaque, em parte caipira, em parte italiano, com o uso de expressões corriqueiras e gírias da região, Adoniran tinha ainda outra qualidade única: era capaz de, com uma só tacada, apreciar drama e comédia na mesma frase.
O melhor exemplo desse talento certamente aparece em “Iracema”, samba de 1956 que conta o trágico acidente que levou à morte a esposa do viúvo que canta a música. Muito antes, porém, outra Iracema marcou a música brasileira, a da canção de Raul Marques e Otolindo Lopes, lançada pelo cantor Jorge Veiga em 1944, em um contexto muito mais ameno e descontraído.
“Eu Quero É Rosetar” (marchinha, 1947) – Haroldo Lobo e Milton de Oliveira
Haroldo Lobo, considerado um dos maiores compositores carnavalescos de todos os tempos, nasceu no Rio de Janeiro no dia 22 de julho de 1910 e morreu no dia 20 de julho de 1965, na mesma cidade. Haroldo foi o autor de marchinhas inesquecíveis como “Alá-lá-ô”, com Antônio Nássara, “Retrato do Velho”, com Marino Pinto, “Eu Quero É Rosetar”, com Milton de Oliveira, e “Tristeza”, com Niltinho, sucesso imortalizado na voz de Jair Rodrigues. Haroldo Lobo venceu diversos concursos de carnaval e teve suas músicas gravadas por nomes como Aracy de Almeida, Francisco Alves, Dalva de Oliveira, Jorge Veiga, Carlos Galhardo, Linda Batista, Carmen Miranda, e etc. Pois coube a Jorge Veiga lançar a marchinha “Eu Quero É Rosetar”, de 1947.
“Sassaricando” (marchinha, 1952) – Luiz Antonio, Oldemar Magalhães e Jota Júnior
Composta sob encomenda para a peça “Jabaculê do Penacho”, a marchinha “Sassaricando” era destinada a animar o quadro “A Dança do Sassarico”. No entanto, ela agradou tanto ao produtor Valter Pinto que o espetáculo mudou de nome para “Eu Quero Sassaricar”. Interpretada por Virgínia Lane foi o maior sucesso do Carnaval de 1952. Mas não ficou restrita ao período. Em 1987, batizou novela de sucesso da Rede Globo, com Cláudia Raia como destaque. Em 2007, “Sassaricando” virou musical com Eduardo Dussek e Soraya Ravenle no elenco. De autoria de Luiz Antonio, Oldemar Magalhães e Jota Júnior, que utilizou o pseudônimo Zé Mário, a música foi regravada por Rita Lee e Jorge Veiga.
“Escurinha” (samba, 1952) – Geraldo Pereira e Arnaldo Passos
Geraldo Pereira criou, em 1952, uma interessante personagem do cancioneiro brasileiro. Ele próprio já tinha experiência nessa área ao trabalhar como ator numa peça de teatro que escreveu e dirigiu, e ao aparecer em filmes interpretando a si mesmo, como em “Brasil na Batucada”, de Luiz Barros, em que proclamava: “Não acabou a Praça Onze não!”, por ideia de Herivelto Martins.
Essa habilidade, portanto, de observar personalidades típicas do morro, já havia sido demonstrada por ele diversas vezes, mas nunca com tanta desenvoltura quanto no samba “Escurinha”, parceria com Arnaldo Passos. Na história, Geraldo desenvolve o embate entre o malandro apaixonado e a donzela requisitada: “Escurinha tu tem que ser minha de qualquer maneira, te dou meu boteco, te dou meu barraco, que eu tenho no morro de Mangueira, comigo não há embaraço”. O cantor fez questão de lançar a preciosidade, mais tarde revigorada por Cartola, João Nogueira, Jorge Veiga, Zizi Possi, e outros.
“Estatutos de Gafieira” (sambalanço, 1953) – Billy Blanco
A história de Billy Blanco é parecida com a de milhões de brasileiros. O homem que vem do norte tentar a sorte no Rio de Janeiro. Antes, porém, passou em São Paulo, onde começa o curso de arquitetura. Já na capital carioca é que Billy estende os contatos musicais e sua carreira começa a deslanchar. Quando em 1953, Inezita Barroso gravou a composição “Estatutos de Gafieira” pela primeira vez, Linda Batista já havia registrado, um ano antes, “Prece de um sambista”, para homenagear Francisco Alves. Mas os conselhos dados por Billy de maneira descolada e inteligente surtiriam tamanho efeito na cabeça dos brasileiros que as mais variadas vertentes musicais a regravariam, passando por Jorge Veiga e Elza Soares. O que só ratifica o poder de alcance da música.
