Paulo José foi um dos maiores atores da história do cinema brasileiro

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Cada pessoa contém todos os tipos de temperamento. E quanto mais ator for, mais vale esta afirmação.” Brecht

“O Padre e a Moça” (1965), “Todas as Mulheres do Mundo” (1966) e “Macunaíma” (1969) são filmes fundamentais do cinema brasileiro, e podem ser compreendidos – seguindo a lógica da indústria norte-americana –, até pelos gêneros, como drama, romance e comédia, respectivamente, mas eram, sobretudo, “filmes de autor”, por serem, antes de mais nada, filmes brasileiros, e, como costuma parodiar o ator Paulo César Pereio: “O Brasil produz o melhor cinema brasileiro do mundo!”.

Era isso que interessava a Paulo José – que morreu nesta quarta, aos 84 anos –, um cinema autoral em que a marca do diretor/roteirista permitia borrar esses limites entre gêneros: há drama em “O Padre e a Moça”, mas há também romance; “Todas as Mulheres do Mundo” é uma comédia romântica, com suas ligeirezas existenciais; e “Macunaíma” mistura crítica social a um espírito anárquico, quase satírico, que faltava ao Cinema Novo até então.

Em “O Padre e a Moça” e “Macunaíma”, sob a batuta de Joaquim Pedro de Andrade, o ator Paulo José dava vida a personagens completamente distintos, mas não representava nada, como fazia questão de frisar, “vivenciava”. O naturalismo de um pode ser contraposto ao artificialismo do outro, enquanto a presença de Paulo imprime sempre algo de “verdade” na tela diante da farsa em que o espectador embarca. Da preguiça à angústia, o magnetismo impera.

O que mais se destaca no trabalho de Paulo é o despojamento, sem um pingo de pretensão. Essa maneira de atuar o aproximava do espectador e criava uma imediata relação de cumplicidade e identificação. Mesmo quando precisava carregar nas palavras, empostar a voz e declamar um texto metafórico, Paulo José parecia leve como uma ave que não faz esforço para voar, embora empregasse todos os músculos nessa tarefa.

“Todas as Mulheres do Mundo”, do amigo Domingos Oliveira, que o transformou em seu ator-fetiche na década de 1960, é um filme para Leila Diniz, exuberante em sua juventude, mas não seria a mesma coisa sem Paulo José para ciceroneá-la e emprestar legitimidade ao alter ego do diretor, com uma interpretação cativante, solidária e gentil. Na maturidade e na velhice, Paulo José esteve em outros filmes importantes, como “Policarpo Quaresma, Herói do Brasil” (1998), adaptação do romance de Lima Barreto dirigida por Paulo Thiago, e “Saneamento Básico, o Filme” (2006), de Jorge Furtado. Em todos eles, a capacidade de compartilhar com o outro a percepção de que somos capazes de tudo, do sublime ao sórdido, por sermos humanos.

Publicado originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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