“na líquida tarde azul zanzou, sem lugar, desguiando-se,” Luiz Ruffato
É inusitado que, embora faça referência ao título logo em sua abertura, o que suporia explicitá-lo, a peça “Ricochete” deixe escapar o seu significado. Com três pessoas em cena, nos papéis de uma mãe, um filho e um entregador de sanduíches com sua moto, além de interferências pontuais que ecoam a voz de uma atendente pelo telefone, ora vividas por um ator, ora por outro, o enredo, que procura girar em círculos como sugere a própria estrutura cenográfica, parece enredar a si próprio e, nesse contínuo movimento, perder-se mais do que encontrar alguma solução para as intenções a que se aludem. De tanto apontar para mais de uma direção nenhuma delas encontra o tempo necessário para cristalizar-se e ganhar consistência. O texto, por sua assertividade, acaba por imprimir uma pretensão que prejudica a construção das personagens, tornada frágil, e que consequentemente acarreta num irregular desempenho do trio de intérpretes. A direção também parece confusa.
A dramaturgia comete o erro de não perceber a necessidade de as palavras acompanharem mais frequentemente ações capazes de gerar efeito, ao recorrer excessivamente ao recurso da linguagem meramente descritiva. Não por acaso, as cenas, infelizmente, não logram impacto, e a falta desse funcionamento é a responsável para que, tampouco, conseguiam estabelecer uma unidade. Por outro lado, são os aparatos que deveriam estar à margem, servindo de apoio e suporte para dramaturgia, atores e direção – ou seja, o cerne da questão – que melhor funcionam: a trilha sonora infere a tensão pretendida, e os figurinos apresentam modelos e formas que se colocam de maneira criativa e irreverente dentro das cenas, exacerbando o teor de, pelo menos ali, certo descompromisso com a realidade. No entanto não é o suficiente para que “…Ricochete!” deixe claro aonde pretende chegar. O que exalta ainda mais a premência de um talhado preenchimento para a armadura.
Ficha técnica
Dramaturgia, direção, cenário e figurino de Rita Clemente.
Com Márcio Monteiro, Ramon Brant e Rita Clemente.
Trilha Sonora: Márcio Monteiro/Criação de Luz: Leonardo Pavanello e Paulo Maffei/Preparação Corporal: Cristiano Reis/Assistente de cenografia e figurino: Mônica Andrade.
*Espetáculo presente à programação do Verão Arte Contemporânea 2017
Raphael Vidigal
Fotos: Igor Ayres.