Bob Nelson, o Caubói do Amor, foi uma imitação única na música brasileira

*por Raphael Vidigal Aroeira

“A arte de imitar é uma prerrogativa do próprio homem.” Aristóteles

Imagine você, um sujeito caminhando pelas ruas de Campinas, interior de São Paulo, na Rua Barão de Jaguará, com todos os trejeitos de um autêntico caubói americano, enquanto no Cine Rink passava “Idílio nos Alpes”, do diretor Irving Cummings? As mocinhas da cidade devem ter pensado que o personagem escapara da projeção, como no filme “A Rosa Púrpura do Cairo”, de Woody Allen, se o ano não fosse 1939, portanto, muito antes. As máquinas do tempo ainda não funcionavam. Esse sujeito havia acompanhado Carmen Miranda, a Pequena Notável e futura estrela de Hollywood, com o seu conjunto.

Ele tinha sido caixeiro-viajante, mas como estava vivo, também não era o personagem da peça de Arthur Miller, que chegou a se casar com Marylin Monroe, “A Morte do Caixeiro-Viajante”, montada dez anos depois, em 1949. Apesar disso, foi um diretor de teatro que mudou o curso da sua vida, quando o polonês Ziembinski, famoso pela montagem de “Vestido de Noiva”, de Nelson Rodrigues, o convidou para ir ao Rio de Janeiro trabalhar na Rádio Tupi e no Cassino Atlântico. Ali, ele ainda era um “caubói sem cavalo”, como o chamava o todo-poderoso Chatô, também conhecido como Assis Chateaubriand, dono de metade da imprensa escrita, falada, televisionada e até mais um bocadinho.

Foi Chatô quem o mandou ir à loja Sloper, lá na Rua do Ouvidor, comprar uma roupa digna de caubói. Claro que por seus interesses próprios com o oficialato ianque, com quem mantinha relações cada vez mais íntimas. Indiferente a essas colaborações, o sujeito saiu de lá todo pimpão, e parece que nunca mais tirou as vestes típicas do Texas, ao menos em público, apesar de nunca ter pisado em solo norte-americano. A terra do Tio Sam continuava sendo uma espécie de fantasia, feito uma miragem, como, aliás, era a sua própria imagem.

Na carteira de identidade, aparecia escrito Nelson Pérez, um nome mais uruguaio do que qualquer coisa. Mas ele foi rebatizado Bob Nelson, graças a uma sacada de um diretor da Rádio Tupi, que o contratou por 300 cruzeiros ao mês. Ele estava folheando uma revista de cinema da época quando se deparou com a fotografia de Robert Taylor, galã da ocasião, que era chamado de Bob. Então juntou o útil ao necessário. Manteve o nome do pupilo, mas em ordem trocada, e inventou uma alcunha mais propícia à sua postura norte-americana.

Nascia, naquele instante, Bob Nelson, o Caubói do Amor, que fez sucesso com versões inocentes e bem-humoradas de músicas cantadas pelos herdeiros mais diretos do country, como “Ó Suzana”, seu primeiro hit. “Eu Tiro o Leite” aportuguesava a onomatopeia dos caipiras ianques, a fim de conseguir um sentido mais inteligível para os ouvintes brasileiros. “O Boi Barnabé” e “Minha Linda Salomé” viraram personagens bovinos que se namoravam entre uma cantiga e outra, numa historinha que podia ser acompanhada como as novelas.

O mais interessante é que, com todos esses cacoetes importados, Bob Nelson se consagrou como algo totalmente fora da curva na música brasileira. Não há nada parecido, em termos de sucesso e repercussão midiática, nem antes e nem depois. Em 1950, ele desposou Antonietta Leal e, aos poucos, o furor da década de 1940 foi ficando pra trás, como pálida lembrança. Em 1970, voltou às telas como ator, e deu vida a um padre. Bob Nelson foi essa imitação única.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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