Rita Lee cantou do amor ao sexo com humor e erotismo em hits atemporais

*por Raphael Vidigal Aroeira

“escancaro os tabus, mas não revelo os mistérios.” Rita Lee

Rita Lee é a cara de São Paulo, tanto que apareceu na canção que Caetano Veloso dedica à cidade. Disposta a escapar de qualquer molde, cantou, matreira, a “Valsa da Cidade” que Antônio Maria e Ismael Netto compuseram para o Rio de Janeiro. Filho de um cientista norte-americano fissurado em extraterrestres e uma matrona italiana fervorosa como o próprio Papa, festejou as raízes do Brasil com Gilberto Gil e se tornou mutante com os irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, com quem manteve uma relação atribulada de sucessos radiofônicos, contestações ferozes e paixões dilacerantes. Rita Lee não carece de apresentações, o seu perfil esguio e afogueado já fala por si só. Nascida no último dia do ano é a primeira rainha do rock e uma eterna pioneira.

“Sassaricando” (marchinha, 1952) – Luiz Antonio, Oldemar Magalhães e Jota Júnior
Composta sob encomenda para a peça “Jabaculê do Penacho”, a marchinha “Sassaricando” era destinada a animar o quadro “A Dança do Sassarico”. No entanto, ela agradou tanto ao produtor Valter Pinto que o espetáculo mudou de nome para “Eu Quero Sassaricar”. Interpretada por Virgínia Lane foi o maior sucesso do Carnaval de 1952. Mas não ficou restrita ao período. Em 1987, batizou novela de sucesso da Globo, com Cláudia Raia como destaque. Em 2007, “Sassaricando” virou musical com Eduardo Dussek e Soraya Ravenle no elenco. De autoria de Luiz Antonio, Oldemar Magalhães e Jota Júnior, que utilizou o pseudônimo Zé Mário, ela foi regravada por Rita Lee e Jorge Veiga.

“Erva Venenosa” (rock, 1965) – Jerry Leiber e Mike Stoller em versão de Rossini Pinto
A autobiografia da eterna mutante, lançada em 2016, foi um estouro de público e crítica. Mas Rita já se arriscava na literatura desde os anos 80, quando escreveu quatro livros infantis que tinham como protagonista o rato cientista Dr. Alex. “Storynhas”, “Dropz” e “FavoRita” são seus outros livros. Rita também se especializou em participar de trilhas-sonoras para novelas – e, eventualmente, fazer participações como ela mesma. Na voz de Rita, a música “Erva Venenosa” foi parar na telenovela “Um Anjo Caiu do Céu”, da Rede Globo. A música é uma versão de Rossini Pinto para a original de Jerry Leiber e Mike Stoller, e foi lançada, em 1965, pelo grupo de rock Golden Boys, com sucesso.

“2001” (rock, 1969) – Rita Lee, Tom Zé, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias
Tom Zé abre o violão e de lá retira repiques e passarinhos. Abre a saia e retira de si uma moça prendada, aquela da música “Menina, Amanhã de Manhã”, referência à ditadura. Ironias à parte, o mais ácido dos tropicalistas, como cansaram de defini-lo, não se enquadra. “Só posso ser útil se eu apenas oferecer aberturas”, explicou ele melhor que ninguém e do que qualquer um. A performance do artista guarda íntima ligação com o discurso. “Cada passo na arte é sobre o fio da navalha, entre o ridículo e o brilhante”, definiu certa vez. Em 1969 com a trupe dos Mutantes, Tom Zé compôs o psicodélico rock “2001”.

“Ando Meio Desligado” (rock, 1970) – Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias
Com Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, o conjunto gravou cinco discos, e legou para a música brasileira clássicos como “Ando Meio Desligado”, “Top Top” e “Balada do Louco”. Para completar, também participaram do álbum “Tropicalia ou Panis et Circencis”, em 1968. Em 1967, ainda acompanharam Gilberto Gil durante a execução de “Domingo no Parque”, no 3º Festival de Música da Record. Companheiros de Mutantes, Rita Lee e Arnaldo Baptista foram casados entre 1968 e 1972. Rita saiu do grupo, o amor acabou e a relação nunca mais foi a mesma. Inconformado, Arnaldo tentou suicídio ao pular da janela de um hospital psiquiátrico onde estava internado, em 1982, no dia do aniversário de Rita Lee.

