Relembre vários sucessos de Lupicínio Rodrigues, pai da ‘dor de cotovelo’

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Eu gostei tanto, tanto
Quando me contaram
Que a encontraram
Bebendo e chorando
Na mesa de um bar” Lupicínio Rodrigues

Lupicínio Rodrigues nasceu em Porto Alegre, no dia 16 de setembro de 1914, e morreu na mesma cidade no dia 27 de agosto de 1974, aos 59 anos, após sofrer uma parada cardiorrespiratória. Inventor da dor de cotovelo, Lupicínio Rodrigues legou diversos clássicos da canção de fossa para a música brasileira, como “Nervos de Aço”, “Cadeira Vazia”, “Esses Moços”, “Vingança”, “Castigo”, entre outras, e teve suas composições gravadas por Elis Regina, Gal Costa, Paulinho da Viola, Elza Soares, Nelson Gonçalves, Jamelão, Linda Batista, João Gilberto, Arrigo Barnabé e Arnaldo Antunes. Ele também é autor do “Hino Oficial do Grêmio”, seu clube de coração. Sem tocar instrumento musical, Lupicínio recorria à caixinha de fósforos para criar as suas melodias.

“Se Acaso Você Chegasse” (samba, 1938) – Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins
Escrito por Lupicínio Rodrigues em parceria com Felisberto Martins em 1938, o samba “Se Acaso Você Chegasse” fez sucesso com Ciro Monteiro. Na estreia em disco de Elza Soares, no ano de 1959, a peça ganhou o contorno da voz jazzística da cantora, substituindo frases do refrão por sonetos sonoros que deixam no ar a real intenção dos personagens. À história de amor desfeito e da amizade posta em perigo de Lupicínio Rodrigues, Elza adentrou com intimidade e atrevimento, sem perder a dor-de-cotovelo. A música se configurou no primeiro sucesso da intérprete, e recebeu regravações de Nelson Gonçalves, Noite Ilustrada, Lúcio Alves, Roberto Silva e Adriana Calcanhotto.

“Nervos de Aço” (samba, 1947) – Lupicínio Rodrigues
Após seis anos de romance, Iná decidiu abandonar Lupicínio Rodrigues. Magoado, o compositor criou o samba “Nervos de Aço”, lançado por Francisco Alves, em 1947. Mas fica claro que Iná tinha razão. Durante todo esse tempo, Lupicínio não se decidia a casar, enrolando a moça. Aliás, ele só contraiu matrimônio em 1949, ao desposar Cerenita, que conhecia desde criança, mas que não via há 15 anos. Na verdade, ele já havia se casado com uma moça chamada Juraci, que, no leito de morte, lhe pediu que se casasse para legalizar a situação da filha que tiveram. Cerenita acabou adotando a menina, que daria cinco netos ao casal. Já “Nervos de Aço” ganharia a voz de Paulinho da Viola.

“Felicidade” (toada, 1947) – Lupicínio Rodrigues
Uma música com o nome de “Felicidade” definitivamente não combina com o estilo de Lupicínio Rodrigues, mas essa toada, lançada em 1947, se tornou um dos principais sucessos de sua carreira, a ponto de se confundir com ditados populares de domínio público. “Felicidade foi-se embora/ E a saudade no meu peito ainda mora/ E é por isso que eu gosto lá de fora/ Porque sei que a falsidade não vigora”, dizem os versos marcantes da canção. Ao todo, há mais de cem regravações desta toada, lançada originalmente pelo modesto Quarteto Quitandinha, e que ganhou as vozes de Joanna, Pena Branca & Xavantinho, Sérgio Reis, Fernando Mendes, Caetano Veloso, Acir Antão, Paulo Diniz, etc.

“Esses Moços” (samba-canção, 1948) – Lupicínio Rodrigues
Em 2011, Arrigo Barnabé estreou nos palcos “Caixa de Ódio”, espetáculo dedicado a Lupicínio Rodrigues, que teve como inspiração a homenagem de Itamar Assumpção a Ataulfo Alves, feita em 1996. “Na mesma hora, eu pensei em fazer uma coisa parecida e até comentei com o Itamar que, no meu caso, seria uma homenagem ao Lupicínio”, recorda Arrigo. Ao interpretar a clássica “Esses Moços”, lançada por Francisco Alves, Arrigo se valia de uma ironia e mudava os versos para: “saiba que deixam o PT por ser escuro e vão ao PSOL em busca de luz”. “Agora não dá pra fazer brincadeira nenhuma. A gente não imaginava que fosse acontecer uma coisa de louco dessas”, declara, em 2019.

“Quem Há de Dizer” (samba-canção, 1948) – Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves
Por outro lado, o samba-canção de Lupicínio Rodrigues, lançado em 1948, é mais explícito e lamentoso. Embora também descrita como uma dançarina de cabaré, sobre a musa de “Quem Há de Dizer” se permite afirmar nos versos finais, quando o compositor reflete sobre as impossibilidades do amor: “Ela nasceu/ Com o destino da lua/ Pra todos que andam na rua/ Não vai viver só pra mim”. Esse verso é fruto de um conselho recebido por Lupicínio do dono do estabelecimento. Embora existisse uma repressão social, os romances com prostitutas eram frequentes, e não só no aspecto carnal, mas de sentimentos, como revela a letra. Parceria com Alcides Gonçalves, ela foi regravada por Nelson Gonçalves, Jamelão, Altemar Dutra, Francisco Alves e João Gilberto.

