*por Raphael Vidigal Aroeira
“Nem a cor das dunas terríveis em Iquique,
nem o estuário do Rio Doce da Guatemala,
mudaram teu perfil conquistado no trigo,
teu estilo de uva grande, tua boca de guitarra.” Pablo Neruda
Toninho Horta está ligado no presente – e conectado, como pedem os tempos modernos prenunciados por Chaplin, em que o homem se transformaria numa máquina. Ele tem vários grupos de WhatsApp e, um deles, se chama “Harmonia”. Ali, as pessoas começaram a perguntar se Toninho tinha músicas novas. “Eu dizia que, na pandemia, não tinha outra coisa a fazer a não ser ficar em casa trabalhando, eu não paro de compor nunca”, garante. Provocado, o músico lançou um desafio na tertúlia virtual: as primeiras quinze pessoas a mandarem mensagens seriam contempladas com composições inéditas. Dito e feito. Assim nasceram as canções que ele apresenta nesta quinta (24), em BH.
Toninho precisou de apenas uma semana para dar forma e acabamento a “Vento Leste”, “Café Afinado”, “Uma Tarde de Ensaio”, “Um Outro Vento”, e etc. “Foram praticamente duas por dia, e, pelo fato de terem nascido na mesma semana, todas têm uma característica próxima. Claro que elas divergem em relação a ritmo, andamento, mas a parte melódica e de ideia traz uma unidade. Posso dizer que são primas umas das outras”, compara. O espetáculo foi batizado de “Mundo em Harmonia”, questões que possuem um amplo sentido para Toninho Horta. “Eu fiz essas canções para iluminar o mundo nesse momento muito triste que estamos passando, cheio de coisas pesadas”, afirma.
Cinquentenário. No derradeiro disco de Tom Jobim, batizado de “Antônio Brasileiro”, de 1994, o maestro interpretou em inglês e gravou ao piano a sua versão para “Trem Azul”, música de Lô Borges e Ronaldo Bastos lançada no icônico disco “Clube da Esquina”, que completa 50 anos neste mês de março. Ao regravar a canção, Tom incorporou o solo de guitarra que Toninho Horta concebeu em 1972. “Ele já considerava uma parte indissociável da melodia”, orgulha-se Toninho, que tocou em praticamente todas as faixas do álbum que relevou ao mundo a grande potência criativa da turma de Milton Nascimento, Beto Guedes, Lô Borges, Ronaldo Bastos, Fernando Brant, Márcio Borges, etc.
“O disco ‘Clube da Esquina’ foi um verdadeiro divisor de águas que vai ficar durante muito tempo marcado na música brasileira, influenciando os novos compositores. É uma obra conhecida e respeitada pelos grandes músicos do mundo”, avalia o compositor de clássicos da música brasileira como “Manuel, O Audaz”, “Beijo Partido” e “Céu de Brasília”. Por sinal, o que acontece no centro do poder não o tem agradado. “É desagradável quando a música tem que depender da política, mas precisamos de leis de incentivo e do reconhecimento das autoridades para elevarmos o conhecimento e o acesso à cultura, inclusive regional, para a levarmos a mais partes do Brasil e do mundo”, opina Toninho.
Coração. Apesar das pedras no caminho, o músico conclama os artistas a continuarem na batalha. “Somos privilegiados porque o nosso trabalho vem do coração para o coração e contribui para a evolução do ser humano”, acredita. “A cultura é muito forte e independe de qualquer coisa para brilhar, ela dita o tempo, vem à frente dos acontecimentos, é fundamental para a construção de um povo e o crescimento de uma nação. Está entre as coisas mais importantes que existem e a música é um elemento fundamental para alegrar e harmonizar as pessoas nesse mundo de violência”, conclui Toninho Horta, com esperança.
Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2022.