2º brasileiro mais conhecido do mundo, Paulo Coelho compôs para Elis

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Meu coração o místico profeta,
O paladino audaz da desventura,
Que sonha ser um santo e um poeta
Vai procurar o Paço da Ventura…” Florbela Espanca

Paulo Coelho nasceu no dia 24 de agosto de 1947, no Rio de Janeiro. Integrante da Academia Brasileira de Letras, Paulo Coelho é o escritor mais popular do país, e uma das personalidades mais debatidas. Do ano 4.000 antes de Cristo até os dias de hoje, Pelé e Paulo Coelho são, nessa ordem, os brasileiros mais conhecidos do mundo. A conclusão é de um estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, divulgado em junho de 2019. Na música brasileira, Paulo Coelho teve participação ativa em parcerias com Raul Seixas e Rita Lee. Ainda criou versões para sucessos de Sidney Magal e Elis Regina.

“Al Capone” (rock, 1973) – Raul Seixas e Paulo Coelho
Só mesmo com a irreverência de Raul Seixas para passar um pito no mais famoso mafioso de todos os tempos com acento baiano. “Hei, Al Capone, vê se te emenda/ Já sabem do teu furo, nego/ No imposto de renda…/ Hei, Al Capone, vê se te orienta/ Assim desta maneira, nego/ Chicago não aguenta…”, inicia o rock “Al Capone”, parceria de Raul e Paulo Coelho lançada em 1973, no disco de estreia do cantor, “Krig-ha, Bandolo!”. Ali, já apareciam marcas do trabalho de Raul, como o interesse histórico e a mania de misticismo. Além de Al Capone, outras personagens históricas são convocadas à baila, como o imperador Júlio César, o cangaceiro Lampião, Jimi Hendrix, Frank Sinatra e até Jesus Cristo. “Ei, Jesus Cristo, o melhor que você faz/ É deixar o Pai de lado E foge pra morrer em paz…”, canta Raul. Esta música foi regravada pelo CPM22.

“Medo da Chuva” (balada, 1974) – Raul Seixas e Paulo Coelho
Uma das composições mais sensíveis do inventivo Raul Seixas, “Medo da Chuva”, escrita em parceria com Paulo Coelho, é uma peça romântica em sua estrutura e na letra, que não se esquiva de roçar no melodrama para alcançar aquele poder de reflexão capaz de tocar toda e qualquer pessoa, pelo caráter da própria obra do baiano, entre o sofisticado e o popular. A história capta o momento de ruptura entre um casal, e as metáforas são precisas: enquanto as pedras são a imagem da segurança ineficiente e imóvel, a chuva é a representação da renovação, da vida em contínuo movimento. Algo tão real quanto místico: “Pois a chuva voltando pra terra/ Traz coisas do ar…”, canta.

“Gita” (rock, 1974) – Raul Seixas e Paulo Coelho
A partir de “Gita”, Raul Seixas tornou-se um fenômeno nacional. A música, parceria com Paulo Coelho, foi lançada em um compacto simples, em 1974, ao lado de “Não Pare na Pista”. Meses depois, chegou às prateleiras o álbum de mesmo título, o terceiro da carreira de Raul. “Gita” fechava os trabalhos. O título, misterioso, carregava o misticismo cada vez mais latente de Raul e era uma referência a um dos textos sagrados do hinduísmo, o “Bhagavad Gita”, que faz parte do “Mahabharata”, fundamental para a cultura indiana. A letra traz uma abordagem ao estilo de Raul para esse diálogo existencial travado pelos hindus. E Ney Matogrosso a regravou ao comemorar 80 anos de vida em 2021.

“Sociedade Alternativa” (rock, 1974) – Raul Seixas e Paulo Coelho
Em 1974, Raul Seixas e Paulo Coelho pretenderam criar uma “Sociedade Alternativa”, espécie de retiro hippie que seria erguido em uma cidade de Minas Gerais, baseada nos preceitos do bruxo Aleister Crowley, onde eles construíram a autodenominada por eles, “Cidade das Estrelas”. Os princípios eles transforaram em letra de música, lançada por Raul no mesmo ano de 1974. “Se eu quero e você quer/ Tomar banho de chapéu/ Ou esperar Papai Noel/ Ou discutir Carlos Gardel/ Então vá!/ Faça o que tu queres, pois é tudo da lei!”. A ideia de liberdade, infelizmente, terminou em quiproquó. Raul e Paulo Coelho foram presos, torturados e exilados pela ditadura militar brasileira.

