“Nesta longa estrada da vida, vou correndo e não posso parar…” José Rico & Milionário
Certamente hoje rola mais dinheiro. Mas quando a música sertaneja tinha Milionário e José Rico essa era dotada de uma outra riqueza. Sem nunca negar o caráter popular e populista em muitos momentos, o cenário esbanjava algo que atualmente é quase impossível de achar, nos mais variados segmentos da nossa cultura: autenticidade, pureza. Antes da indústria se apropriar, essas manifestações eclodiam nos recônditos e recôncavos brasileiros sem precisar confundir qualidade com rebuscamento ou simplicidade com o banal.
Agora, pretensos artistas são fabricados desde o início em geladeira, e emergem para o mundo do entretenimento como parte do cordão umbilical deste, com direito a testes laboratoriais e cartilha de comportamento, sem nunca terem expressado uma realidade e um povo de origem. São meros artefatos e artifícios plastificados, vazios, e por isso mesmo serão descartados com a agilidade compulsiva. Como neste vício, o que importa é o acúmulo, independente da substância, até porque estes têm muita embalagem, mas o conteúdo é nulo.
Para uma comparação imediata basta notar a gana e o coração com que José Rico e Milionário eternizaram “Nesta longa estrada da vida…”; “Fuscão Preto, você é feito de aço…”; “Boate azul”; “De Longe Também Se Ama”; “O Tropeiro”; e milhões de outros, tudo porquê conheciam de perto aquelas cicatrizes, aqueles cenários, aquela coisa rústica; frutos de uma experimentação artística, seguindo o princípio de que primeiro se sente, depois busca burilar e transformar aquilo em canção. Ordem inversa ao pensamento mercantil dos que se associam ao tema do momento já visando a galinha dos ovos de ouro. A ostentação no nome e o uso da guitarra elétrica são marcas dessa interferência mercadológica, mas a essência musical se manteve, por exemplo, na guarânia do maior êxito.
Não por acaso o cineasta Nelson Pereira dos Santos transformou a história da dupla em filme. Romeu Januário de Matos, o Milionário, natural de Monte Santo, interior das Minas Gerais, e José Alves dos Santos, o José Rico, de São José do Belmonte, no Pernambuco, se conheceram, por manobra do destino, no Mato Grosso do Sul. Há quem possa negar essas diferenças através de outras similaridades. O sucesso em país asiático e a história levada às telas tem algo em comum com nomes da cena atual. Exceção à regra, Milionário e José Rico não carregam a pecha de universitário, se o clichê permite, conseguiram o diploma na vida, com suor e lágrimas.
Raphael Vidigal