Johnny Alf foi precursor da bossa nova e cantou a homossexualidade

*por Raphael Vidigal Aroeira

“E quem sabe o que convém
A seres tão exauridos.
Concedemos
Alento, nudez, lirismo.” Hilda Hilst

Ao recusar o convite, Johnny Alf deu mostras de sua personalidade. Em 1961, o Carnegie Hall ficou esperando pela sua pessoa, já que ele não quis saber de viajar para os Estados Unidos e preferiu ficar em São Paulo. Um ano depois, no fatídico dia 21 de novembro de 1962, havia quem se acotovelasse para conferir a apresentação dos brasileiros que oficialmente lançou a bossa nova em Nova York. No palco estavam João Gilberto, Tom Jobim, Agostinho dos Santos, Sérgio Ricardo, Carlos Lyra, Luiz Bonfá, Roberto Menescal, Wanda Sá, Ana Lúcia e Chico Feitosa, o responsável por levar o convite a Johnny Alf no ano anterior. A ausência de Alf nessa fotografia da noite consagradora resume a sua participação no movimento do qual foi precursor. À sombra dos holofotes.

Filho de um cabo do Exército que lutou na Revolução de 1932, Johnny Alf, nascido Alfredo José da Silva, perdeu o pai aos 3 anos de idade, o que obrigou sua mãe a trabalhar como empregada doméstica na casa de uma família de posses para sustenta-los. Foi lá que Alf teve acesso a uma educação rígida e qualificada, e começou a aprender piano clássico. A habilidade do garoto logo chamou atenção, assim como seu interesse por Cole Porter, George Gershwin e Nat King Cole, que enchiam as telas do cinema norte-americano com suas canções. Uma amiga das terras ianques foi quem o convenceu a adotar o nome artístico de Johnny Alf, após ele tomar contato com o cantor Dick Farney.

Juntos, eles formaram um grupo de interação entre as músicas brasileira e norte-americana, que ainda contava com Tom Jobim, Nora Ney e Luiz Bonfá. Seguindo a carreira do pai, Johnny Alf também atuava como cabo do Exército durante o dia, enquanto tocava em casas noturnas à noite, revezando-se nas duas funções. Contratado pela boate do radialista César de Alencar, teve a oportunidade de ser gravado pela primeira vez em 1952, quando a atriz e cantora Mary Gonçalves, então Rainha do Rádio, escolheu três de suas composições para cantar no LP “Convite ao Romance”, em que aparecia com o olhar de soslaio e chapéu de palha: “Estamos Sós”, “Escuta”, “O Que É Amar”.

A última foi a que obteve melhor repercussão, asfaltando o caminho para o próprio Alf estrear em disco com “Céu e Mar” e “Rapaz de Bem”, duas canções que abalaram as estruturas da música brasileira. Ali estavam as balizas da nascente bossa nova, com inovações harmônicas e melódicas, prezando pela sutileza do discurso e abandonando o canto empostado, mas ainda sem o violão revolucionário de João Gilberto e sua batida icônica. “Rapaz de Bem”, em especial, passou a ser estudada com o passar dos anos, por conta de uma hipotética alusão à homossexualidade que Johnny Alf jamais assumiu. Na mesma linha, estaria “Eu e a Brisa”, lançada pela cantora Márcia, no ano 1967.

Uma das mais expressivas canções de Johnny Alf, chegou ao público por meio do III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, e acabou desclassificada pelos jurados. Mas o tempo, mais sábio que os homens, tratou de depurá-la para a posteridade, evidenciando toda sua beleza. “Ah, se a juventude que essa brisa canta/ Ficasse aqui comigo mais um pouco/ Eu poderia esquecer a dor/ De ser tão só/ Pra ser um sonho”, dizem os inspirados versos. “Ilusão à Toa”, que ecoou na voz de Ana Lúcia em 1961, é outra contribuição ao tema da homossexualidade, aqui de maneira lírica, pela primeira vez, e ainda subliminar. Johnny Alf, negro, é um dos maiores da MPB.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2022.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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