Relembre sucessos de Catulo da Paixão Cearense, autor de ‘Luar do Sertão’

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Oh que saudade do luar da minha terra
Lá na serra branquejando folhas secas pelo chão
Esse luar, lá da cidade, tão escuro
Não tem aquela saudade do luar lá do sertão” Catulo da Paixão Cearense

Para quem não liga o nome à pessoa, Catulo da Paixão Cearense, natural de São Luís do Maranhão e filho de um cearense (o sobrenome não era artístico, mas de família), é o autor de “Luar do Sertão”, cujos versos se prendem ao imaginário popular: “Não há, ó gente, ó não/Luar como esse do sertão”. “Durante uma época, essa música foi considerada o segundo hino nacional brasileiro pela capacidade de penetração nas mais profundas raízes do país. O sertão é o interior de todos: mineiros, baianos, goianos. É uma viagem aos seios de suas origens, tem uma coisa bucólica, de nostalgia”, avalia Gonçalo Jr., autor de “Música e Boemia: A Autobiografia Perdida de Catulo da Paixão Cearense”.

A música, que recuperou o status popular com a gravação de Luiz Gonzaga em 1981, teve registros de Maria Bethânia, Milton Nascimento, Elba Ramalho, Chitãozinho & Xororó e Paulo Tapajós, entre outros, contabilizando mais de 700 gravações. E, até, hoje, padece de uma polêmica. “João Pernambuco, que era um exímio violonista, admirado, inclusive, por Villa-Lobos, dizia que tinha pegado a melodia de uma cantiga tradicional do Nordeste, enquanto o Catulo morreu afirmando que a música era toda dele, letra e música”, revela Gonçalo.

“Flor Amorosa” (polca, 1880) – Joaquim Antônio Callado e Catulo da Paixão Cearense
Outra contribuição inaugural do compositor Catulo da Paixão Cearense diz respeito ao primeiro gênero musical nascido no Brasil. “Ele escreveu a letra do primeiro choro da história”, assegura Gonçalo Junior. Composta em 1880, pelo flautista Joaquim Antônio Callado, a melodia de “Flor Amorosa” ganhou os versos de Catulo em 1913, ano em que foi lançada por Aristarco Brandão. Mais tarde, a música foi regravada por Francisco Carlos e a cantora mineira Ceumar. “Catulo estava em todas, foi onipresente no seu tempo. Reverenciado pelos grandes, de Villa-Lobos a Ruy Barbosa. Pixinguinha ia até a palhoça dele à noite, pedir bênção durante as feijoadas que ele sempre oferecia”, exalta o jornalista.

“Talento e Formosura” (modinha, 1905) – Catulo da Paixão Cearense e Edmundo Otávio Ferreira
Rejeitada por um homem descrito em todas as biografias como alguém feio, a dama indignou-se, ou, nas palavras de Mário Sève, “ficou injuriada”. Ao que Catulo da Paixão Cearense, o protagonista do episódio, criou a canção “Talento e Formosura” para falar sobre o ocorrido. A faixa é uma das 15 presentes no álbum produzido por Sève, “A Paixão Segundo Catulo”, que nasceu como série de espetáculos para celebrar os 150 anos de nascimento do compositor, em 2016. Os versos interpretados no CD por Rodrigo Maranhão vaticinam: “que antes que a morte vibre em ti funéreo golpe seu/ a natureza irá roubando o que te deu!”. “O Catulo estava apaixonado por outra mulher, mas a tal moça não aceitou a desfeita porque era muito bela. Então, ele escreveu essa canção dizendo que ela iria perder a beleza com o tempo, mas a obra dele seria eterna”, afiança Sève.

“Tu Passaste Por Este Jardim” (maxixe, 1905) – Catulo da Paixão Cearense e Alfredo Dutra
“São letras derramadas e rebuscadas, mas também muito sacanas e cheias de humor, em algumas ele até pegava pesado”, observa Mário Sève, que produziu o disco “A Paixão Segundo Catulo”, em homenagem a Catulo da Paixão Cearense. Um bom exemplo de suas palavras pode ser conferido no maxixe “Tu Passaste por Este Jardim”, parceria com Alfredo Dutra de 1905. Recuperada por Gilberto Alves na década de 1960, a música recebeu gravações de Paulo Tapajós, Hamilton de Holanda e Benedito Lacerda. “Catulo fazia recitais com seu inseparável violão em eventos fechados, na corte carioca. Levou a música popular para os salões da nobreza e popularizou a seresta, era amigo dos presidentes”, conta Gonçalo Junior. “Ao mesmo tempo, teve uma vida de boemia. Era chamado de menestrel e foi um solteirão convicto. Catulo nunca quis se casar, nem teve filhos”, conclui o jornalista.

