Benito di Paula foi pioneiro do samba romântico e desagradou a crítica

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Mas chegou o Carnaval
E ela não desfilou
Eu chorei na avenida, eu chorei
Não pensei que mentia a cabrocha
Que eu tanto amei” Benito di Paula

Benito Di Paula é inconfundível. Basta ele conclamar a plateia, com seu habitual bordão entusiasmado: “Diz! Diz!”, e logo sabemos que se trata do compositor de sucessos como “Retalhos de Cetim”, “Charlie Brown”, “Mulher Brasileira”, “Como Dizia o Mestre”, “Sanfona Branca”, “Além de Tudo”, “Do Jeito Que a Vida Quer”, “Amigo do Sol, Amigo da Lua”, e etc. Isso quando ele não invoca “um violinozinho”, bem a seu modo. Mesmo antes de essas canções estourarem nas rádios, Uday Vellozo, o popularíssimo Benito Di Paula, assim rebatizado pelo mercado fonográfico, provocava reações.

Nascido em Nova Friburgo, no interior do Rio, ele já vinha ralando na noite carioca desde 1956, com apenas 15 anos de idade, ao lado da companhia Portinho & Sua Orquestra, quando finalmente, em 1974, o LP “Um Novo Samba” o colocou em evidência. Se o título soava provocativo, com a pretensão de modificar o ritmo mais tradicional do país, a capa não deixava por menos. Bigode, cavanhaque, cabelos cheios e um fraque nada convencional compunham a imagem do futuro astro da música brasileira, que encarava a plateia com seriedade em meio à mata e ao selo da gravadora Copacabana.

Hit. “Retalhos de Cetim”, faixa que encerrava o álbum, tornou-se hit instantâneo e atemporal, arrebatando mais de 70 regravações ao longo dos anos, de nomes aparentemente tão diversos e distantes como Nelson Gonçalves e Lobão, passando por Cauby Peixoto, Grupo Revelação, Miltinho, Alcione, Emílio Santiago, Zeca Baleiro, Quarteto em Cy e Elymar Santos. Mas o que concentrou a atenção da mídia foi o samba ao piano de Benito, taxado pejorativamente de samba-joia. O estilo influenciaria fortemente o pagode romântico da década de 1990. Enquanto a crítica torcia o nariz, Benito batia recordes de vendagens e faturava prêmios, como o Troféu Imprensa de melhor cantor em 1976, superando os queridinhos Chico Buarque e Roberto Carlos.

Com uma voz usualmente lamuriosa, chorona, encorpada, e a tendência para a dramatização, Benito não economizava em gestos na hora de construir a melodia de suas canções, quase sempre bastante ritmadas, o que resultava em um contraste inusitado entre letras sofridas e andamentos expansivos, algo, aliás, bastante comum no samba. Mas o samba de Benito era realmente novo, embora com a raiz preservada. O romantismo exacerbado criava uma espécie de tensão melódica que cativava a plateia às primeiras notas, e a maneira com que Benito encaixava o discurso sobre elas era exemplar. Sem dispensar o excesso, como autêntico conquistador desiludido das canções, que poderia compor tangos ou boleros, mas, por ser brasileiro, criou um samba incomum.

Parcerias. O fato de ter se tornado um ídolo brega, até pela aparência de galã deslocado no tempo e no espaço – que incrementou cada vez mais brilhos e badulaques ao visual –, não impediu Benito de vocalizar canções de rara sensibilidade, caso da comovente “Ah! Como Eu Amei…”, de Jota Velloso e Ney Velloso, que mereceu outro belo registro de Ivete Sangalo, aparando o que excedia da gravação original. Ainda assim, a gravação de Benito feita em 1981 garantiu sobrevida ao cantor em um momento de declínio na indústria do disco. Outra interpretação de destaque da lavra alheia aconteceu com “A Vida É Dura”, da dupla de hitmakers formada por Michael Sullivan e Paulo Massadas.

Com o acompanhamento do grupo Demônios da Garoa, Benito injetou vigor à música, que entrou para a trilha-sonora da novela “Ti-ti-ti”, da Rede Globo. Essas incursões, no entanto, foram raras na trajetória de Benito, que, inclusive, teve poucos parceiros e se dedicou praticamente à própria obra. Em 1975, durante os intervalos de gravação do programa “Brasil Som”, da TV Tupi de São Paulo, encontrou Adoniran Barbosa, que lhe deu um papel com um pedaço de letra. Nascia “Não Precisa Muita Coisa”, lançada pelo grupo Os Três Moraes. Com Chico Anysio, compôs “De Quem É Essa Morena” e “O Amor É Um Jogo”. Outros parceiros foram igualmente pontuais, como Márcio Brandão.

Sucessos. A marca de Benito está impressa em músicas da tarimba de “Como Dizia o Mestre”, uma homenagem a Ataulfo Alves, de quem sempre foi fã. “É, acaba a valentia de um homem/ Quando a mulher que ele ama vai embora/ É, tanta coisa muda nessa hora/ Que o mais valente dos homens chora”, ensina Benito, com a simplicidade da linguagem direta que não dispensa a precisão. O recado é tão claro quanto desconcertante, e abala as estruturas do machismo. Uma versão singular foi gravada por Fernanda Takai, dada a suavidade da voz, o que gerou novos contornos à letra. As saudações atingiram Luiz Gonzaga, em “Sanfona Branca”, e a mulher brasileira, na faixa-homônima. Nenhuma dessas, porém, ficou tão marcante como “Charlie Brown”, um sucesso de 1975.

O personagem icônico dos quadrinhos de Charles M. Schulz parece pretexto para que Benito desfile as maravilhas de cada Estado brasileiro, indo da Bahia de Caetano Veloso ao Rio da torcida do Flamengo. A música demorou cinco anos para ser composta. O embrião foi a descoberta das desventuras do amigo de Snoopy, durante uma temporada em uma pensão italiana. Não é de se espantar que a melancolia de Charlie tenha cativado Benito. “Além de Tudo”, dos primórdios, já entregava: “Você ficou sem jeito e encabulada/ Ficou parada sem saber de nada/ Quando eu falei que gosto de você/ Você olhou pra mim e decididamente/ Você falou tão delicadamente/ Que eu não devia gostar de você”. Pois a mágoa no peito também latejava em “Do Jeito Que a Vida Quer”.

Zen. O derradeiro sucesso de Benito talvez tenha sido “Amigo do Sol, Amigo da Luz”, que relembrava a religiosidade presente em outros momentos de sua trajetória, além da ligação singela com a infância e a natureza. Nesse ínterim, ele deu suas estocadas em Pelé, ídolo nacional, com “Coisas da Vida” e “Assobiar ou Chupar Cana”, quando questionou a invasão de celebridades de outras áreas no meio musical, como se fosse fácil criar canções. “Seria muito bom/ Seria muito legal/ Se cantor ou compositor/ Pudesse ser ator ou jogador de futebol”, destilava com ironia ferina, antes de escalar Toquinho, Luiz Gonzaga, Jorge Benjor e Vinicius de Moraes, para quem compôs “Nossa Homenagem”. Agora, aos 80 anos, Benito lança, com o filho, “O Infalível Zen”.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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