As mais belas canções sobre arco-íris da música brasileira

*por Raphael Vidigal

“Todos os dias assim, de chuvinha fina,
penso em velhas cenas da infância:
a tarde em que comia um pedaço de maçã
e conheci o arco-íris” Cecília Meireles

Em 1973, há meio século, quando lançou o seu primeiro disco solo, Élton Medeiros foi desenhado pelo genial Elifas Andreato com um arco-íris entre as mãos na capa desse trabalho que se tornou histórico e trouxe, entre outros, clássicos da envergadura de “Pressentimento”, “Mascarada” e “O Sol Nascerá”, parcerias com Hermínio Bello de Carvalho, Zé Kéti e Cartola, respectivamente. A imagem do arco-íris, geralmente associada à renovação e esperança, também costuma ser frequente em canções da música brasileira, seja apenas no título ou dando, de fato, o sentido da letra, passando pelo samba, a MPB, a canção e a toada de inspiração sertaneja. Ao longo do tempo, muitos se atreveram a sondar os mistérios do arco-íris, com seu espetáculo de cores após sol e chuva…

“Ponha um Arco-íris na sua Moringa” (salsa, 1970) – Paulo Diniz e Odibar
Xarás, Paulo Diniz e Paulo Leminski se conheceram durante a efervescente década de 1960, quando os dois chegaram a morar no lendário Solar da Fossa, um casarão localizado no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, que se tornou célebre por abrigar artistas como Caetano Veloso, Gal Costa, Paulinho da Viola, Paulo Coelho, Betty Faria, dentre outros. Foi nesse ambiente regado a liberdade e criatividade que Diniz e Leminski se tornaram amigos, o primeiro vindo do agreste pernambucano e, o segundo, de Curitiba, capital paranaense, unindo o Nordeste ao Sul do Brasil. Ao lado do inseparável parceiro baiano Odibar, Paulo Diniz compôs, em 1970, a salsa “Ponha um Arco-íris na sua Moringa”, cujo título psicodélico foi dado por Paulo Leminski numa alusão ao efeito dos alucinógenos.

“Arco-Íris” (MPB, 1981) – Fátima Guedes
Fátima Guedes fala sobre fadas, duendes, elfos e gnomos na letra de “Arco-Íris”, composição de sua autoria que integra o terceiro disco de uma carreira solo inaugurada no mercado fonográfico em 1979. Desde sempre, a cantora e compositora carioca chamou atenção de público e crítica pela capacidade melódica e sensibilidade de suas canções, tornando-se ícone de um movimento de composição feminina na música brasileira que tinha, entre outras, nomes como Joyce Moreno, Marina Lima, Angela Ro Ro e, claro, ela, Fátima Guedes. Em 1973, ela estreou como compositora, e logo teve a impressionante música “Onze Fitas” gravada por Elis Regina, no espetáculo “Saudade do Brasil”. “Arco-Íris” foi lançada por Fátima Guedes em 1981, no aclamado álbum “Lápis de Cor”.

“Um Arco-íris na Tarde” (MPB, 1982) – Baby do Brasil e João Donato
Junte-se o balanço inconfundível de João Donato à poética mística de Baby do Brasil e têm-se uma das composições mais inebriantes da música popular brasileira. Em 1982, já em carreira solo após várias temporadas de inegável sucesso com a trupe dos Novos Baianos, Baby do Brasil, devidamente rebatizada, colocou na praça o álbum “Cósmica”, que dava a letra de sua ligação cada vez mais profunda com as forças que vão além da razão, sem falar na capa, em que os cabelos outrora arroxeados ganhavam tonalidades rosas e azuis, e as mãos cruzadas sobre o peito exibiam unhas igualmente coloridas. “Um Arco-íris na Tarde” é o resultado deste encontro único na canção brasileira, com versos que, ao elogiar a protagonista, falam sobre a beleza inefável da Natureza.

“Íris” (MPB, 1984) – Djavan
Djavan não tem jeito. Não tem outro e não tem igual. Nascido em Maceió, o músico alagoano cravou a sua assinatura na música brasileira com um estilo facilmente reconhecível, que despertou a curiosidade de gerações desde o seu surgimento até os dias atuais. Com uma levada única calcada no samba e uma poesia de alto teor simbolista, ele conseguiu o difícil feito de unir sofisticação à popularidade, alcançando sucessos nas rádios com músicas como “Fato Consumado”, “Flor de Lis”, “Meu Bem Querer” e “Açaí”. Exaltado por Caetano Veloso, tornou-se parceiro de Chico Buarque e foi gravado por nomes de peso da música brasileira que vão de Maria Bethânia a Gal e Cássia Eller. Em 1984, no álbum “Lilás”, lançou “Íris”, que cita o arco-íris com a sua delicadeza habitual…

“Arco-íris” (samba, 1985) – Luiz Carlos da Vila e Sombrinha
Em 1985, Beth Carvalho não se fez de rogada ao colocar na capa de seu álbum um peito nu, suado, com uma correntinha no pescoço que trazia o seu rosto e, numa letra de seu nome, a estrela vermelha do Partido dos Trabalhadores, fundado cinco anos antes. No repertório do disco “Das Bênçãos Que Virão com os Novos Amanhãs”, que refletia a esperança pelo fim da ditadura militar e a retomada da democracia, havia homenagem ao histórico bar Zicartola, de Cartola e Dona Zica, e participação mais que especial de Grande Otelo na faixa de abertura, “Cinelândia”, uma exaltação à força da cultura popular brasileira. Mas havia ainda outra preciosidade, o samba “Arco-íris”, de Luiz Carlos da Vila e Sombrinha, que diz romanticamente: “O teu sorriso é um arco-íris sobre o mar”.