“Balada do Louco” (balada, 1972) – Arnaldo Baptista e Rita Lee
Um ano antes dos Secos & Molhados surgirem no cenário da música brasileira, outro grupo especial, Os Mutantes, colocava na praça o seu último álbum com Rita Lee, “Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets”, que usava a gíria criada por Tim Maia para se referir à maconha. No disco, uma música se destacava das demais, “Balada do Louco”, de Arnaldo Baptista e Rita Lee. A música recebeu uma regravação à altura de sua beleza em 1985, no disco “Bugre”, de Ney Matogrosso, e foi novamente cantada por ele em 1999, em um espetáculo gravado ao vivo em Belo Horizonte, no Palácio das Artes.

“Gita” (rock, 1974) – Raul Seixas e Paulo Coelho
A partir de “Gita”, Raul Seixas tornou-se um fenômeno nacional. A música, parceria com Paulo Coelho, foi lançada em um compacto simples, em 1974, ao lado de “Não Pare na Pista”. Meses depois, chegou às prateleiras o álbum de mesmo título, o terceiro da carreira de Raul. “Gita” fechava os trabalhos. O título, misterioso, carregava o misticismo cada vez mais latente de Raul e era uma referência a um dos textos sagrados do hinduísmo, o “Bhagavad Gita”, que faz parte do “Mahabharata”, fundamental para a cultura indiana. A letra traz uma abordagem ao estilo de Raul para esse diálogo existencial travado pelos hindus. E Ney Matogrosso a regravou ao comemorar 80 anos de vida em 2021. A música recebeu uma versão de Rita Lee para o CD e DVD “Acústico MTV”.

“Ovelha Negra” (balada, 1975) – Rita Lee
“Rita Lee foi pioneira em tudo desde Os Mutantes, quando ela se fantasiava de noiva grávida, na década de 60, e aparecia em contracapa de disco com dois homens na cama”, sublinha o crítico musical Rodrigo Faour, em alusão à foto do álbum “A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado”, gravado pela trupe psicodélica em 1970. O ensejo serve para Faour traçar qualidades exclusivas da autora de “Ovelha Negra”. “Rita sempre foi contra o estabelecido, mas de uma maneira irreverente, crítica e autocrítica. Ela nunca levou muito a sério essas questões partidárias e o radicalismo que havia nos dois polos”, conclui.

“Agora Só Falta Você” (balada, 1975) – Rita Lee e Luis Sérgio Carlini
Durante uma cena de bar, emerge num filme sobre máfia protagonizado por Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci, um chorinho com influência de baião, batizado de “Delicado”. Composta, em 1951, por Waldir Azevedo, a música compõe a trilha sonora de “O Irlandês” (2019), filme dirigido por Martin Scorsese. Na versão, a canção recebeu um arranjo para orquestra e reafirmou a tradição musical brasileira de estar presente em produções internacionais. Pierce Brosnan e Salma Hayek formam um casal explosivo no filme “Ladrão de Diamantes”, dirigido por Brett Ratner em 2004. Na comédia policial, eles são Max Burdett e Lola Cirillo, uma dupla de enganadores profissionais. “Agora só Falta Você”, de Rita Lee e Luis Carlini, aparece no filme na voz de Maria Rita.

“Luz Del Fuego” (rock, 1975) – Rita Lee
Rita Lee certamente é a compositora com o maior número de obras identificadas ao feminismo, e também a que mais homenageou personagens desta seara. À sua maneira leve e descontraída, Rita inicia o ritual em 1975, no rock “Luz Del Fuego”, uma ode à icônica dançarina que provocou escândalo na sociedade brasileira com suas práticas liberalistas. Adepta do nudismo e do naturalismo, Luz foi brutalmente assassinada em 1967, aos 50 anos, mas seu legado de liberdade e amor continuou colocando fogo nos costumes e na hipocrisia. Sua história foi levada ao cinema em 1982, quando foi interpretada por Lucélia Santos. Luz Del Fuego foi aquela “que não tinha medo”, canta Rita.

