Relembre os sucessos de Nana Caymmi, cantora de estilo único na MPB

*por Raphael Vidigal Aroeira

“A palavra não basta para o canto.
Nem é o canto de amor essa constante
Aragem de umas praias que escolheis.
Nas ilhas um mormaço, conjeturas,
Vizinhança de chuva, mortos, vivos
Rememorando a tarde em viuvez.” Hilda Hilst

Dinahir Tostes Caymmi, mais conhecida como Nana Caymmi, nasceu no berço esplêndido da música popular brasileira, no dia 29 de abril de 1941, no Rio de Janeiro. Filha do baiano Dorival Caymmi e irmã dos cariocas Dori e Danilo Caymmi, ela iniciou a carreira artística em 1960, ao gravar com o pai a canção “Acalanto”.

Em 1963, lançou o seu primeiro disco-solo. Ao longo de uma bem-sucedida carreira, Nana Caymmi se tornou uma das mais requisitadas cantoras da música brasileira, gravando canções para trilhas de minisséries e novelas da Rede Globo, como o megassucesso “Suave Veneno”, lançado no ano de 1999. Essa música é composição de Aldir Blanc com o pianista Cristóvão Bastos.

“Fascinação” (valsa, 1905) – Fermo Dante Marchetti e Maurice de Féraudy
Escrita em 1905 por Fermo Dante Marchetti e Maurice de Féraudy, a valsa francesa “Fascinação” rodou o mundo e se tornou uma das mais populares de todos os tempos. Em 1943, recebeu uma versão em português criada por Armando Louzada e gravada no mesmo ano por Carlos Galhardo em companhia de sua orquestra. O cantor ficaria conhecido como o “Rei da Valsa”. Três décadas depois, em 1976, Elis Regina a resgatou para o espetáculo “Falso Brilhante”, em uma interpretação arrebatadora. A música entrou para a trilha da novela “O Casarão” e recebeu as versões de Nana Caymmi e Ney Matogrosso.

“Pra Machucar Meu Coração” (samba, 1943) – Ary Barroso
Na boca dos cantores, na pena dos poetas e sob o olhar dos amantes e das paixões tardias, ele recebe vários contornos, cores diversas, mas a expressão é sempre a mesma: símbolo do sentimento; representa o amor e a vida. Materno, leviano ou vagabundo; em desalinho ou de estudante; o coração do Brasil bate em seu TIC-TAC ao ritmo de forró, xote, samba, marcha e até tango. Dramático ou satírico, apaixonado ou tranquilo, o coração vem de Vicente Celestino, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Elba Ramalho, Zeca Pagodinho, ao ritmo da vida que recebe a música como remédio e amiga. Em 1943, Ary Barroso compôs o samba “Pra Machucar Meu Coração”. Lançado pelo cantor Déo, recebeu regravações de Nana Caymmi e Gal Costa.

“Se Queres Saber” (samba-canção, 1947) – Peterpan
José Fernandes de Paula ou José Borba, o popular Peterpan, seria mais popular se fosse diretamente associado às suas composições. Gravado por Aracy de Almeida, Quatro Ases e um Coringa e Nana Caymmi, o herói do Brasil com apelido herdado da eterna criança norte-americana nasceu em Maceió, capital de Alagoas, e criou os versos e a melodia de “Se Queres Saber”, uma das mais bonitas canções de dor-de-cotovelo já escritas. A música foi lançada em 1947 por Emilinha Borba e regravada por Nana Caymmi em 1977.

“Saudade” (samba, 1947) – Fernando Lobo e Dorival Caymmi
Lançada em 1949, por Francisco Alves, cantor que ficou conhecido como o Rei da Voz durante a Era de Ouro do Rádio, “Chuvas de Verão” é um samba-canção de Fernando Lobo que fala sobre um amor passageiro, inebriante como as chuvas de verão. A música foi regravada por Orlando Silva, Silvio Caldas, Nelson Gonçalves, Noite Ilustrada e Elza Soares, confirmando a sua beleza, mas ganhou a sua versão definitiva em 1969, com a voz de Caetano Veloso. Dois anos antes, Fernando Lobo e Dorival Caymmi compuseram “Saudade”, em 1947. A música foi lançada por Orlando Silva, e regravada, em 2007, por Nana Caymmi, com o piano de Cristóvão Bastos, em “Quem Inventou o Amor”.