“Super-Heróis” (rock, 1974) – Raul Seixas e Paulo Coelho
A parceria entre Raul Seixas e Paulo Coelho rendeu diversos frutos para a música popular brasileira, dentre eles clássicos do porte de “Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás”, “Gita”, “Tente Outra Vez”, “Al Capone” e “A Maçã”. Raul tomou contato com a obra de Paulo Coelho através de um artigo do escritor sobre extraterrestres publicado na revista “A Pomba”, e logo se interessou. Em 1974, eles criaram e compuseram a “Sociedade Alternativa”, uma espécie de retiro hippie. No mesmo ano, lançaram o rock “Super-Heróis”, nascido durante uma viagem à Disney. A letra mistura os mais variados personagens da cultura pop. “Pedi cerveja e convenci o garçom do botequim a não pagar o tal do casco…”.

“Tente Outra Vez” (balada, 1975) – Raul Seixas, Paulo Coelho e Marcelo Motta
Raul Seixas sempre foi um artista místico, mas essa característica atingiu seu pico quando do encontro com Paulo Coelho. Foi ao lado dele e de Marcelo Motta que o “Maluco Beleza” compôs um dos hinos mais emblemáticos da carreira, um louvor à fé e à não desistência. “Tente Outra Vez”, balada de 1975, lançada no disco “NOVO AEON”, sublinha, sobretudo, a força de continuidade inerente à vida, presente na natureza e, por conseguinte, à condição do homem. Foi com versos embebidos numa melodia de teor religioso que Raul, cuja canção é, ainda hoje, muitas vezes ligada ao universo da autoajuda, criou uma das músicas mais espirituosas de seu repertório, em todos os sentidos. “Tente Outra Vez” já diz por si só, no título, o recado da vida. Foi regravada por Sandra de Sá, Barão Vermelho, Chitãozinho & Xororó, e etc.

“Esse Tal de Roque Enrow” (rock, 1975) – Rita Lee e Paulo Coelho
Em 1975, no disco “Fruto Proibido”, Rita Lee lançou a música “Esse Tal de Roque Enrow”, parceria com Paulo Coelho. A música transforma o gênero musical que modificou gerações em personagem. Ligado à juventude transviada que James Dean incorporou tão bem em seu filme, o tal de Roque Enrow parece estar virando a cabeça de uma “menina de família”, nesse embate de gerações que se acentuou durante a década de 1970. “Ela nem vem mais pra casa, doutor, ela odeia meus vestidos/ Minha filha é um caso sério, doutor/ Ela agora está vivendo com esse tal de Roque Enrow”, diz a mãe.

“Cartão Postal” (blues, 1975) – Rita Lee e Paulo Coelho
Paulo Coelho desfrutava do sucesso como compositor ao lado de Raul Seixas quando Rita Lee o convocou para participar do álbum que a antiga vocalista dos Mutantes gravara com o grupo Tutti Frutti. “Cartão Postal” foi lançada no disco “Fruto Proibido”. O blues reflexivo tecia considerações sobre a morte, afirmando a necessidade de não a encarar como um acontecimento terrível. Cazuza, já bastante abatido pela Aids, regravaria a música em seu derradeiro álbum, “Burguesia”, de 1989. Já Gal Costa a reviveria no registro do espetáculo “Estratosférica”, em 2017, realçando a premência da canção, lançada em 1975.

“Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás” (rock, 1976) – Raul Seixas e Paulo Coelho
A longa saga descrita pela música de Raul Seixas e Paulo Coelho, lançada no disco do “Maluco Beleza”, em 1976, faz um périplo pela história da humanidade e, claro, não poderia deixar passar um de seus fatos mais traumáticos. A Inquisição promovida pela Igreja Católica, que assassinava pessoas tidas como bruxas na fogueira, por se desviarem do comportamento padrão da época. Uma das vítimas mais conhecidas das atrocidades foi a revolucionária francesa Joana D’Arc. Raul Seixas e Paulo Coelho destacam essa prática perversa no verso: “Eu vi as bruxas pegando fogo pra pagarem seus pecados, eu vi…”.