“Café Soçaite” (samba, 1955) – Miguel Gustavo
Ao chegar a um restaurante no Rio de Janeiro para jantar com Ibrahim Sued (1924-1995), Paulo Cesar de Oliveira, jornalista e empresário, foi surpreendido por um gesto do colega de profissão, cuja fama o levou a ser cantado em música por Jorge Veiga (1910-1979) que, em 1955, lançou “Café Soçaite” (dos versos: “Já fui até citado na coluna do Ibrahim”), composta por Miguel Gustavo. “Cheguei sozinho, e o Ibrahim estava acompanhado da esposa, Simone. Então, sobrou uma quarta cadeira, que ele mandou o garçom retirar”, relembra. Sem entender, Oliveira questionou Ibrahim. “Aí, ele me respondeu que era pra não sentar nenhum chato ali perto da gente”, diverte-se o jornalista e empresário. A música, lançada por Jorge Veiga, eternizou a figura do colunista.
“Pistom de Gafieira” (sambalanço, 1959) – Billy Blanco
Em 1959, fechando a década de 50, após um sem número de sucessos que começaram em 1953, Billy Blanco recebeu o convite para gravar os seus próprios sambas, na respeitadíssima gravadora Elenco, com arranjos de Oscar Castro Neves. Era o coroamento da carreira do compositor que se revelaria, a partir daí, também como cantor.
Neste mesmo ano Billy lançou, pela voz de Silvio Caldas, uma música que certamente está entre as mais regravadas. “Pistom de Gafieira” recebeu durante os anos as vozes de Jorge Veiga, Moreira da Silva, Zeca Pagodinho, Toquinho, Marcelo D2, Jards Macalé, e vários outros que representam os mais variados estilos e gêneros da música brasileira. O que vem a reforçar o fato de que Billy, paraense de conjunto arquitetônico erigido no Rio de Janeiro, com vivas a São Paulo e cantado no Brasil inteiro é a cara de qualquer terreiro. “Na gafieira segue o baile calmamente/Com muita gente dando volta no salão…”.
“Orora Analfabeta” (samba, 1959) – Gordurinha e Nascimento Gomes
Waldeck Artur de Macedo, mais conhecido como Gordurinha, nasceu no dia 10 de agosto de 1922, em Salvador, e morreu no dia 16 de janeiro de 1969, aos 46 anos, vítima de uma overdose de morfina. Gordurinha ganhou o apelido quando trabalhava no Circo de Joval Rios, que, ao vê-lo sem camisa, resolveu tirar um sarro com sua magreza. Entre os grandes sucessos da carreira de Gordurinha estão “Chiclete com Banana”, “Súplica Cearense” e “Orora Analfabeta”, esta última uma paródia ao modo de falar das pessoas humildes, em parceria com Nascimento Gomes, lançada por Jorge Veiga no ano de 1959.
“Brigitte Bardot” (marchinha, 1960) – Miguel Gustavo
Brigitte Bardot está prestes a completar 88 anos. A atriz francesa foi considerada símbolo sexual das décadas de 1950 e 1960, e abandou a carreira em 1973 para se dedicar aos direitos dos animais. Afastada da vida pública, já foi cantada em músicas por Caetano Veloso, Tom Zé, Jorge Veiga, Zeca Baleiro e pelo grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone, e é famosa a sua estátua localizada na cidade de Búzios, interior do Rio de Janeiro, onde passou temporada. Em 1960, Jorge Veiga lançou a marchinha de Miguel Gustavo, intitulada, justamente, “Brigitte Bardot”, cheia da habitual malícia do intérprete.
“Ai Meu Calo” (samba, 1963) – Monsueto e José Batista
Monsueto Campos de Menezes, conhecido apenas como Monsueto, nasceu no Rio de Janeiro, no dia 4 de novembro de 1924, e morreu precocemente no dia 17 de março de 1973, aos 48 anos, vítima de uma insuficiência cardíaca. Compositor de clássicos do cancioneiro brasileiro, como “Me Deixa em Paz” e “Mora na Filosofia”, regravados por Milton Nascimento e Caetano Veloso, Monsueto começou a carreira como baterista e tocou na orquestra do Copacabana Palace. Outra se suas composições, em parceria com José Batista, é o samba cômico “Ai Meu Calo”, lançado por Jorge Veiga em 1963. E a música ainda recebeu uma regravação de Ivon Curi, outro craque da música.
“Bigorrilho” (samba-coco, 1964) – Sebastião Gomes, Paquito e Romeu Gentil
O samba “Malhador”, de Pixinguinha, Donga e Mauro de Almeida, lançado em 1918 pelo cantor Bahiano, inspirou, décadas depois, “Bigorrilho”, espécie de samba-coco composto por Sebastião Gomes, Paquito e Romeu Gentil. Ao ganhar a voz de Jorge Veiga, em 1964, ele embalou os foliões, mas seu sucesso não ficou restrito ao período carnavalesco, tornando-se presença obrigatória nas apresentações de seu intérprete, que sabia, como ninguém, sublinhar a malícia e o duplo-sentido presente na letra. E, em um dueto divertidíssimo, a música seria regravada por Maria Alcina com Ney Matogrosso.
Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2022.