De Chico Buarque a Luiz Gonzaga: Relembre sucessos de Elba Ramalho

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Não me toques/ nesta lembrança.
Não perguntes a respeito
que viro mãe-leoa/ ou pedra-lage lívida
ereta/ na grama/ muito bem-feita.
Estas são as faces da minha fúria.” Ana Cristina Cesar

Elba Maria Nunes Ramalho nasceu em Conceição, no interior da Paraíba, no dia 17 de agosto de 1951. Em 1962, a família se mudou para Campina Grande, onde o pai de Elba tornou-se dono de um cinema na cidade. Elba começou a carreira tocando bateria no conjunto feminino As Brasas. Em 1974, atuou como bailarina na peça “Viva o Cordão Encarnado” e, em 1978, recebeu a grande chance da sua carreira, quando foi selecionada para participar da “Ópera do Malandro”, de Chico Buarque e Ruy Guerra, cantando clássicos como “O Meu Amor”, em dueto com Marieta Severo, e “Geni e o Zepelim”. Na esteira do sucesso, gravou o primeiro LP, “Ave de Prata”, em 1979, e nunca mais parou. Entre os maiores sucessos de Elba estão “Banho de Cheiro”, “Bate Coração”, “O Xote das Meninas”, “De Volta pro Aconchego”, “Chão de Giz”, etc.

“Paraíba” (baião, 1950) – Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira
Embora seja o nordeste brasileiro identificado com frequência junto a um universo machista e de preconceitos, Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira quebraram esse paradigma de maneira enviesada em 1950. Outro forte costume da região é também o das mulheres fortes, que, não por acaso, tornam-se as lideranças das famílias e dos lares, capazes de enfrentar os maiores desafios e as violências dos próprios maridos e da moral do ambiente. No baião “Paraíba”, os compositores provavelmente prestam homenagem a essa figura bem atribuída à mãe, e reiteram: “Paraíba masculina, mulher macho, sim senhor!”. A música foi regravada pela leoa do norte Elba Ramalho.

“Olha pro Céu” (marcha junina, 1951) – Luiz Gonzaga e José Fernandes
Conhecido como o Rei do Baião, Luiz Gonzaga lançou dois discos inteiramente dedicados a músicas juninas, tamanha sua identificação com a causa, ambos intitulados “Quadrilhas e Marchinhas Juninas”, o primeiro de 1965, e o volume II de 1979, que trazia ainda o epíteto “Vire Que Tem Forró”. Mas nenhuma música de sua autoria produziu tanto impacto quanto “Olha pro Céu”, parceria com José Fernandes lançada em 1951, e regravada por Elba Ramalho e Gilberto Gil, entre outros astros da nossa MPB. “Olha pro céu, meu amor/ Vê como ele está lindo/ Olha praquele balão multicor/ Como no céu vai sumindo”.

“O Xote das Meninas” (xote, 1953) – Luiz Gonzaga e Zé Dantas
“O mandacaru é um tipo de cacto que não precisa de chuva para florescer. No sertão, quando o mandacaru floresce no período da seca, o caboclo fica crente que a trovoada se aproxima”. Essas são palavras de Zé Dantas que, ao lado de Luiz Gonzaga, compôs “O Xote das Meninas”, um dos principais clássicos da música brasileira. Foi fazendo uma relação entre o mandacaru em período de fertilidade e a menina que enjoa da boneca e começa a virar mulher que Zé Dantas escreveu a letra da música, lançada por Luiz Gonzaga em 1953 e regravada por Ivon Curi no ano seguinte. Elba Ramalhou a regravou em 2002.

“Pombo Correio” (frevo, 1977) – Moraes Moreira, Dodô e Osmar
Em 1975, apaixonado pela composição instrumental “Double Morse”, de Dodô e Osmar, e que existia desde a década de 1950, Moraes Moreira compôs para ela uma letra que se relacionava com a ambiência romântica de antigas composições carnavalescas, como “Colombina” e “Jardineira”, na qual pedia a um pombo correio que entregasse uma carta a seu amor. A canção foi o primeiro sucesso em nível nacional do “Trio Elétrico Dodô e Osmar”, e deu nome a seu quarto LP, considerado o melhor da carreira da banda, que saiu pela Continental, em 1977. Saltitante, elétrica, colorida, a marchinha é bem característica dos trios que animam o Carnaval de Salvador e que se tornariam uma influência na música do próprio Moraes Moreira, que, além de produzir alguns discos, foi o primeiro cantor de Trio Elétrico, antes apenas instrumentais. A música também foi gravada por Elba Ramalho.