“Ontem ao Luar” (polca, 1907) – Catulo da Paixão Cearense e Pedro de Alcântara
“Catulo foi o grande gênio da música e da cultura popular brasileira de 1880 a 1940, o maior poeta desse período e talvez o compositor que mais tenha tido músicas gravadas entre 1902 e 1930”, atesta o pesquisador e jornalista Gonçalo Junior, que lança mão de uma força de expressão para melhor denotar essa característica. “Ele é o pai de Luiz Gonzaga e Guimarães Rosa. Catulo absorveu a tradição portuguesa à literatura de cordel, que ele popularizou durante a República no Rio de Janeiro. Tinha muita facilidade com versos, tanto que publicou uma infinidade de livros”. Em 1913, à revelia do compositor da melodia, Catulo criou versos para “Ontem ao Luar”, polca de Pedro de Alcântara que se eternizou e recebeu regravações de Marisa Monte, Fafá de Belém, Rubel, Vicente Celestino, Carlos Galhardo, Joyce, entre outros.

“Caboca di Caxangá” (batuque, 1913) – Catulo da Paixão Cearense
“Ele é o pai de Luiz Gonzaga e Guimarães Rosa. Catulo absorveu a tradição portuguesa à literatura de cordel, que ele popularizou durante a República no Rio de Janeiro. Tinha muita facilidade com versos, tanto que publicou uma infinidade de livros”, diz Gonçalo Júnior. Com a imagem impregnada junto à épica “Luar do Sertão”, Catulo foi autor de outros feitos consideráveis. “Muitos historiadores consideram que a primeira música caipira de que se tem notícia no Brasil é dele”, observa. A referência é a “Caboca di Caxangá”, lançada em 1913 e regravada por Paulo Tapajós, que, em 1958, dedicou um disco à obra do compositor, intitulado “O Poeta do Sertão”. “Catulo deu início a um estilo de poemas longos que, lá na frente, o cearense Patativa do Assaré iria consagrar”.

“Bambino” (tango-brasileiro, 1913) – Ernesto Nazareth e Catulo da Paixão Cearense
Ernesto Nazareth começou a ter problemas de audição quando caiu de uma árvore, ainda criança. Desde então, eles passaram a acompanhá-lo tal qual o piano. Diagnosticado com sífilis em estado avançado e já praticamente surdo, teve que ser internado na colônia Juliano Moreira, dedicada a pessoas com certo grau de loucura. Não foram raras as vezes em que fugiu e foi encontrado tocando compulsivamente um piano. Até que não mais voltou e faleceu nas águas de uma represa, dizem, em posição de criar mais uma das obras clássicas brasileiras, a exemplo de “Bambino”, o tango brasileiro que recebeu, em 1913, letra de Catulo da Paixão Cearense, e mais recentemente, no ano de 2002, novos versos de José Miguel Wisnik, e a interpretação arrebatadora de Elza Soares.

“Luar do Sertão” (toada, 1914) – Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco
Catulo da Paixão Cearense nasceu na capital do Maranhão, e aos dez anos foi para o interior do Ceará. Interior que amaria muito mais do que qualquer capital. Catulo era apaixonado pelas coisas singelas, simples e ingênuas e delas fez a obra-prima de suas canções. Eternizada na memória afetiva do povo brasileiro, “Luar do Sertão” foi composta por ele em 1914, e gerou divergências com relação à autoria da música. Enquanto Catulo afirmava que a havia composto sozinho, inspirado por uma música folclórica, outros como Heitor Villa-Lobos e Almirante diziam que a melodia era de João Pernambuco, violonista semianalfabeto. O que não se discute é a lembrança imediata de cada brasileiro quando se começa a tocar o refrão que remete ao balanço de uma rede.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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