“Esse Tal de Roque Enrow” (rock, 1975) – Rita Lee e Paulo Coelho
Em 1975, no disco “Fruto Proibido”, Rita Lee lançou a música “Esse Tal de Roque Enrow”, parceria com Paulo Coelho. A música transforma o gênero musical que modificou gerações em personagem. Ligado à juventude transviada que James Dean incorporou tão bem em seu filme, o tal de Roque Enrow parece estar virando a cabeça de uma “menina de família”, nesse embate de gerações que se acentuou durante a década de 1970. “Ela nem vem mais pra casa, doutor, ela odeia meus vestidos/ Minha filha é um caso sério, doutor/ Ela agora está vivendo com esse tal de Roque Enrow”, diz a mãe.

“Cartão Postal” (blues, 1975) – Rita Lee e Paulo Coelho
Paulo Coelho desfrutava do sucesso como compositor ao lado de Raul Seixas quando Rita Lee o convocou para participar do álbum que a antiga vocalista dos Mutantes gravara com o grupo Tutti Frutti. “Cartão Postal” foi lançada no disco “Fruto Proibido”. O blues reflexivo tecia considerações sobre a morte, afirmando a necessidade de não a encarar como um acontecimento terrível. Cazuza, já bastante abatido pela Aids, regravaria a música em seu derradeiro álbum “Burguesia”, de 1989. Já Gal Costa a reviveria no registro do espetáculo “Estratosférica”, em 2017, realçando a premência da canção lançada em 1975.

“Bruxa Amarela” (rock, 1976) – Raul Seixas e Paulo Coelho
Feita especialmente para Rita Lee, essa parceria de Raul Seixas e Paulo Coelho foi gravada pela então vocalista da banda Tutti Frutti no disco lançado pela banda em 1976. Com a habitual verve fantasiosa e mística, os autores abrem as portas para esse mundo fantástico, em versos do calibre: “Duas horas da manhã eu abro a minha janela/E vejo a bruxa cruzando a grande lua amarela/E vou dormir quase em paz”. Em 1988, em seu penúltimo disco de carreira, Seixas registrou uma nova versão da música, modificando o título para “Check-up” e alterando versos pontuais.

“Doce de Pimenta” (rock, 1976) – Rita Lee e Roberto de Carvalho
Para Elis Regina nunca houve dissociação de música e vida; por isso a força de suas interpretações e a capacidade de chorar, rir e esbravejar no palco sem que pareça um artifício de convencimento da plateia ou pura demagogia. Em 1976, Rita Lee e Roberto de Carvalho compuseram um rock para saudar Elis, que visitara Rita na cadeia quando esta, grávida, havia sido detida por posse de maconha. Começou ali uma amizade improvável, já que as duas andavam de lados opostos na música brasileira, com Rita próxima da modernidade e Elis da tradição. Num dueto impagável das duas, elas cantam a forte personalidade de Elis Regina, uma mulher livre que escolhia o que queria seguindo seu bico.

“Bandido Corazón” (pop-rock, 1976) – Rita Lee
Rita Lee compôs um bolero especialmente para o segundo disco-solo de Ney Matogrosso, e que inspirou o batismo de “Bandido”. Ali, a música ganhou conotações caribenhas, e o arranjo transformou o bolero em uma autêntica peça pop ao gosto de Ney Matogrosso e de Rita Lee. Ney asfaltava o caminho para desmentir a crítica feroz de José Ramos Tinhorão, implicado com influências estrangeiras, e que dizia que, em “Mãe Preta (Barco Negro)”, do primeiro disco, Ney, “chorava como uma rameira”. “Bandido Corazón” foi um sucesso imediato, com versos líricos que eram a cara de Ney Matogrosso: “Eu já sou um cara meio estranho/ Alguém me disse isso uma vez/ Meu coração é de cigano/ Mas o que salva é a minha insensatez”.

“Arrombou a Festa” (rock, 1977) – Rita Lee e Paulo Coelho
Rita Lee e Paulo Coelho se uniram em uma nova parceria de sucesso: “Arrombou a Festa”, rock lançado em 1977, uma homenagem irreverente à música popular brasileira e, claro, inspirada no clássico da Jovem Guarda, “Festa de Arromba”, um dos maiores sucessos da carreira de Erasmo Carlos. “Benito lá de Paula com o amigo Charlie Brown/ Revive em nosso tempo o velho e chato Simonal/ Martinho vem da Vila lá do fundo do quintal/ Tornando diferente aquela coisa sempre igual”, canta Rita Lee, cheia de graça. Raul Seixas, claro, também é citado, e aparece, naturalmente, em um disco voador.