“O Meu Amor” (MPB, 1978) – Chico Buarque
A primeira vez em que Elba Ramalho cantou em disco não havia o nome dela na capa. Mas o anfitrião era daqueles de quem não se recusa um convite. A estreia aconteceu no álbum que Chico Buarque lançou em 1978. O dueto em “O Meu Amor” com a atriz Marieta Severo (mulher de Chico à época) seria repetido com sucesso, um ano depois, na peça “A Ópera do Malandro”. Com o tempo, Elba criou a sua própria assinatura na música brasileira, mas nunca perdeu a verve de atriz, formada no teatro, em cima do palco. “O Meu Amor” foi novamente regravada por Elba em 1999, no álbum ao vivo batizado de “Solar”.

“Chão de Giz” (canção, 1978) – Zé Ramalho
Tornar uma música que fala de Freud, grão-vizir e colibri num dos maiores sucessos da música brasileira não é pra qualquer um. Pra isto, só mesmo o talento de Zé Ramalho, capaz de emoldurar uma letra aparentemente sem sentido e complexa em uma melodia que conquista todos os gostos. “Chão de Giz” chegou ao mercado em 1978, no disco de estreia do compositor. A música nasceu de um relacionamento de Zé Ramalho com uma mulher mais velha, casada com um homem influente e poderoso de João Pessoa, na Paraíba, o que explica as referências ao sexo, como no verso que fala em camisa de Vênus. “Chão de Giz” ganhou versão de Elba, prima de Zé Ramalho, em 1996.

“Bate Coração” (xote, 1982) – Cecéu
No universo patriarcal e tradicionalmente machista da música brasileira como um todo, mas, em destaque, do ambiente nordestino, a compositora Cecéu se destaca como uma das mais prolíficas em êxito popular como na qualidade de seu repertório, ao lado das não menos valentes Marinês e a leoa do norte Elba Ramalho que, inclusive, lançou um dos maiores sucessos da artista. “Bate-coração” foi um xote lançado em 1982 e regravada por diversas vezes. Sua permanência pode ser atribuída ao tema, ao ritmo, mas é, sobretudo, pela união dessas duas características que perpassou as vozes mais diversas. Universal como a abordagem é o sentimento, a sensação do coração batendo dentro do peito. Foi regravada por Angela Ro Ro em dupla com Elba Ramalho.

“Banho de Cheiro” (frevo, 1983) – Carlos Fernando
Carlos Fernando é pernambucano de Caruaru. Responsável por aproximar o frevo da MPB, ele conheceu, em 1983, o maior sucesso da sua carreira, quando Elba Ramalho gravou, no LP “Coração Brasileiro”, a música “Banho de Cheiro”, que abria o disco. Elba nunca mais se afastou dessa música, voltando sempre a ela em suas apresentações de sucesso Brasil afora. A letra fala sobre uma tradição indígena que permanece forte no Norte e Nordeste do país, a de tomar um banho de ervas na virada do ano para trazer boas energias. “Eu quero um banho de cheiro/ Eu quero um banho de lua/ Eu quero navegar”, diz.

“Ai Que Saudade D’ocê” (toada, 1983) – Vital Farias
Paraibano de Taperoá com influências ibéricas em seu violão, o músico Vital Farias construiu uma obra particular, facilmente identificável. Entre seus maiores sucessos destacam-se “Era Casa, Era Jardim”, lançada em 1978 e regravada por Fagner, também conhecida como “Canção em Dois Tempos”, e “Veja (Margarida)”, de 1980, lançada por Elba Ramalho no disco “Capim do Vale”. Também paraibana, Elba voltou à obra de Vital no álbum “Coração Brasileiro”, de 1983, um dos mais bem-sucedidos de sua trajetória, que rendeu à cantora os discos de ouro e platina pelas milhões de cópias vendidas. No repertório, Elba dá voz a “Ai Que Saudade D’ocê”, uma toada dolente, romântica, que caiu no gosto do público e entrou para o repertório de sucessos.

“De Volta pro Aconchego” (baião, 1985) – Dominguinhos e Nando Cordel
Dominguinhos morria de medo de viajar de avião. Por isso, passava muito tempo na estrada, em viagens terrestres, para cumprir uma agenda de shows de norte a sul do Brasil. A experiência o levou a criar a melodia “De Volta pro Aconchego”, para a qual pediu uma letra de Nando Cordel, explicando que ela deveria tratar sobre a saudade que sentia da mulher, a cantora Guadalupe, e da filha. Assim que ficou pronta, Dominguinhos mostrou a música para Elba Ramalho, que preparava novo disco, mas a cantora achou a canção muito acelerada. Mais lenta, ela foi lançada por Elba em 1985, com o violão de Dori Caymmi e a sanfona de Dominguinhos, e entrou pra trilha de “Roque Santeiro”.

