“Deixai que assim se faça o teatro e comecem
As cenas de verdade
Penetrai bem fundo em toda a vida humana!
Se cada qual a vive, não muitos a conhecem,
A muitos ela engana.” Goethe
Erguer um teatro no período da ditadura militar no Brasil não é para qualquer um. Talvez só para Tereza Rachel e Ruth Escobar, que lhe inspirou. Mulher, descendente de judeus nascida na baixada fluminense, no Rio de Janeiro, Tereza se destacou como uma das mais importantes atrizes do cenário nacional, não apenas por sua atuação diante das câmeras ou nos palcos, mas, em especial, pelas atitudes destemidas e corajosas, conferindo à palavra artista o seu valor de origem. Vanguarda é uma das melhores expressões que se usa para se referir à Tereza, quase sempre ligada a causas nobres, que iam contra o conservadorismo dos costumes e as tentativas de tolher as liberdades. Encenou em seu teatro autores que para além das nacionalidades traziam esses temas para o centro do debate. De Millôr Fernandes a Tennessee Williams, passando por Anton Tchekhov e Mario Vargas Llosa.
Uma das mais marcantes da carreira foi a da histórica peça “O Balcão”, do polêmico e controverso Jean Genet, que se definia como “intérprete dos dejetos humanos”. A montagem, realizada no Teatro Ruth Escobar e dirigida pelo argentino Victor García impressionou não apenas pelo cenário criado por Wladimir Pereira Cardoso, mas também pelas interpretações viscerais e fatais que exigia, dentre elas, a de Tereza, no papel de uma prostituta. Na televisão prevaleceu o interesse pelas complexas personagens geralmente associadas ao universo da vilania, e no quanto é possível diluir o maniqueísmo destas dramaturgias, Tereza foi uma das mais absolutas atrizes, sabendo dar consistência e, quando necessário, humor, para as personagens, como em “Que Rei Sou Eu?”, atuando, entre outros, com Antônio Abujamra e Dercy Gonçalves.
No cinema, onde os convites eram mais raros, Tereza Rachel, ainda assim, teve a oportunidade de participar de produções importantes, sobretudo “Pedro Mico”, deliciosa comédia social dirigida por seu futuro marido Ipojuca Pontes, que traz Pelé no papel principal dublado por Milton Gonçalves, uma jogada que se não foi proposital contou com a sorte de resultar num gol de placa. Tendo como pano de fundo as constantes tensões provocadas pela desigualdade de recursos que impera no país, responsável por consolidar a figura do malandro carioca, a película exibe atuações primorosas do protagonista ciceroneado por Jorge Dória, Ivan Cândido, Jorge Cherques, Julciléa Telles e, como não poderia deixar de ser, Tereza Rachel, cujo principal pecado foi o do talento desmedido. Para quem duvida, basta conferir nos depoimentos e fitas.
Raphael Vidigal
Fotos: Divulgação; a segunda imagem é da peça “Bonitinha, mas Ordinária”, de Nelson Rodrigues, encenada em 1962, com o ator Carlos Alberto.