“Perigosa” (disco, 1978) – Rita Lee, Roberto de Carvalho e Nelson Motta
As Frenéticas foram um grupo formado pelo jornalista e compositor Nelson Motta, que acabara de inaugurar uma casa de espetáculos e teve a ideia de contratar garçonetes que, no meio da noite, subiriam no palco para cantar. O projeto deu tão certo que elas rapidamente se tornaram uma febre nacional. No período da invasão da música disco no Brasil, o grupo também trazia um discurso feminista, de liberação do prazer e da sexualidade feminina sem grilos nem dores de cabeça. É esse discurso que contamina toda a melodia e a letra da canção “Perigosa”, uma criação de Rita Lee, Roberto de Carvalho e do próprio Nelson Motta lançada em 1978 pela trupe. Um hino do prazer feminino.

“Jardins da Babilônia” (rock, 1978) – Rita Lee e Lee Marcucci
Após deixar o posto de vocalista da banda, cada vez mais psicodélica, “Os Mutantes”, Rita Lee passou a se apresentar com a “Tutti Frutti”, e assim assinou três álbuns. Em 1978, a inspiração veio de uma das “Sete Maravilhas do Mundo Antigo”, os Jardins Suspensos da Babilônia, que serviram para elucidar o quanto há de magia e encanto na substância dos ditados populares. Como se tratam, na maioria das vezes, de metáforas, eles utilizam uma camada fantasiosa, imagética, responsável, certamente, por grande parte de seu carisma e identificação. “Jardins da Babilônia”, rock em parceria com Lee Marcucci se apodera de alguns, como “botar as asas pra fora” e “quem não chora daqui, não mama dali”. Rita se vale do mesmo recurso na música “Pagu”.

“Chega Mais” (rock, 1979) – Rita Lee e Roberto de Carvalho
Mulher que mais vendeu discos no Brasil, Rita Lee é também pioneira ao adentrar o machista circuito do rock e se tornar líder de bandas como Mutantes e Tutti-Frutti, sem falar de sua carreira-solo. Em 2012, ela lançou “Reza”, o seu mais recente trabalho em estúdio. Sem dúvidas, a música “Chega Mais” é apenas uma das responsáveis pelo estrondoso sucesso de Rita na música brasileira, ao lado de “Desculpe o Auê”, “Flagra”, “Bwana”, “Saúde”, “Ovelha Negra”, dentre muitos outros, que a consagraram como a rainha absoluta do rock brasileiro. Porque Rita é única e, ao mesmo tempo, é várias e múltipla.

“Mania de Você” (balada, 1979) – Rita Lee e Roberto de Carvalho
Quando Carmen Miranda brincou com o duplo sentido na carnavalesca “Eu Dei”, de 1937, ela teve que se valer dos versos de Ary Barroso. O mesmo aconteceu com a cantora portuguesa Vera Lúcia, primeira intérprete da lânguida e sensual “Amendoim Torradinho”, obra de Henrique Beltrão lançada por ela em 1955, e que depois ganhou as vozes de Ney Matogrosso, Angela Maria, Alcione, Dóris Monteiro e Ivon Curi, entre outros. O fato ainda era comum no ano em que Maria Bethânia gravou, “O Meu Amor”, de Chico Buarque, em 1978. Rita Lee avançou nessa questão com a sensualíssima “Mania de Você”, balada composta com o marido Roberto de Carvalho, em 79.

“Doce Vampiro” (balada, 1979) – Rita Lee
Embora não seja tradição nacional, o Brasil, país antropofágico por excelência, rapidamente assimilou o Dia das Bruxas ao seu calendário. A comemoração por essas bandas, no entanto, conta com as próprias lendas e fantasmas e, também, claro, músicas de sua autoria. Daí que Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Tetê Espíndola, Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Luhli, a turma dos Secos & Molhados e alguns outros sejam conclamados. A música deles, como se constata, é um assombro. Pois do susto para a admiração basta um salto. Mas, dentre todos esses, certamente o hit de maior sensualidade é “Doce Vampiro”, regravada em parceria com Milton Nascimento. A pegada sombria do arranjo adensa o clima. “Venha me beijar/ Meu doce vampiro”, intima Rita Lee.