“Cadeira Vazia” (samba-canção, 1950) – Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves
Não se nega um prato de comida nem a um desafeto. É essa a mensagem que Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves procuram passar no samba-canção “Cadeira Vazia”, de 1950. Na música, o lugar onde acontecem as refeições ocupa o espaço central da história, e a cadeira vazia, deixada por aquela que agora volta, é o sinal do abandono, da tristeza e da decepção. Apesar disso, Lupicínio, com sua tradicional dor-de-cotovelo, oferece a ela o pão que lhe servirá como alimento, mas não servirá para perdoar os erros do passado, encerrando a canção com os magoados versos: “Não te darei carinho nem afeto/ Mas pra te abrigar podes ocupar meu teto/ Pra te alimentar, podes comer meu pão”. Lançada por Francisco Alves, a música foi gravada por Elis Regina.

“Vingança” (samba-canção, 1951) – Lupicínio Rodrigues
“Vingança”, outro samba-canção magoado de Lupicínio Rodrigues, foi lançada originalmente por Linda Batista, garantindo o seu maior sucesso de toda a carreira, mas foi também regravada com êxito pelo próprio autor, além de Elza Soares, Jamelão, Arrigo Barnabé, Joanna e muitos outros artistas. Tradicionalista, Lupicínio queixa-se de mais uma desilusão amorosa, desta vez acusando a mulher de traí-lo “com um companheiro”, para no momento seguinte fazer referência à importância do pai na sua vida, considerando seus ensinamentos como dos mais importantes, em especial de um valor. “Me fazer passar esta vergonha com um companheiro/ E a vergonha é a herança maior que meu pai me deixou…”. Versos que se eternizaram no imaginário popular.

“Nunca” (samba-canção, 1952) – Lupicínio Rodrigues
Em 2017, o pesquisador e jornalista Zuza Homem de Mello lançou o livro “Copacabana: A Trajetória do Samba-Canção (1929-1958)”, que, em mais de 500 páginas, discorre sobre a formação e a influência do gênero no qual se consagraram Maysa, Lupicínio Rodrigues, Dolores Duran, Nora Ney, Angela Maria, Dalva de Oliveira, Nelson Gonçalves, Dick Farney e tantos outros. “O samba-canção é a música dos fracassados do amor, o cara chora em cima das perdas, é sobre as várias maneiras sobre como o romance fracassa”, constata Zuza, que define o papel dos principais artífices do gênero. “Lupicínio é o grande letrista. Nora Ney, a grande voz feminina, e Dick Farney, a masculina”. “Nunca”, lançada por Dircinha Batista em 1952, é belo exemplar de Lupicínio.

“Pra São João Decidir” (marcha, 1952) – Lupicínio Rodrigues
Uma das últimas músicas gravadas por Francisco Alves, “Pra São João Decidir”, é uma composição de Lupicínio Rodrigues do ano de 1952. Identificado com o samba-canção mais magoado, conhecido como “dor de cotovelo”, a criação junina de Lupicínio não foge ao estilo. Em forma de crônica, conta a decepção com o santo após perder aposta para o vizinho. “Eu tinha tanta confiança neste santo/ Que apostei um conto e tanto/ Que era eu que ia ganhar”, admite. Porém, com o raiar do dia, a foguetada do vizinho revela quem foi o vencedor da aposta. Regravada por Jair Rodrigues, Jamelão e Francisco Petrônio, ela ganhou uma versão irreverente de Arrigo Barnabé.

“Castigo” (samba-canção, 1953) – Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves
Com o habitual parceiro Alcides Gonçalves, o incorrigível Lupicínio Rodrigues deixa, novamente, escorrer seu veneno no samba-canção “Castigo”, em que ele se delicia com o arrependimento da ex. “Eu sabia que você um dia/ Me procuraria em busca de paz/ Muito remorso, muita saudade/ Mas afinal o que é que lhe traz?”, debocha, antes de dar a estocada definitiva, sem esconder sua misoginia. “A mulher quando é moça e bonita/ Nunca acredita poder tropeçar/ Quando os espelhos lhe dão conselhos/ É que procuram em quem se agarrar”. Pra completar, Lupicínio ainda adota uma postura pretensamente magnânima. “Homem que é homem/ Faz qual o cedro/ Que perfuma o machado que o derrubou”. Lançada por Gilberto Milfont, foi regravada por Nelson Gonçalves.