“Ninguém Me Ama” (samba-canção, 1952) – Fernando Lobo e Antônio Maria
Fernando Lobo nasceu em Recife no dia 26 de julho de 1915 e morreu no Rio de Janeiro em 22 de dezembro de 1996, aos 81 anos. Jornalista, radialista e compositor, ele criou clássicos da música brasileira, em parcerias com Antônio Maria, Evaldo Rui, Dorival Caymmi, Paulo Soledade e Manezinho Araújo. “Ninguém Me Ama”, samba-canção de 1952, composto por Fernando Lobo e Antônio Maria, é dono de versos que ninguém esquece: “Ninguém me ama/ Ninguém me quer/ Ninguém me chama/ De ‘meu amor’”. A música foi lançada por Nora Ney, com seu estilo inconfundível de canto falado, que sublinhava ainda mais a dor da canção. Depois, recebeu regravações de Nelson Gonçalves, Nat King Cole, Maria Creuza, Nana Caymmi, Quarteto em Cy, etc.

“Acalanto” (canção de ninar, 1957) – Dorival Caymmi
“Acalanto” é uma canção de ninar composta por Dorival Caymmi em 1957 para sua filha Nana Caymmi, que depois viria a cantá-la com ele. Com ternura e serenidade, revela o incondicional do amor paterno. Alguém a dedicar seus amores, carinhos, cuidados, para que o existir se valha. Eis um bonito clássico.

“Medo de Amar” (samba-canção, 1958) – Vinicius de Moraes
Ponte entre a tradição e a modernidade, Elizeth Cardoso privilegiava letras que calavam fundo em seu peito: “Nunca mais vou fazer/ O que o meu coração pedir/ Nunca mais vou ouvir/ O que o meu coração mandar”, de Antônio Maria (1921-1964) e Ismael Neto (1925-1956). “Ocultei/ Um sentimento de morte/ Temendo a sorte/ Do grande amor que te dei”, de Ary Barroso. “Risque meu nome do seu caderno/ Pois não suporto o inferno/ Do nosso amor fracassado”, do mesmo compositor. “Outra vez, sem você/ Outra vez, sem amor/ Outra vez, vou sofrer, vou chorar/ Até você voltar”, de Tom Jobim. “Vire essa folha do livro e se esqueça de mim/ Finja que o amor acabou e se esqueça de mim”, de Vinicius de Moraes. “Medo de Amar”, um samba-canção só de Vinicius, ganhou a versão arrebatadora de Nana Caymmi, e foi regravada por Ney Matogrosso.

“Pra Você” (bolero, 1968) – Silvio César
É constrangedora a indiferença contemporânea em torno da obra do compositor Silvio César. Para quem não liga o nome à pessoa, o mineiro de Raul Soares, cidade na Zona da Mata, que consolidou a carreira no Rio de Janeiro, é o autor da clássica “Pra Você”, regravada por Nana Caymmi, Gal Costa, Angela Maria, Emílio Santiago, Taiguara, Zezé Motta, entre outros. A precisão dos versos sobre um amor idealizado ajuda a entender a perenidade da música: “Pra você eu guardei/ Um amor infinito/ Pra você procurei o lugar mais bonito/ Pra você eu sonhei o meu sonho de paz/ Pra você me guardei demais”, declara o eu lírico, que ao final apela à amada que ela retorne ao lar.

