“mestressala/maravilha/contemporânea que vai
desde o largo do estácio/até a mais alta estrela
que brilha/sobre o atlântico/negro oceano
quando um dos muitos/nomes dele é ébano” Ricardo Aleixo
Pela lógica da sabedoria popular, o destino do garoto do Estácio já estava traçado desde o nascimento. Afinal de contas, se é comprovado que filho de peixe, peixinho é, logo, filho de melodia, Melodia o é; ao menos assim o foi nesta história. Herdeiro direto de Oswaldo Melodia, Luiz recriou o samba, inseriu elementos jamaicanos, chorou com a canção e chegou, inclusive, a ser posto sob o guarda-chuva dos “malditos” pela indeterminação de sua obra, o que, claro, configura mais um acerto do artista. Talentoso compositor, capaz de sacudir com poesia suas canções embriagadas por molejos e lancinantes tons percussivos, Luiz Melodia foi, também, destacado intérprete. Soube pescar para resgatar das profundezas várias pérolas negras da nossa música popular.
Pérola Negra (MPB, 1973) – Luiz Melodia
Luiz Melodia era contestado por ser negro e não compor samba, ainda mais sendo filho do histórico bamba Oswaldo Melodia, que lhe valeu o sobrenome artístico. Por essas e outras foi rotulado, quando de seu aparecimento, como “maldito”, ao lado dos compositores Sérgio Sampaio, Jorge Mautner e Jards Macalé, acusados de criações herméticas, de difícil assimilação pelo público. O sucesso de vendagens de discos e a popularidade crescente desmentiu o rótulo da mídia. Com sua poesia afiada, ferina, distante das obviedades, mas, ainda assim, comunicativa, Luiz Melodia compôs odes para a beleza, como a música “Pérola Negra”, uma canção de amor de 1973. Sem distinção plausível.
Negro Gato (Jovem Guarda, 1966) – Getúlio Côrtes
Um gato bem mais arisco e esperto foi inventado por Getúlio Côrtes em 1966. Novamente o animal serve de metáfora para a peripécia humana. E também como estímulo ao orgulho negro, que levanta a bandeira através do felino. Não por acaso recebeu uma regravação primorosa de Luiz Melodia, versão que ficaria até mais conhecido que a de Roberto Carlos por seu caráter crítico, incisivo, e dotado daquele suingue característico. A música foi lançada pelo grupo “Renato e seus Blue Caps”, e também recebeu regravações de Marisa Monte, Reginaldo Rossi e Wanderléa. Desta vez é o gato que identifica o dia a dia árido da maior parte da população brasileira. “Sete vidas tenho pra viver, sete chances tenho para vencer… (…) Eu sou um negro gato…”.
Chegou a bonitona (samba, 1948) – Geraldo Pereira e José Batista
Dizem que era difícil fisgar o coração de Geraldo Pereira, embora e por isso mesmo fosse ávido amante de mulheres, mas não se contentava com uma só. Coube a Isabel Mendes da Silva a proeza de capturar o coração do sambista, para quem compôs diversos sambas, mas também dedicou brigas e complicações típicas de seu estilo de vida. Apreciador, esse sim, inveterado da bebida, com predileção pelo conhaque de alcatrão, cachaça e cerveja, não podia ver passar uma bonitona que seus olhinhos já meio bêbados brilhavam de alegria. Talvez tenha sido essa uma das inspirações para ele compor junto com José Batista, “Chegou a bonitona”, gravada em 1948 com enorme sucesso por Blecaute, depois de dada a Ciro Monteiro e retirada pela demora da gravação, o que gerou briga entre o cantor e compositor que resultou em quebra de relação por seis anos. Na posteridade, sua divulgação ficou a cargo da voz cadente de Luiz Melodia.
Raphael Vidigal
Fotos: Divulgação.