“Eu Também Vou Reclamar” (balada, 1976) – Raul Seixas e Paulo Coelho
Em 1976, a dupla de compositores Raul Seixas e Paulo Coelho lançava mão de toda sua ironia na música “Eu Também Vou Reclamar”, crítica nada velada à MPB e também ao cantor Silvio Brito, que tem a sua canção citada na letra. “Ligo o rádio e ouço um chato/ Que me grita nos ouvidos/ Pare o mundo que eu quero descer…”, ironiza Raul, com toda sua acidez. A letra traz outros momentos preciosos, que mostram a habilidade dos compositores em combinar momentos do cotidiano com reflexões sobre o cenário político e social. “Entro com a garrafa de bebida enrustida/ Porque minha mulher/ Não pode ver”, admite Raul em outro verso. A balada, claro, provocou burburinhos.

“Bruxa Amarela” (rock, 1976) – Raul Seixas e Paulo Coelho
Feita especialmente para Rita Lee, essa parceria de Raul Seixas e Paulo Coelho foi gravada pela então vocalista da banda Tutti Frutti no disco lançado pela banda em 1976. Com a habitual verve fantasiosa e mística, os autores abrem as portas para esse mundo fantástico, em versos desse calibre: “Duas horas da manhã eu abro a minha janela/ E vejo a bruxa cruzando a grande lua amarela/ E vou dormir quase em paz”. Em 1988, em seu penúltimo disco de carreira, Raul Seixas registrou uma nova versão da música, modificando o título para “Check-up” e alterando versos pontuais.

“Canto Para Minha Morte” (tango, 1976) – Raul Seixas e Paulo Coelho
Raul Seixas é um desses casos raros na história da arte, capaz de combinar uma alta carga reflexiva a um sucesso popular de arrasar quarteirões. O existencialismo do “Maluco Beleza” aparece em letras clássicas, como “Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás”, “Gita”, “O Dia Em Que a Terra Parou”, “Medo da Chuva”, “A Maçã” e muitas outras. Nenhuma delas, no entanto, coloca tanto o dedo na ferida de uma questão essencial para Raul como “Canto Para Minha Morte”, parceria com Paulo Coelho que ele transformou em tango, com direito a declamação: “que eu quero e não desejo, mas tenho que encontrar”, filosofa.

“Arrombou a Festa” (rock, 1977) – Rita Lee e Paulo Coelho
Rita Lee e Paulo Coelho se uniram em uma nova parceria de sucesso: “Arrombou a Festa”, rock lançado em 1977, uma homenagem irreverente à música popular brasileira e, claro, inspirada no clássico da Jovem Guarda, “Festa de Arromba”, um dos maiores sucessos da carreira de Erasmo Carlos. “Benito lá de Paula com o amigo Charlie Brown/ Revive em nosso tempo o velho e chato Simonal/ Martinho vem da Vila lá do fundo do quintal/ Tornando diferente aquela coisa sempre igual”, canta Rita Lee, cheia de graça. Raul Seixas, claro, também é citado, e aparece, naturalmente, em um disco voador.

“Sandra Rosa Madalena, a Cigana” (salsa, 1978) – versão de Paulo Coelho
A personalidade artística de Sidney Magal foi construída seguindo os moldes da indústria fonográfica da época. Inventaram para ele um passado cigano e investiram no aspecto visual, ou seja: coreografia e figurinos. Assim, cheio de brilhantinas, peito aberto, mãos que não paravam quietas, ele surgiu cantando “Sandra Rosa Madalena, a Cigana”, um estouro de 1978 que trazia referências de ritmos latinos, como a salsa, passados sob o filtro da música pop. A música é uma composição do argentino Roberto Livi com o uruguaio Miguel Cidras, arranjador de Raul Seixas. Na boca de Magal, ganhou versão de Paulo Coelho.

“Me Deixas Louca” (bolero, 1981) – versão de Paulo Coelho
Bolero do mexicano Armando Manzanero, vertido para o português por Paulo Coelho, “Me Deixas Louca” é uma daquelas músicas que se ajustavam à emoção precisa para que Elis Regina transbordasse, em cena, todo o seu talento para arrebatamentos amorosos. A música entrou para a trilha da novela global “Brilhante”, de Gilberto Braga, Euclydes Marinho e Leonor Bassères e foi tema do casal formado por Vera Fischer e Tarcísio Meira. Elis não chegou a registrá-la em disco, pois morreu precocemente em 1982, aos 36 anos, vítima de uma mistura fatal de uísque e cocaína. Ainda assim, a música se tornou um dos maiores sucessos da carreira da Pimentinha e foi regravada por Maria Rita.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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