Rivalidade entre Nara Leão e Elis Regina não impediu brilho de cada uma

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Se a lua sorrisse, teria a sua cara.
Você também deixa a mesma impressão
De algo lindo, mas aniquilante.” Sylvia Plath

Nara Leão ignorou os demais presentes para olhar diretamente nos olhos de Paulinho Machado de Carvalho, dono e executivo da TV Record, para dizer que pretendia continuar na emissora, mas se recusava a participar de qualquer programa em que estivesse Elis Regina.

A rivalidade entre duas das maiores cantoras da música brasileira começou quando Elis deu uma entrevista dizendo que Nara “cantava muito mal, mas falava bem”, insinuando que seu prestígio advinha mais das posições políticas do que, propriamente, do talento vocal.

Encontros. Nara nasceu há 80 anos, na mesma data em que Elis morreu, há quatro décadas, no dia 19 de janeiro, aos 36 anos, vítima de uma overdose de cocaína e álcool. Elis e Nara também namoraram o mesmo homem: Ronaldo Bôscoli, com quem Elis foi casada e teve o primeiro filho, João Marcelo Bôscoli. Antes, o namoro de Bôscoli com Nara terminou de forma tumultuada, após ela descobrir, através da imprensa, a traição dele com a cantora Maysa.

Desencontros. Não foram poucos os arranca-rabos de Elis com colegas de profissão, dentro e fora da mídia, em uma lista que inclui Beth Carvalho, Alaíde Costa, Nana Caymmi, Maysa, Cláudia, entre outras. Competitiva ao extremo e de temperamento explosivo, Elis se gabava de ser a maior cantora brasileira em atividade, algo com o qual muitos até hoje concordam, mas quem conviveu de perto com a Pimentinha teve que passar por alguns perrengues.

Nara, ao contrário, era conhecida pela personalidade doce e tímida, o que não a impedia de ter opiniões fortes e controversas. Tudo isso sem alterar o tom de voz, como costumavam dizer. Quando queria ser ouvida, ela falava em um tom cada vez mais baixo. Era uma espécie de truque, que impunha autoridade.

Estilos. Na música elas também eram bem diferentes. Enquanto Elis primava pela extensão que sua voz era capaz de alcançar, com interpretações entregues e arrebatadoras, unindo emoção e técnica, Nara tinha consciência de seus limites vocais, que sabia usar a seu favor como poucas.

Foi no apartamento de Nara, em Copacabana, que a Bossa Nova tomou contornos definitivos, e sua grande referência era o mestre João Gilberto. Por isso cantava baixo, quase sussurrando, escandindo as palavras, com “um desencanto que era quase displicência”, nas palavras de Chico Buarque.

Elis era da escola de Angela Maria e Dalva de Oliveira, cantoras da era de ouro do rádio que não economizavam na hora de colocar o pulmão pra trabalhar e, portanto, mais apegada à tradição. As duas fizeram movimentos em direção à tradição e à modernidade e nem rivalidade foi capaz de apagar o brilho de cada uma.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2022.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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