“Namorados” (samba-canção, 1954) – Lupicínio Rodrigues
Mestre da chamada “dor de cotovelo”, Lupicínio Rodrigues também abordou o amor e seus primeiros anos, porém sob o viés em que se especializou. “Quando eu era só teu namorado/ Mas que vida que a gente vivia/ (…) Todo dia nossos lábios somente se abriam/ Para trocarmos promessas sem fim/ (…) Mas agora que somos casados/ Foi que tudo para nós mudou/ Antes tu me chamavas de amado/ Hoje até desgraçado eu já sou”. Lançada por Léo Romano em um disco de 78 rotações no ano de 1954, ela foi regravada por Arrigo Barnabé em um dueto impagável com Sérgio Espíndola. Antes, também recebeu uma versão do próprio Lupicínio Rodrigues, no distante ano de 1955.

“Volta” (samba-canção, 1957) – Lupicínio Rodrigues
Para toda uma geração, a música “Volta” está associada a uma campanha pela doação de agasalhos para pessoas em situação de vulnerabilidade, moradores de rua. “Quantas noites não durmo/ A rolar-me na cama/ A sentir tantas coisas/ Que a gente não pode explicar/ Quando ama/ O calor das cobertas/ Não me aquece direito/ Não há nada no mundo/ Que possa afastar esse frio do meu peito”, dizem os versos propagados pela cantora Joanna na década de 1990. Originalmente, a música foi lançada por Linda Batista, em 1957, e a intenção de Lupicínio Rodrigues também era outra, como fica claro no verso final. “Volta, vem viver outra vez ao meu lado/ Não consigo dormir sem teu braço/ Pois meu corpo está acostumado…”. A música foi gravada por Gal Costa e Rosa Passos.

“Ela Disse-me Assim” (samba-canção, 1959) – Lupicínio Rodrigues
“Ela Disse-me Assim” apresenta uma situação pouco usual na canção popular brasileira. Lançada em 1959, na voz poderosa de Jamelão, a música tem como mote um pedido suplicante da amante para o homem com quem ela está traindo o marido. “Ela disse-me assim/ Tenha pena de mim/ Vá embora/ Vais me prejudicar/ Ele pode chegar/ Está na hora”. As más línguas contam que toda a situação abordada foi vivida pelo próprio Lupicínio Rodrigues que, como de costume, se inspirava em sua vida para compor. O quiproquó se complica porque, a despeito da intuição da mulher, o marido os pega no flagra. A música ganhou regravações de Simone, Adriana Calcanhotto, Noite Ilustrada, e outros.

“Hino Oficial do Grêmio” (hino, 1963) – Lupicínio Rodrigues
Como os clubes cariocas, que deram a sorte de contar com Lamartine Babo, o Grêmio recebeu o privilégio de ter o seu hino composto por um dos galardões do cancioneiro tupiniquim. Lupicínio Rodrigues, conhecido por ter inventado a expressão e o estilo musical da “dor de cotovelo”, conferiu à sua paixão futebolística a mesma cor e as hipérboles das entregas no amor. Não é figura de linguagem quando ele expressa: “Até a pé nós iremos/ Para o que der e vier/ Mas o certo é que nós estaremos/ Com o Grêmio/Onde o Grêmio estiver”. Quem der um pulo nos versos de Lupicínio para suas mulheres, verá que ele era capaz de muito mais por amor. Segundo consta, Lupicínio se inspirou em um acontecimento inusitado, quando, em razão da greve dos bondes em Porto Alegre, ele os torcedores tiveram que caminhar a pé até o estádio do Grêmio.

“Judiaria” (guarânia, 1971) – Lupicínio Rodrigues
Não é por acaso que Lupicínio Rodrigues é considerado o inventor da dor de cotovelo, gênero musical também conhecido como música de fossa. A expressão teria nascido pelo fato de os amantes dispensados e lamentosos habituarem-se a apoiar os cotovelos nas mesas de bar, enquanto choravam suas dores de amor. O próprio Lupicínio teria repetido essa atitude nos bares de Porto Alegre. Autor de clássicos como “Nunca”, “Vingança”, “Esses Moços” e “Cadeira Vazia”, o gaúcho compôs, em 1971, uma guarânia, que ele mesmo lançou. “Judiaria” repete a sina dos amores desfeitos e coloca a mágoa em primeiro plano. Arnaldo Antunes deu tons roqueiros ao regravá-la, já em 1995.

“Um Favor” (samba-canção, 1972) – Lupicínio Rodrigues
Uma das músicas mais sensíveis de Lupicínio Rodrigues foi lançada em 1972, pelo cantor Jamelão, que se habituou a interpretar o repertório do compositor gaúcho. “Um Favor” chamou a atenção de artistas dos mais variados matizes, recebendo versões de Marisa Gata Mansa, Gal Costa, Jards Macalé, Elymar Santos, Áurea Martins, Edith Veiga, dentre outros. “Eu hoje acordei pensando/ Por que é que eu vivo chorando/ Podendo lhe procurar/ Se a lágrima é tão maldita/ Que a pessoa mais bonita/ Cobre o rosto pra chorar/ E refletindo um segundo/ Resolvi pedir ao mundo/ Que me fizesse um favor”, diz a letra, antes de convocar a ajuda de todos. “Maestro, músicos, cantores/ Gente de todas as cores/ Faça esse favor pra mim/ Quem puder cantar que cante/ Quem souber tocar que toque/ Flauta, trombone ou clarim…”, apela o autor desalentado.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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