“A Oitava Cor” (samba, 1988) – Luiz Carlos da Vila, Sombra e Sombrinha
A ideia de que haveria uma misteriosa oitava cor além das sete do arco-íris, representando a noção do extraordinário, é explorada pelo trio de compositores Luiz Carlos da Vila, Sombra e Sombrinha no samba intitulado, justamente, “A Oitava Cor”, lançado pelo grupo Fundo de Quintal, em 1988. Posteriormente, a música recebeu regravações de seus compositores e do herdeiro na tradição do samba, Moyseis Marques, que a resgatou em 2009, no álbum “Fases do Coração”. Compositor de talento e um dos responsáveis pelo sucesso “O Show Tem Que Continuar”, parceria com Arlindo Cruz e Sombrinha, o bamba Luiz Carlos da Vila, leitor ávido de Carlos Drummond de Andrade, ficou conhecido como “Salvador Dalí do Samba”, pela carga poética que imprima às suas letras…

“Arco-íris” (canção, 1990) – Sivuca, Glória Gadelha e Moraes Moreira
Glorinha Gadelha nasceu em Sousa, interior da Paraíba, e logo chamou atenção da crítica ao vencer o primeiro Festival da Música Popular do Nordeste, promovido pela TV Jornal do Comércio, em 1969. Seus conhecimentos musicais logo se intensificaram com cursos no exterior e apresentações em países como Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia, Alemanha, Áustria e Suíça. Em 1990, ao lado do marido Sivuca e de Moraes Moreira, assinou a canção “Arco-íris”, regravada pelos autores e por Pepeu Gomes e Rildo Hora. O curioso é que a letra só fala sobre o arco-íris em seu verso derradeiro: “Céu de prazeres e flores/ Pincel e todas as cores/ Do arco-íris do amor”. Sofisticada, a canção bebe na tradição romântica da música popular brasileira, com notada influência da valsa.

“Cantiga do Arco-íris” (sertaneja, 1990) – Xavantinho e Arlindo Moniz
José Ramiro Sobrinho, conhecido como Pena Branca, nasceu em Igarapava, no interior de São Paulo, no dia 4 de setembro de 1939, e morreu no dia 8 de fevereiro de 2010, aos 70 anos. Em 1961, ele formou com seu irmão mais velho, Ranulfo Ramiro da Silva, o Xavantinho, mineiro de Uberlândia, a histórica dupla caipira conhecida como Pena Branca & Xavantinho. A dupla só se desfez em 1999, após quase 40 anos de trajetória, com a morte de Xavantinho, que, em 1990, compôs com Arlindo Moniz a toada de feição sertaneja “Cantiga do Arco-íris”. Lançada pela dupla caipira, a música é plena daquela dolência e de uma melancolia própria do sertanejo que deixa a sua terra, sua paisagem, mas jamais a esquece, mantendo-a intacta na retina, e firme em seu coração cheio de amor…

“Floresta do Arco-Íris” (instrumental, 1996) – Almir Sater
Nascido em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, Almir Sater iniciou a carreira no início da década de 1980, quando lançou o seu primeiro disco, “Estradeiro”. Violeiro de talento, ele alcançou sucesso nacional ao compor, com Renato Teixeira, a canção “Tocando em Frente”, que se tornou um hino, tamanha a sua popularidade e dos versos com vocação para ditado. Outro acontecimento foi a participação na telenovela “Pantanal”, em 1990, que marcou época na TV Manchete. Entre os grandes êxitos como intérprete de Almir Sater ainda se destacam as belas “Um Violeiro Toca”, outra parceria com Renato Teixeira, e a versão para “Trem do Pantanal”, de Geraldo Roca e Paulo Simões. Em 1996, no disco “Caminhos me Levem”, Sater gravou a instrumental “Floresta do Arco-Íris”.

“Oitava Cor” (MPB, 2015) – Luis Felipe Gama e Tiago Torres da Silva
Poeta, dramaturgo e letrista, o português Tiago Torres da Silva, nascido em Lisboa, possui uma longa relação com a música popular brasileira, que passa por nomes como Ney Matogrosso, um dos pioneiros na obra do artista em terras tupiniquins, e chega até Maria Bethânia, Simone, Elba Ramalho, Alcione, Joanna, Daniela Mercury e Chico César, atravessando estilos e gerações. Coube ao pianista e arranjador brasileiro Luis Felipe Gama, costurar a melodia para a impressionante poesia de Tiago Torres da Silva em “Oitava Cor”, lançada pela não menos talentosa cantora Cida Moreira, em 2015, num compêndio que tece reflexões existência e políticas, e, claro, não deixa de exaltar a ideia de arco-íris. A música foi gravada no álbum “Soledade”, e produzida pelo selo Joia Moderna…

“Arco-íris” (MPB, 2021) – Ed Nasque e Raphael Vidigal
A delicadeza permeia todo o repertório de “Interior”, álbum de estreia de Ed Nasque, mineiro de Belo Horizonte que se mudou para Ouro Preto para cursar Música e realizar um sonho. A atmosfera de sonho, embora com pés fincados na realidade, aqui se concentra na transição entre mar e montanha, imagens recorrentes nas letras do trabalho. Agora chega a parte que me cabe. Antes da pandemia, Ed Nasque me convidou para escrever a letra de uma melodia que ele compôs. Mas o letrista não é dono das palavras, ele só as escava de dentro das notas. Portanto, tudo que digo em “Arco-íris” já estava lá, escondido nesse interior sonoro que Ed revela a todos e a todas nós. A esperança está de volta nesta canção, que traz a participação pra lá de especial da cantora Luisa Doné…

Foto: Elifas Andreato/Reprodução.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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