“Forró do Xenhenhém” (xaxado, 1985) – Cecéu
Mary Maciel Ribeiro, mais conhecida como Cecéu, formou uma dupla de sucesso com o compositor Antônio Barros tanto na vida quanto na carreira, já que os dois, além de casados, criaram vários clássicos da música nordestina. Em 1985, Cecéu compôs o xaxado “Forró do Xenhenhém”, imediatamente lançado por Alcione com enorme sucesso nacional. Anos depois, Elba Ramalho se apropriou de tal forma da canção que ela passou a ser indissociável de sua personalidade. “Forró do Xenhenhém” é hoje indispensável em qualquer show de sucessos da cantora paraibana. A música é uma daquelas que agrega malícia e sensualidade a uma graça irresistível.

“Gostoso Demais” (xote, 1986) – Dominguinhos e Nando Cordel
A parceria entre Dominguinhos e Nando Cordel rendeu mais uma canção de sucesso em 1986, quando Maria Bethânia lançou “Gostoso Demais”, no LP “Dezembros”, que vendeu mais de 300 mil cópias. A música volta a apostar no tema da saudade, com uma melodia dolente. “Tô com saudade de tu, meu desejo/ Tô com saudade do beijo e do mel/ Do teu olhar carinhoso/ Do teu abraço gostoso/ De passear no teu céu”. A música mereceu uma regravação de Elba ao lado de Dominguinhos, no álbum “Baião de Dois”, lançado em 2005. A dupla também interpreta junto “Eu Só Quero um Xodó”, “Tenho Sede” e mais.

“Chorando e Cantando” (MPB, 1986) – Geraldo Azevedo e Fausto Nilo
Demorou 38 anos até que alguém tivesse coragem de desmentir, numa letra de música, a dupla de compositores Braguinha (1907-2006) e Antônio Almeida (1911-1985). Elba Ramalho, Alceu Valença e Geraldo Azevedo não esperaram tanto tempo para se reunir novamente. O trio voltou aos palcos em 2016 com o show que celebrava os 20 anos do “Grande Encontro”, cuja estreia, em 1996, ainda trazia Zé Ramalho em sua formação. Dentre os muitos sucessos da apresentação, lá está “Chorando e Cantando”, parceria de Fausto Nilo com Geraldo Azevedo, que dá o “troco” na histórica toada “A Saudade Mata a Gente”, lançada por Dick Farney. O segundo verso da canção de 1986 é definitivo: “Saudade já não mata a gente/ A chama continua no ar/ O fogo vai deixar semente/ A gente ri, a gente chora/ Fazendo a noite parecer um dia”. A música foi gravada, no mesmo ano, por Geraldo Azevedo e Elba Ramalho.

“Felicidade” (balada, 2010) – Chico César e Marcelo Jeneci
Disco de estreia do cantor e compositor paulista Marcelo Jeneci, “Feito Pra Acabar”, de 2010, congrega parcerias do anfitrião com nomes de peso da música brasileira, como Arnaldo Antunes, Luiz Tatit e Zé Miguel Wisnik. No entanto, além da faixa-título, o destaque ficou por conta de “Felicidade”, música escrita com o paraibano Chico César, que condensa, em seus últimos versos, a “fofura” desse trabalho: “Chorar, sorrir também e dançar/ Dançar na chuva quando a chuva vem”. Para ajudar no êxito da empreitada, essa balada cheia de boas energias e mensagens positivas ganhou videoclipe que acumula 21 milhões de cliques. A música foi regravada por Elba Ramalho no ano de 2020.

“Xaxado no Chiado” (xaxado, 2018) – Lucy Alves e Yuri Queiroga
Paraibana da capital João Pessoa, Lucy Alves começou a chamar atenção como cantora e instrumentista, até se revelar como uma também talentosa compositora, atriz e apresentadora brasileira. Na praça, ela colocou dois álbuns “Lucy Alves”, de 2014, e “Lucy Alves & Clã Brasil no Forró do Seu Rosil”, de 2015, em uma homenagem ao centenário de Rosil Cavalcanti. Como compositora, Lucy se destacou com “Xaxado no Chiado”, parceria com Yuri Queiroga gravada em parceria com Elba Ramalho, em número que mereceu um animado clipe que já conta com mais de 998 mil visualizações no YouTube.

“Na Areia” (MPB, 2018) – Juliano Holanda
Em “O Ouro do Pó da Estrada”, a paraibana Elba Ramalho foi procurar canções contemporâneas que se ajustassem a seu gosto pela diversidade. Os arranjos percorrem do frevo ao rock, com paradas obrigatórias no xote e no baião, até flertes com a música orquestral. Em “Na Areia”, a cantora serviu de inspiração para os versos de Juliano Holanda. “Ele fez essa música observando o caminho que percorri até aqui, é sobre a minha postura e a história que tenho”, diz Elba. Com delicadeza, cada palavra vai desenhando os contornos deixados pela artista: “Tenho andado tão serena/ sinto bem meus pés no chão/ trago o sol nos meus cabelos/ e o luar nas minhas mãos”. “O tempo tem sido generoso comigo, a gente aprende a lidar com ele e a envelhecer”, reflete Elba.

Publicado originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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