Relembre sucessos de Bezerra da Silva, ícone do samba e da malandragem

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Malandragem dá um tempo
Deixa essa pá de sujeira ir embora
É por isso que eu vou apertar
Mas não vou acender agora” Adelzonilton, Popular P. & Moacir Bombeiro

Bezerra da Silva nasceu Recife, no dia 23 de fevereiro de 1927, e morreu no Rio de Janeiro, no dia 17 de janeiro de 2005, aos 77 anos. Vindo de uma família humilde, começou a carreira artística interpretando cocos em sua terra natal, bastante influenciado por Jackson do Pandeiro e Ary Lobo. Já no Rio de Janeiro, passou a cantar sambas de partido-alto e a trazer temáticas relativas à violência e à malandragem na favela, algumas recheadas de humor, com as quais o povo se identificou, tornando Bezerra da Silva um exemplar único na música brasileira. Entre seus grandes sucessos estão “Malandragem Dá Um Tempo”, “Bicho Feroz”, “Malandro É Malandro, Mané É Mané”, e dentre outras.

“Meu Pirão Primeiro” (samba, 1980) – Nilo Dias e Jorge Garcia
Bezerra da Silva certifica no samba “Meu Pirão Primeiro”, de Nilo Dias e Jorge Garcia, a influência da cultura negra e dos escravos na música e nos ditados brasileiros. Logo nos primeiros versos, ele desfaz o enigma. “Farinha pouca/ Meu pirão primeiro/ Este é um velho ditado/ Do tempo do cativeiro/ E a Chica assim dizia/ Na hora de preparar/ Pro pirão ficar gostoso/ Tem que saber temperar”.

Novamente aparece uma das mais conhecidas características e qualidades do povo brasileiro, a de tirar do martírio, da dificuldade, da miséria, a obra-prima para sua arte, sua expressão mais genuína e diversa. Para consolidar a antiguidade desta expressão, ela já havia sido cantada em 1945, pela dupla caipira Jararaca e Ratinho, em uma batucada de mesmo nome.

“Os Três Pagodeiros do Rio” (samba, 1995) – Dicró, Wilsinho Saravá e Edson Show
Jaime Alem tem muita história para contar, e laudas de jornal dificilmente seriam suficientes. Neto de maestro, filho de mãe bandolinista e aluno de Guerra-Peixe, ele trabalhou com Sueli Costa, se apresentou com a Orquestra Sinfônica Nacional, escreveu peças populares e eruditas, foi gravado por Elba Ramalho e produziu um emblemático disco da tríade de malandros formada por Moreira da Silva, Bezerra da Silva e Dicró. Lançado em 1995, em um projeto especial da gravadora Cid, o álbum “Os 3 Malandros In Concert” reúne peças impagáveis, dentre elas o delicioso e satírico samba “Os Três Pagodeiros do Rio”, de Dicró, Wilsinho Saravá e Edson Show.

“É Ladrão Que Não Acaba Mais” (samba, 1998) – Ary do Cavaco e Otacílio da Mangueira
Bezerra da Silva sempre levantou a bandeira do povo marginalizado, pobre, das favelas do Rio de Janeiro, mas que representa um Brasil mais amplo, inclusive com fortes raízes no Nordeste onde nasceu e em vastas periferias do país. Por isso, alguns temas são frequentes, como o abuso e a violência repressora da polícia, atividades ligadas à contravenção, como drogas ilícitas e jogatinas, e, sobretudo, o tema da resistência, da não conformidade, da luta árdua e cotidiana.

Não é de se espantar que um dos órgãos mais hostis a essa numerosa camada da população seja representado pelas instituições de poder, em especial aqueles que ocupam cargos públicos que deveriam servir ao povo, e não se tornar “donos” dele. É contra esse cenário da histórica desigualdade social no Brasil que Bezerra brada, em 1998, no samba de Ary do Cavaco e Otacílio da Mangueira: “É ladrão que não acaba mais/ Você vê ladrão quando olha pra frente/ Você vê ladrão quando olha pra trás”. Uma sagaz síntese do nosso lastro de corrupção.

“Tem Coca Aí Na Geladeira” (samba, 2000) – Regina do Bezerra
Bezerra da Silva praticamente não assina nenhuma das composições que tornou célebres no Brasil inteiro. O estilo particular e característico é tão próprio que soa limitado classificar como “samba”, afinal de contas Bezerra da Silva canta num outro ritmo, melhor entendido como “Bezerra da Silva”. Muitos dos autores dessas músicas, inclusive, não tinham os nomes divulgados, mas, sim, codinomes, por serem procurados pela polícia pelos mais diferentes motivos e transgressões da ordem.

Logo, não é de se espantar que, como os escravos, das quais a maioria descende, eles utilizem de uma linguagem própria, codificada, para tratar de temas como violência e uso de entorpecentes proibidos pelo Estado. “Tem Coca Aí Na Geladeira”, registrada como de Regina do Bezerra, esposa do cantor, faz uma óbvia brincadeira com o produto amplamente aceito e propagandeado pelo império norte-americano que soa como aquele outro, proibido e perseguido pelos mesmos barões da situação. Afinal de contas, a diferença entre o remédio e o veneno é a dose. É dose!

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2022.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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