Nelson Cavaquinho compôs clássicos do samba como “A Flor e o Espinho”

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Feliz aquele que sabe sofrer” Nelson Cavaquinho

O jeito de tocar o violão e o cavaquinho que lhe rendeu o apelido, beliscando as cordas com dois dedos, e a voz sempre embargada de uma profunda tristeza, ajuda a compreender a essência do artista. Mergulhado na boemia, Nelson Cavaquinho fazia da melancolia seu mote para compor sambas sinceros e profundos, como “Folhas Secas”, “A Flor e o Espinho” e “Quando Eu Me Chamar Saudade”, todas com Guilherme de Brito, além de criar a obra-prima “Luz Negra”, na qual mais uma vez se despedia da vida, alçada ao sucesso nas vozes de Nara Leão e Elizeth Cardoso. Sempre ligando o amor à tragédia, Nelson Cavaquinho foi um instrumentista, compositor e poeta que viveu a vida inspirado pela morte, e, que soube tirar dela, letras e melodias cheias de luz, mesmo negras, cheias de flores, mesmo que com espinhos, e cheias de folhas, até mesmo as secas.

“Rugas” (samba, 1946) – Nelson Cavaquinho, Augusto Garcez e Ary Monteiro
Nelson Antônio da Silva virou Cavaquinho depois que se enturmou nas rodas de choro com Edgar Flauta da Gávea, Heitor dos Prazeres, Mazinho do Bandolim e Juquinha, mas continuou assinando suas composições, quando assinava, como N. Silva. Isso porque tinha a mania de guardar as músicas na cabeça cheia de cachaça, e muitas delas se perderam. A primeira gravada foi “Não Faça Vontade a Ela”, por Alcides Gerardi, onde já começou sua travessia empoeirada de trocar canções por favores. Henricão e Rubens Campos o ajudaram e foram incluídos como autores.

Mas, em 1943, o sambista Ciro Monteiro o conheceu e começou a remexer em seu repertório, pescando preciosidades até descobrir a música “Rugas”, de Nelson, Augusto Garcez e Ary Monteiro. No primeiro clássico do sambista que se fez no choro, Nelson dilacerava corações otimistas, ao definir a vida: “Feliz aquele que sabe sofrer”. Mais tarde, ele diria como quem fala a um amigo: “Essa é uma das músicas que o Vinicius de Moraes e o Carlos Jobim me pedem pra cantar”.

“Degraus da Vida” (samba, 1950) – Nelson Cavaquinho, César Brasil e Antonio Braga
O verdadeiro mestre de Nelson Cavaquinho na arte de empunhar o instrumento foi o violonista Juquinha. Para ele, Nelson dedicou seu segundo choro, “Gargalhada”, que simbolizava o gesto do professor toda vez que o aluno vencia uma “queda”, ou seja, quando quem está solando consegue fazer com que os outros músicos se percam. Nessa época, ao se casar com Alice, Nelson passou a precisar de um emprego, e o pai resolveu alterar a sua certidão de nascimento para que ele pudesse ingressar na cavalaria da Polícia Militar do Rio de Janeiro.

O casamento e o emprego deram-se na forma de obrigação pelos pais da moça e de Nelson. A boemia e o samba foram uma opção de vida. Por conta dessas controversas realidades, Nelson ficou um ano mais velho, e tirou da boca do pai doente a inspiração para compor “Degraus da Vida”, ao ouvi-lo dizer: “Sei que estou no último quartel da vida”.

Nelson trocou quartel por degrau e teve a música chorosa lançada por Roberto Silva, em 1950, e relançada pelo mesmo Roberto em 1961. A parceria ainda rendeu a Nelson Cavaquinho cerca de cem mil réis, ao incluir o nome de César Brasil na autoria da canção. É que Nelson subia regularmente os degraus do hotel de César, que nunca escreveu um verso ou tocou uma nota musical na vida.

“Palhaço” (samba, 1951) – Nelson Cavaquinho, Washington Fernandes e Osvaldo Martins
No ano de 1951, a cantora Dalva de Oliveira, no auge de sua carreira, gravou a composição “Palhaço” de um ainda desconhecido Nelson Cavaquinho, que trazia na parceria os nomes de Oswaldo Martins e Washington Fernandes. Àquela altura, o compositor já havia sido gravado por Ciro Monteiro, Alcides Gerardi e Roberto Silva. Mas foi a gravação de Dalva que rendeu a ele seu maior sucesso até então. Na música, ele repetia o personagem que apareceria com frequência em suas canções: o homem que teme a morte, o infeliz que se agarra ao sofrimento, e o palhaço que abandona o palco para poder chorar.