“Elvira Pagã” (rock, 1979) – Rita Lee e Roberto de Carvalho
Outra figura aplaudida por Rita Lee foi Elvira Pagã, vedete que, já na década de 1930, causou alvoroço na comportada sociedade brasileira da moral e dos bons costumes. Atrevida e colocando a libido no próprio nome artístico, Elvira também foi adepta das práticas de nudismo. De maneira debochada, Rita repreende as expectativas do homem comum, habituado à mulher comportada e obediente na canção, composta em 1979 com Roberto de Carvalho. O contrário de Elvira Pagã, figura escandalosa e explosiva, uma mulher ciente e lutadora de todos os seus direitos e liberdades. Rita avisa com ironia aos desavisados: “Santa, santa, só a minha mãe, (e olhe lá!) é canja-canja…”.

“Papai Me Empresta o Carro” (rock, 1979) – Rita Lee e Roberto de Carvalho
Irônica e naturalmente debochada Rita Lee compôs um de seus grandes sucessos no auge de sua carreira solo, ao lado do inseparável companheiro Roberto de Carvalho. “Papai me empresta o carro”, música lançada em álbum que ainda revelou ao mundo sucessos do calibre de “Doce Vampiro”, “Mania de Você” e “Elvira Pagã”, acerta na pegada descontraída e liberal de Rita para abordar assuntos considerados tabu por certa fatia da sociedade, especialmente os relacionados à sexualidade. De maneira direta o filho faz um apelo ao pai para que lhe empreste o veículo, pois é só dessa maneira que ela terá a oportunidade de namorar sua garota. A música foi regravada por Rita em companhia dos integrantes da trupe dos “Titãs”, em versão acústica de 1998.

“Alô, Alô, Marciano” (rock, 1980) – Rita Lee e Roberto de Carvalho
Depois de liderar uma famigerada Passeata Contra a Guitarra Elétrica, em que teve a companhia de outros não menos ilustres baluartes da MPB, como Gilberto Gil, Edu Lobo, Geraldo Vandré e Jair Rodrigues, a intrépida Elis Regina deu uma guinada na carreira e se entregou sem reservas ao rock de Rita Lee, graças à amizade criada entre elas. Em 1980, Elis se encantou com o debochado rock “Alô, Alô, Marciano”, de Rita e seu parceiro Roberto de Carvalho, e resolveu gravá-lo abusando do deboche e dando uma ênfase ainda maior à crítica contra o decadente “high society” da sociedade brasileira, com a voz pra lá de afetada.

“Nem Luxo Nem Lixo” (balada, 1980) – Rita Lee e Roberto de Carvalho
A origem para a profusão de ditados entre os brasileiros tem uma explicação convincente no processo de colonização do país. Como os escravos não podiam se comunicar abertamente, estabeleceram uma linguagem codificada. A semelhança com a poesia, nesse aspecto, dá a medida exata do por que uma nação mestiça, influenciada pela cultura de portugueses, italianos, holandeses, japoneses, africanos, e outros mais, concebeu expressão tão rica e singular. A música é mais uma prova desse estilo. Com ares de ditado popular, Rita Lee lançou o hit “Nem Luxo Nem Lixo”, cheia de despojamentos.

“Lança Perfume” (rock, 1980) – Rita Lee e Roberto de Carvalho
Rita Lee lança todo o seu perfume para pedir ao seu homem que ele a encha de amor e a deixe de quatro no ato e a faça de gato e sapato. É a mulher se libertando e se entregando, deixando-se completamente à mercê do que possa acontecer. Pedindo, se jogando na fogueira da paixão com o corpo nu e a alma leve. É a mulher envolta pelos braços quentes e suada de paixão, querendo mais amor e mais perfume. É um apelo ao amor sem sossego, à paixão sem limites. “Me vira de ponta-cabeça/ Me faz de gato e sapato/ Me deixa de quatro no ato/ Me enche de amor, de amor”, canta ela nesta música lançada em 1980.