“Quantas Lágrimas” (samba, 1970) – Manacéia
Produzido por Paulinho da Viola, o disco “Portela, Passado de Glória”, foi lançado em 1970. O trabalho apresentou composições dos mais ilustres nomes da Escola de Samba na interpretação da Velha Guarda da Portela. Entre elas, a música “Quantas Lágrimas”, que, como o próprio disco, não recebeu a atenção merecida e passou despercebida. Felizmente, o Brasil tem Cristina Buarque que, quatro anos depois, em 1974, estreou em disco e chamou a atenção do país para a beleza de “Quantas Lágrimas”. A música se transformou no maior sucesso da carreira de Cristina e de Manacéia, e recebeu mais de 40 regravações, passando pelas vozes de Teresa Cristina, Zélia Duncan, Noite Ilustrada, Paulinho da Viola, Marisa Monte, Nana Caymmi, e etc.

“Beijo Partido” (clube da esquina, 1975) – Toninho Horta
Lançada em 1975 por Nana Caymmi e relançada por Milton Nascimento no disco “Minas”, a música “Beijo Partido”, de Toninho Horta é, até hoje, considerada uma das mais bonitas da música brasileira, definida pelo historiador Jairo Severiano, no livro “A Canção do Tempo: Volume II”, como aquela que “tipifica o estilo do compositor, com sua linha melódica aparentemente simples e a harmonia sofisticada”. “As pessoas vão perceber esse movimento pendular, de uma construção musical sofisticada que regressa ao berço, a algo mais simples”, sustenta o sempre inquietante Toninho Horta.

“Fruta Boa” (clube da esquina, 1983) – Milton Nascimento e Fernando Brant
“Fruta Boa”, parceria de Fernando Brant com Milton Nascimento, foi lançada por Telma Costa e depois regravada por Nana Caymmi, em 1983, no disco que a cantora dividiu com o pianista César Camargo Mariano, batizado de “Voz e Suor”. “Só pela beleza essas músicas já valem, elas são emocionantes acima de tudo. E isso tem a ver com a música mineira que decorre do século XVIII em Vila Rica e chega ao século XX com a mistura desses contrastes de uma cidade planejada em relação a ladeiras, picos e construções coloniais. As letras do Fernando Brant ajudaram a formatar a musicalidade do Clube da Esquina, que, no disco de 1972, sintetiza esses movimentos. Digo que é o primeiro álbum de world music do mundo”, avalia Rodrigo Toffolo, maestro da Orquestra Ouro Preto.

“Doralinda” (MPB, 1989) – Cazuza e João Donato
“Doralinda” é uma das últimas composições de Cazuza, lançada postumamente, em 1991. Nesta sensível parceria com João Donato, o poeta reflete sobre a existência e propõe para a sua amada as riquezas materiais da vida, que disfarçam o que se quer mostrar de verdade, o real sentimento e sua impalpabilidade. Por isso ele afirma: “Eu queria te dar a lua, só que pintada de verde/ Te dar as estrelas, de uma árvore de Natal/ E todo o dinheiro falso do mundo, eu queria te dar”. Ou seja, prova de que o dinheiro em si, como símbolo, não provoca as desilusões humanas, mas como tudo o que é manipulado, é do seu uso que dependerá a conotação boa ou ruim. Ao fim, Cazuza vaticina: “Eu queria te dar o amor que eu talvez nem tenha pra dar…”. A música foi regravada por Nana Caymmi, o próprio João Donato e Emílio Santiago, e, com singeleza, revela e esconde o real espírito natalino.

“Resposta ao Tempo” (bossa nova, 1998) – Aldir Blanc e Cristóvão Bastos
A música “Resposta ao Tempo” concentra uma poesia altamente existencial e reflexiva de Aldir Blanc, aliada à melodia sofisticada de Cristóvão Bastos e à voz de mormaço de Nana Caymmi. Esse conjunto, por si só, a justifica como obra-prima. Não bastasse isso, essa típica peça de bossa nova, tema de abertura da minissérie “Hilda Furacão” em 1998, tem como tema o “tempo”, um dos mais misteriosos ao ser humano, senão o principal responsável por suas dúvidas, esperanças e medos. Por isso, ele adquire condição de protagonista, numa conversa franca com o eu-lírico, que conclui: “No fundo é uma eterna criança/ Que não soube amadurecer/ Eu posso, ele não vai poder/ Me esquecer…”, diz.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2022.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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