“Notícia” (samba, 1955) – Nelson Cavaquinho, Alcides Caminha e Norival Bahia
Não se sabe ao certo se Nelson Cavaquinho nasceu no dia 28 ou 29 de outubro, nem em que bairro. Sabe-se que ele mudou várias vezes de residência, sempre vagando com seu violão na vertical agarrado ao corpo moreno e pequeno, crispado na superfície por lisos cabelos brancos. Sem jamais se prender a nada, Nelson vivia sob a égide do momento ao mesmo tempo em que exalava angústias sobre a morte.

Do tipo que não se importava com bens terrenos, era seu costume distribuir o dinheiro que ganhava entre doses generosas de bebida e esmola a amigos. Por conta desse hábito, passava dias sem voltar pra casa, e desfilava sua liberdade lisonjeira na Praça Tiradentes, vendendo samba em troca de guarida. Desse comportamento errático, nasceram casos folclóricos do andante boêmio.

Milton Amaral conta que, certa vez, Nelson Cavaquinho vendeu tanto uma música que o mesmo samba tinha 16 autores. Eduardo Gudin afirma que quando o apresentador de um programa de rádio perguntou a Nelson quais eram seus planos, ele respondeu distraído: “Meus planos? O Gudin vai passar aqui pra me pegar e vamos beber no Bar do Alemão”.

E o próprio Nelson contava que, em uma madrugada, quando sonhara que ia morrer às três da manhã, acordou e adiou os ponteiros do relógio, que já marcavam quinze para as três. Dizia ele: “Nessa eu não vou”. Essas notícias que circulavam sobre Nelson revelavam uma personalidade oposta àquela que era exposta em suas canções. Nelson Cavaquinho era uma figura complexa, capaz de criar sambas de contenção religiosa em meio a pileques e orgia.

“Notícia”, por exemplo, é mais uma parceria sua com o obscuro Carlos Zéfiro, que assina sob o pseudônimo Alcides Caminha, além de Norival Bahia. A música, lançada por Roberto Silva em 1955, e regravada por Nelson em 1977, no disco intitulado “Os Quatro Grandes do Samba”, que dividiu com Guilherme de Brito, Candeia e Elton Medeiros, revela as entranhas de um relacionamento entremeado por traições e amadurecimento.

“A Flor e o Espinho” (samba, 1957) – Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito e Alcides Caminha
“A Flor e o Espinho” nasceu do cavaquinho de Nelson com a ajuda de mais um desses parceiros que ele conheceu nas mesas de boteco. Guilherme de Brito pediu a todos que tirassem o “sorriso do caminho, pois ele ia passar com sua dor”. O autor desses versos imponentes e tristonhos realmente conheceu Nelson em seu habitat preferido, mas, diferente de outros “compositores de ocasião”, participou com poesia, e não com dinheiro, da canção gravada pelo cantor Raul Moreno, em 1957.

O outro parceiro de Nelson na canção é Alcides Caminha, que só mais tarde teria sua identidade revelada, era o desenhista Carlos Zéfiro, famoso pelos quadrinhos eróticos nas décadas de 50 e 60. Escondido com sua voz nos porões do “Cabaré dos Bandidos”, Nelson só apareceria em disco em 1965, ao tocar seu violão rústico na música que era cantada por Elizeth Cardoso.

“Pranto de Poeta” (samba, 1957) – Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito
Em suas andanças pelos subúrbios do Rio de Janeiro, Nelson Cavaquinho frequentemente amarrava seu cavalo, conhecido como Vovô, em uma árvore no Morro de Mangueira e ia ao encontro de sambistas como Zé da Zilda, Carlos Cachaça e Cartola. Desde cedo conhecedor da alta malandragem carioca, representada por nomes como Brancura, Edgar e Camisa Preta, Nelson tornou-se amigo dos sambistas do morro a partir do emprego que conseguiu na polícia.