“Caso Sério” (balada, 1980) – Rita Lee e Roberto de Carvalho
Filho de Rita e Roberto de Carvalho, o guitarrista Beto Lee acompanhava a mãe em shows desde 1995. A primeira participação foi no álbum “Acústico MTV”, lançado em 1998. Beto ainda participou de outros cincos discos lançados por Rita Lee antes de apostar em sua carreira-solo e ingressar na banda Titãs, em 2018. Toda essa relação familiar começou com o caso sério entre Rita e Roberto, expressão que virou música do casal, lançada em 1980. Pois “Caso Sério” permanece como dos maiores hits da carreira de Rita Lee.

“Baila Comigo” (balada, 1980) – Rita Lee
Das preocupações com o mundo nossos compositores nunca se viram livres. Fossem elas de ordem política, sociais ou relacionadas, em suma, ao meio ambiente em que vivem. Dessa perspectiva tanto ecológica quanto de preservação do espaço, nomes como Luiz Gonzaga, Beto Guedes, Caetano Veloso, João Nogueira, Djavan, Jorge Benjor, Toquinho, Paulo César Pinheiro e intérpretes do porte de Clara Nunes e Baby do Brasil se valeram para cantar a terra com todo o verde que ela deseja e merece. Em um planeta cada vez mais cético e desenvolvimentista, impingido de lama e poluição, a arte ainda é um alento. Rita Lee expressou essas preocupações em “Baila Comigo”, de 80.

“Banho de Espuma” (rock, 1981) – Rita Lee e Roberto de Carvalho
Na linha evolutiva da música sexual brasileira, é possível dizer que, entre Rita Lee e Karol Conka, o funk de Tati Quebra-Barraco, Deize Tigrona e Valesca Popozuda se impôs como ponto nevrálgico. No começo dos anos 2000, Tati foi a responsável por entoar os versos “se eles quer que você mame/ manda eles te chupar”, invertendo a lógica estabelecida pelo universo machista. Valesca Popozuda, intérprete de “Quero Te Dar”, fala de sua experiência: “A liberdade feminina sempre existiu, só que era medrosa. Eu quis libertar as mulheres. Por que não falar do nosso órgão genital?”, questiona a artista. Em 1981, Rita Lee já expressava o prazer feminino “sem culpa nenhuma” em “Banho de Espuma”.

“Cor de Rosa-Choque” (pop, 1982) – Rita Lee e Roberto de Carvalho
Criado pelo educador Paulo Freire (1921-1997) na década de 70, o termo “empoderamento” voltou à baila nos anos 2000. De acordo com uma pesquisa do Google, o primeiro pico de buscas pela palavra aconteceu em junho de 2013, durante protestos que marcaram o Brasil. Em 2016, “empoderamento” ficou em primeiro lugar na lista das palavras mais procuradas. Na música brasileira, o empoderamento feminino não é novidade. Antes da expressão alcançar a fama atual, Rita Lee, Angela Ro Ro, Dona Ivone Lara e outras esbanjavam atitude e coragem. Em 1982, Rita lançou “Cor de Rosa-Choque”.

“O Circo” (blues, 1982) – Rita Lee e Roberto de Carvalho
Quando integrava o trio Os Mutantes, com Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, a irrequieta Rita Lee já havia adentrado o universo circense com o arranjo de Rogério Duprat para “Panis Et Circenses”, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, cuja tradução do título era, justamente, “Pão e Circo”. Na irreverente “Jardins da Babilônia”, ela também tocou no tema: “Pegar fogo nunca foi atração de circo/ Mas de qualquer maneira pode ser um caloroso espetáculo”, ironizava. Em “O Circo”, do disco em que aparecia nua na capa, com o marido Roberto de Carvalho em uma piscina de plástico, a pegada era outra. Desta vez, Rita subvertia a alegria geralmente associada ao circo, para contar a história de um palhaço que vivia chorando, de um engolidor de espadas que quer arrepiar o cabelo e de uma mulher barbada apaixonada pelo domador, entre outras e etc.

