“Tornara-se bem livre… Mas isso não significava estar contente.” Clarice Lispector
A única e mortal função da arte é propor a liberdade. Ou, ao menos, alguma libertação. Nesse sentido a Cia Luna Lunera mais uma vez cumpre o papel, com o espetáculo “Prazer”, textos próprios norteados pela lente simbólica de Clarice Lispector, cujo livro “Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres”, foi o ponto inicial dessa travessia. Travessia interior, é verdade, mas exaltada à superfície pelo cenário ao mesmo tempo morfeico e de uma brutal realidade. Dizer que cumpre o papel é pouco. O que a companhia oferece é uma mudança de calor na alma, aquela temperatura que só a verdadeira arte incorre. Embora não busque verdades e esteja mais interessada nos questionamentos do que nas respostas, os que se entregarem à peça estarão inevitavelmente sentenciados.
O dualismo, ou a dualidade, é o caminho escolhido pela companhia para novamente expressar e conclamar à mera tentativa humana, não importando qual seja o resultado. O melhor exemplo são as personagens que, complexas, almejam a uma alegria que talvez esteja afeita a todas as tristezas – e nisto destaca-se a performance de Odilon Esteves, responsável pelo que há de melhor da peça tanto no drama quanto na comédia, capaz de migrar num segundo do riso para o desespero, acompanhado de muito perto pelos colegas de cena Marcelo Souza e Silva, Cláudio Dias e Cláudia Corrêa. No que outros efeitos dramatúrgicos contribuem muito, como as escolhas de iluminação feitas por Juliano Coelho e Felipe Cosse e especialmente a direção, conduzida pelos atores em cena, Isabela Paes (ausente em função de licença maternidade) e Zé Walter Albinati, com o auxílio luxuoso da vídeo arte de Eder Santos. Singela, extrai de objetos cênicos e efeitos visuais o que de mais sensível eles têm a iluminar na consciência e no coração de mulheres e homens. A música e a dança encantam à parte, com brilhos intensos e fugazes. Eis o desejo que durassem mais. Mas o teatro é mera tentativa humana, não importando qual seja o resultado.
Como uma peça atual sem pretender à moda, a companhia discursa para o seu tempo através dele, onde a fragmentação e a confusão entre real e imaginário estão presentes, mas não ignora elementos que a permitem legar para a eternidade – e não o instante único de Andy Warhol – algo a mais que aplausos quando a cortina baixa, ou quando a chuva esbalda. É o tom de clássico. Embora demore um pouco a engrenar, e deixe o piegas se escorar em algumas passagens, nunca há moralismo, se peca é pelo sonho, a paixão, a ingenuidade, e a imagem que se cristaliza de “Prazer” é um banho, daqueles libertadores que não se preocupam com a falta d’água. Pois amanhã é só hoje. E nesse momento tudo pode.
Raphael Vidigal
Fotos: Adriano Bastos e Carlos Hauck