Ele ficava horas bebendo cachaça e conversando com Cartola. Numa dessas, seu cavalo acabou fugindo e retornou sozinho para o Batalhão, o que ocasionou mais uma dentre as muitas prisões de Nelson, que, habituado a ficar dias sem aparecer, aproveitava o tempo na cela para compor. Sobre esse episódio, Nelson diria em entrevista: “E não é que o danado do cavalo tava rindo de mim quando cheguei no Batalhão?”.

No ano de 1938, antes de ser expulso da corporação, Nelson conseguiu dar baixa em seu cargo na polícia, separou-se de Alice e se entregou definitivamente ao samba e à boêmia. Em 1952, foi morar em Mangueira, onde permaneceu por um ano e meio, e, em 1968, dividiu com Cartola, Clementina de Jesus, Carlos Cachaça e Odete Amaral os vocais de “Fala Mangueira”, produzido por Hermínio Bello de Carvalho.

Já ao lado de Guilherme de Brito, ele compôs a música que seria lançada em 1957, por Lucy Rosana, e gravada em 1965 por Nara Leão, depois interpretada em dueto nada sóbrio de sua parte por ele e Cartola, em 1977: “Pranto de Poeta”. A música exalta a Mangueira onde ele criou raízes e conheceu geniais sambistas que nortearam sua trôpega trajetória de brilho infinito.

“Pimpolho Moderno” (samba, 1961) – Nelson Cavaquinho e Gerson Filho
É em “Cheguei na Lua” (1960), com um encarte originalíssimo, em alto relevo, e a imagem de Ary Lobo literalmente enxertada dentro do desenho, que o cantor ensaia aquele que viria a ser seu maior sucesso. A faixa-título é uma mistura perfeita entre a preocupação social e o machismo enraizado que caracterizaria sua obra. O mesmo disco tem “Pimpolho Moderno”, uma das músicas menos conhecidas de Nelson Cavaquinho, regravada por João Nogueira em 1982, que exalta o espírito garanhão do filho homem. A música é uma parceria com Gerson Filho e também mereceu registro de Noite Ilustrada.

“Luz Negra” (samba, 1964) – Nelson Cavaquinho, Amâncio Cardoso e Irani Barros
Nelson Cavaquinho costumava se esgueirar em qualquer tipo de bar que visse. E o Zicartola, do amigo Cartola e sua esposa Dona Zica, foi mais um desses em que ele firmou residência fixa, diferente do lar matrimonial, que deixava Alice, sua primeira esposa, quase sempre acompanhada apenas dos três filhos. Nelson conheceu o amigo dono do bar enquanto fazia uma ronda no morro de Mangueira, e logo fizeram uma música juntos: “Devia Ser Condenada”.

Qual não foi a surpresa de Cartola quando um sujeito qualquer lhe cantou o samba afirmando que a música era sua, pois a havia comprado de Nelson, que se justificou depois com o parceiro: “Mas eu só vendi a minha parte”. Apesar do incidente bastante praticado na vida de Nelson, ele era um dos convidados mais frequentes da atração comandada por Cartola e que recebia bambas do porte de Zé Kéti, Paulinho da Viola e o bossa novista Carlinhos Lyra, que passava por lá para espiar.

Também vinda da bossa-nova, Nara Leão ouviu Nelson cantar “Luz Negra”, que na versão dedilhada por Baden Powell, em 1961, tinha o nome de Irani Barros na parceria e, quando foi lançada, em 1964, o de Amâncio Cardoso. A canção saiu no disco em que a estrela do espetáculo “Opinião” também cantava músicas de Zé Kéti, Elton Medeiros e Cartola.

Um ano depois, a música serviu de trilha para o filme “A Falecida”, adaptação de Leon Hirszman para a peça de Nelson Rodrigues, com orquestração de Radamés Gnatalli. Também em 1965, Nelson cantou seu lamento rumo à despedida no disco de Elizeth Cardoso, em que subiam o morro os sambistas Paulinho da Viola e Nelson Sargento.

“Vou Partir” (samba, 1965) – Nelson Cavaquinho e Jair do Cavaquinho
São inúmeras as histórias que contam de parceiros fictícios de Nelson Cavaquinho, que nunca existiram como compositores, apenas como ajudantes diante dos arroubos anárquicos do poeta. Nelson Cavaquinho seguia seus ímpetos, e ia assim colecionando parceiros, amigos e mulheres. A última delas foi Durvalina, trinta anos mais nova, que Nelson conheceu com mais de 50 anos de idade.