“Perto do Fogo” (balada, 1989) – Cazuza e Rita Lee
Atitude e poesia. Não tinha como Cazuza não se identificar com Rita Lee, já que ambos, cada um a seu modo e em épocas distintas, trataram de desbravar as barreiras impostas pela música brasileira e o mundo a fim de dar o seu grito de liberdade. A parceria entre a dupla, no entanto, demorou a sair, e não por conta da diferença de gerações. Cazuza idolatrava Rita há muito tempo, mas ela não se dava com Ezequiel Neves, produtor, parceiro e amigo inseparável de Cazuza. No leito de um hospital para tratar a Aids que o vitimaria aos 32 anos, o cantor pediu uma trégua na briga entre Ezequiel e Rita. Logo que a cantora o visitou, eles compuseram “Perto do Fogo”, que começa como uma ode aos cabelos de Rita, para depois se transformar em um hino de tom hippie.

“Todas As Mulheres do Mundo” (rock, 1993) – Rita Lee
Rita Lee havia prometido uma canção para homenagear Leila Diniz em 1972, quando a atriz morreu aos 27 anos em um trágico acidente de avião. “Todas as mulheres do mundo”, título retirado do filme que Domingos Oliveira ofereceu à ex-mulher e que também explicita a relação de reverência e fascínio que Leila exercia sobre o diretor; só ficou pronta em 1993. Um rock ligeiro, rasgado, sem lero-lero, sem blá-blá-blá, com o espírito de Leila em seu embrião. E de todas aquelas que Rita cita em sua ode à mulher moderna, dentre elas: Dercy Gonçalves, Roberta Close, Dolores Duran, Luiza Erundina, Hortência, Ruth Escobar e a própria mãe. A música foi regravada, com gana, por Cássia Eller.

“Pagu” (rock, 2000) – Rita Lee e Zélia Duncan
Patrícia Galvão foi uma jornalista como poucas no Brasil. Como era de se esperar, não se ateve a uma só atividade. Foi escritora, poeta, diretora de teatro, incentivadora de Plínio Marcos, musa do modernista Raul Bopp, desenhista e militante do comunismo, sendo a primeira mulher presa no país por essa motivação, no início da década de 1930. É a essa figura lendária, folclórica e real, uma mulher de carne e osso que se sabia livre e dona do próprio destino e nariz que Rita Lee e Zélia Duncan se referem no rock lançado por elas já nos anos 2000. Provas de que Pagu continua revolucionando. “Nem toda feiticeira é corcunda, nem toda brasileira é bunda…”, as três afiançam.

“Amor e Sexo” (balada, 2003) – Rita Lee, Arnaldo Jabor e Roberto de Carvalho
O Brasil ainda vivia sob o domínio de uma ditadura militar quando Gal Costa tornou-se a primeira mulher a cantar, com sucesso de dimensões nacionais, a palavra “sexo” na música brasileira. “Pérola Negra”, de Luiz Melodia, era uma das faixas do icônico álbum “Fa-Tal: Gal a Todo Vapor” – paradigma do movimento tropicalista – e trazia em seu refrão o trecho “tente entender tudo mais sobre o sexo”. Decorridas décadas e até séculos dos acontecimentos descritos o prazer da mulher, especialmente aquele sexual, parece ainda ocupar o lugar de tabu na prateleira dos costumes, mas há quem insista em mudar o curso dessa história. Em 2003, Rita Lee e Roberto de Carvalho musicaram o texto de Arnaldo Jabor, “Amor e Sexo”, que virou música e um hit.

“Gripe do Amor” (rock, 2003) – Rita Lee e Roberto de Carvalho
A expectativa por um disco novo de Rita Lee foi confirmada em 2003, com o lançamento de “Balacobaco”. Saudado pela crítica, o álbum faturou o Disco de Ouro pelas milhões de cópias vendidas, e teve a participação do DJ Memê na produção, famoso pela contribuição com Lulu Santos. Além de “Hino dos Malucos”, parceria com Fernanda Young que entrou na trilha sonora do filme “Os Normais”, e “Amor e Sexo”, feita a partir de texto do colunista Arnaldo Jabor, outro destaque foi “A Gripe do Amor”, rock ao estilo do casal Rita e Roberto de Carvalho, que, logo na abertura, determinava: “Não há vacina/ Nem vitamina/ Pega só de olhar/ Não tem benzedeira/ Chá de erva cidreira/ Capaz de curar…”.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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