Dos parceiros que teve na vida, muitos foram acompanhantes de boteco, poucos de poesia. Dentre eles, destacam-se Guilherme de Brito, Carlos Cachaça, Zé Kéti, Cartola e Jair do Cavaquinho, companheiro até no apelido do sobrenome. Com Jair, Nelson criou a pérola “Vou Partir”, gravada por Elizeth Cardoso em 1965, no LP “Elisete Sobe o Morro”, em que ele a acompanha com seu violão. Dessa vez, a despedida não era eterna, mas apenas enquanto durasse o Carnaval.

“Cuidado Com a Outra” (samba, 1966) – Nelson Cavaquinho e Augusto Thomaz Júnior
A primeira cantora a realizar um trabalho apenas com músicas de Nelson Cavaquinho foi a alagoana Telma Soares, em seu disco intitulado “Telma Soares interpreta Nelson Cavaquinho”, com produção de Stanislaw Ponte Preta e arranjos de Radamés Gnatalli. O álbum saiu em 1966, e contava pela segunda vez em disco com a participação de Nelson, ao distribuir sua voz pitoresca em canções como “Rei Sem Trono”, “História De Um Valente” e “Cuidado Com a Outra”, essa uma sátira bem humorada, que usava o pretexto do Dia das Mães para se perdoar a mulher amada. Mais tarde, o sucesso da canção veio através da gravação de Chico Buarque, em 1974.

“Sempre Mangueira” (samba, 1968) – Nelson Cavaquinho e Geraldo Queiroz
A história de Nelson Cavaquinho com a Mangueira é, no mínimo, curiosa, já que o compositor travou amizade com Cartola, Cachaça e demais bambas quando dava uma ronda no morro, pois pertencia à cavalaria da polícia militar na época. Boêmio incurável, ele deixava o serviço de lado para se divertir com os amigos que, em tese, deveria estar vigiando, sendo que num desses episódios conta-se que o cavalo escapou sozinho, deixando-o à deriva. Um dos filhos mais celebrados pela escola, Nelson retribuiu o carinho em 1968, com “Sempre Mangueira”, parceria com Geraldo Queiroz lançada por Clara Nunes.

“Fala, Mangueira!” (samba, 1968) – Cartola, Nelson Cavaquinho e Carlos Cachaça
No ano de 1938, antes de ser expulso da corporação, Nelson Cavaquinho conseguiu dar baixa em seu cargo na polícia, separou-se de Alice, sua mulher à época, e entregou-se definitivamente ao samba e à boêmia. Em 1952 foi morar em Mangueira, onde permaneceu por um ano e meio, e, em 1968 dividiu com Cartola, Clementina de Jesus, Carlos Cachaça e Odete Amaral os vocais de “Fala Mangueira”, produzido por Hermínio Bello de Carvalho. Esse álbum foi outro marco da produção nacional do período, por reunir, de uma só tacada, quatro dos bambas mais expressivos dos morros cariocas, além de Odete Lara. Clementina de Jesus, Cartola, Nelson Cavaquinho e Carlos Cachaça de uma só vez é para quem não tem medo de embriagar-se de toda a nossa arte natural.

“Depois da Vida” (samba, 1971) – Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito e Paulo Gesta
Com uma religiosidade fervorosa, o bamba Nelson Cavaquinho tinha na relação com a morte uma das suas principais inspirações. Alguns clássicos saíram dessa obsessão, como “Rugas”, “Luz Negra”, “Folhas Secas” e “Juízo Final”. A mais pitoresca, no entanto, certamente é “Depois da Vida”. Parceria com Guilherme de Brito e Paulo Gesta (parceiro de Ataulfo Alves em “Na Cadência do Samba”), “Depois da Vida” foi lançada por Paulinho da Viola em 1971. Para se aclimatar ao ambiente fúnebre da canção, Paulinho criou um arranjo sombrio, como se um vento uivante lentamente se aproximasse de nossos ouvidos com sua nostalgia.

“Quando Eu Me Chamar Saudade” (samba, 1972) – Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito
Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito compuseram “Quando Eu Me Chamar Saudade” anos antes de a música ser lançada no disco solo de Nelson, em 1972. A típica canção de despedida do compositor tinha outros versos, que depois foram modificados por aqueles que passaram à posteridade. O instinto de efemeridade era delineado ao final do samba, que pedia “flores em vida”. A canção recebeu regravações de Nelson Gonçalves, Nora Ney, Noite Ilustrada e se tornou uma das mais conhecidas do repertório da dupla. “Quando Eu Me Chamar Saudade” é o exemplo perfeito da capacidade de transformar essa dor.

“Juízo Final” (samba, 1973) – Nelson Cavaquinho e Élcio Soares
O reconhecimento à obra de Nelson Cavaquinho começou a se dar de forma mais intensa na década de 60, a partir das gravações de Ciro Monteiro, Nara Leão e Elizeth Cardoso. Em 1970, ele próprio ganhou a oportunidade de gravar suas músicas em um disco que levava seu nome, e, em 1973, teve o derradeiro registro solo, onde cantava pela primeira vez ao lado do eterno parceiro Guilherme de Brito. Nelson ainda tocava pela primeira vez em disco o instrumento do apelido. Já com o nome bastante consolidado no mercado, Clara Nunes lançou no álbum “Claridade”, de 1975, a música esperançosa de Nelson que decretava a chegada do sol no horizonte, a vitória do bem sobre o mal, a luz a brilhar nos corações. O amor será eterno, era o seu “Juízo Final”, sempre atual.

“Folhas Secas” (samba, 1973) – Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito
O pai de Nelson Cavaquinho chamava-se Brás Antônio da Silva, e era contramestre da Banda da Polícia Militar do Rio de Janeiro, onde tocava tuba. A mãe chamava-se Maria Paula da Silva, e lavava roupa para as freiras Carmelitas do convento de Santa Teresa. Da mãe, Nelson herdou a adoração fervorosa pela religião, e, do pai, o gosto pela música. Unindo o estilo boêmio à religiosidade, Nelson criou verdadeiros clássicos do samba.

O que só foi possível porque, na juventude, quando ele não tinha dinheiro para comprar um instrumento, o jardineiro Ventura – que o assistia disputar “quedas” com os outros chorões –, deu-lhe de presente um cavaquinho. Nelson deixou de pedir emprestado o auxílio feito de madeira dos outros músicos, entre eles Romualdo e Luperce Miranda, mas não parou de inovar.

Ainda em criança, ele havia feito de uma tampa de caixa de charutos e barbantes esticados o necessário pra tirar um som. No ano de 1973, lembrando com nostalgia sua mocidade, Nelson compôs ao lado do parceiro Guilherme de Brito, a essencial “Folhas Secas”, que prestava uma homenagem à querida Mangueira, onde ele conhecera o samba que o levaria por toda a vida.

A música foi alvo de uma polêmica jamais resolvida entre Elis Regina e Beth Carvalho, que a lançaram no mesmo ano. Inicialmente dada para Beth gravar, foi levada pelo arranjador César Camargo Mariano para Elis. O resultado foram dois registros belíssimos para a música brasileira e uma desavença severa entre as duas intérpretes.

“Dona Carola” (samba, 1985) – Nelson Cavaquinho, Norival Bahia e Walto Feitosa
Os versos de uma das mais tocantes músicas de Nelson Cavaquinho deram a deixa perfeita para que, em 1985, Cristina Buarque e Carlinhos Vergueiro pudessem arquitetar as matizes de “Flores em Vida”, disco em homenagem ao sambista que trazia as participações de Chico Buarque, Paulinho da Viola, João Bosco, Beth Carvalho, Toquinho, além do próprio Nelson cantando.

O álbum, lançado um ano antes da morte do homenageado, foi recebido com festa na quadra da Mangueira, e trazia, entre diversos sucessos, músicas menos conhecidas, como “História de um Valente”, onde Nelson citava Noel Rosa, e “Pecado”, música que ele dividiu a autoria com Ligia Uchoa, mulher por quem se apaixonou ao encontrá-la sem teto na Praça Tiradentes e de quem tatuou o nome no ombro direito, rendendo-lhe também o samba “Tatuagem”. Em outra faixa que se tornou menos conhecida, Chico Buarque canta “Dona Carola”, partido-alto que põe à tona o lirismo espirituoso de Nelson Cavaquinho.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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