“Brilhantes deuses etéreos
Tocam-vos levemente,
Qual os dedos do artista
nas cordas santas
Sem destino, como a criança” Hölderlin
Prodígio já nasceu chorando. Não queria aquele nome. A mãe o chamou Aníbal. Os amigos o batizaram Moleque do Banjo. Seria sempre Garoto, aonde quer que fosse, arrastava suas cordas mágicas. Diziam serem encantadas, aquelas mãos. Saiu de São Paulo foi para o Rio de Janeiro. Depois, Estados Unidos. Voltou à cidade que o acolheu, descansou o coração, nos preparativos de mais uma viagem. Levou consigo as cordas. Deixou delas, uma pequena amostra, suficiente para alentar lembranças e saudades recolhidas.
Amoroso (choro, 1942) – Garoto
O pai de Garoto tocava guitarra portuguesa e violão. Do irmão Batista, também músico, o menino que já ensaiava num instrumento improvisado de pau e corda, ganhou o primeiro banjo. Desde cedo, integrou o “Regional dos Irmãos Armani”, com 11 anos, depois “Conjunto dos Sócios”, “Chorões Sertanejos”, “Conjunto Regional”, em substituição a Zé Carioca, “Rádio Educadora Paulista”, entre outros. Convites nunca lhe faltaram. Ao se apresentar com o violonista D. Montezano, conhecido como Serelepe, ao diretor artístico da Parlophon, foi imediatamente convidado a gravar um disco, contendo os maxixes “Bichinho de Queijo” e “Driblando”, de sua autoria, envergando o singular banjo. Mais tarde, iria unir suas cordas às de Zezinho, conhecido Aimoré, em infindáveis serenatas no bairro da Luz, e depois num conjunto de choro. E mais tarde ainda, iria compor “Amoroso”, em 1942, com a completude que lhe era específica.
Desvairada (choro, 1949) – Garoto
Perambulando com suas cordas vibrantes, Garoto conheceu Petit, com quem formou ao lado de Aimoré, trio que se apresentava no salão nobre de um edifício em São Paulo, o Martinelli. Depois viajou com o último para o Paraná, a bordo da “Quarta Caravana Artística”, Porto Alegre, no “Cassino Farroupilha” e Buenos Aires, na Argentina, acompanhando Carlos Gardel em algumas músicas. No retorno a São Paulo, tomou posse de um violão-tenor para se apresentar com o seresteiro Silvio Caldas e o velho companheiro de viagem. Ainda na década de 30, gravou choros e valsas pela Columbia, demonstrando sua habilidade também na guitarra havaiana. Estreou na Rádio Mayrink Veiga, no Rio de Janeiro, e se encontrou com Carmen Miranda, Alvarenga e Ranchinho, Ary Barroso, Jararaca e Zé Formiga, Dorival Caymmi e Laurindo de Almeida, dando iniciativa, com este, à “Dupla do Ritmo Sincopado” e grupo “Cordas Quentes”. Isso após participar do “Conjunto Regional” da Rádio Cruzeiro do Sul em sua terra natal, desfazer a dupla com Aimoré e se casar, fixando-se na capital fluminense. Ao menos por algum tempo. Sua rotina “Desvairada” bem correspondia ao ritmo do choro de 1949.
Vamos acabar com o baile! (choro, 1952) – com José Brandão
Incrivelmente, apesar do talento destacado, Garoto chegou a ficar algum tempo desempregado, com o fechamento da Rádio Cosmos. No entanto, a maior oportunidade da sua vida ainda estava por vir, quando recebeu uma carta: “Querido Garoto, espero que você tenha gostado da idéia de vir para cá, e aceite-a, pois esta terra é a melhor do mundo, só você estando aqui é que acreditará. Estamos ansiosos para que você venha; eu e os rapazes.” A remetente era Carmen Miranda, que o chamava para substituir Ivo Astolfi no “Bando da Lua”. Resultado: rumou para os Estados Unidos, onde permaneceu por oitos meses na companhia da Pequena Notável, fazendo parte do conjunto e chamando a atenção naturalmente, pelo brilho de suas cordas. Teve a honradez de conhecer diversas cidades, fazendo o que melhor sabia e gostava, atuar em filmes, e tocar até para o presidente norte-americano, Franklin Roosevelt, na Casa Branca, tudo isso nos idos de 1939 e 1940. Tornou-se o “homem dos dedos de ouro”, nas palavras do organista Jesse Crawford. Já de volta ao Rio de Janeiro, compôs “Vamos acabar com o baile!”, com José Brandão, em 1952. Baile foi o que realizou em sua passagem em terras estrangeiras, mantendo boquiabertos até os mais exigentes.
São Paulo Quatrocentão (dobrado, 1953) – Garoto, Chiquinho do Acordeom e Avaré
Finalmente fixado no Rio de Janeiro, criou o conjunto “Garoto e seus Garotos”, com Valdemar Reis, Poli e Almeida no violão, mais Russo do Pandeiro. Ao fim deste projeto, se encaminhou para a Rádio Nacional, se deparando por lá com a pianista Carolina Cardoso de Meneses, com quem gravou discos em dupla. Formaria também dupla com José Meneses, alternando guitarra, violão, violão-tenor e cavaquinho, durante os programas radiofônicos “Nada além de dois minutos”, “Ao som da viola” e “Um milhão de melodias”. Ainda por cima trabalhava na Orquestra da Rádio Nacional, regida por Radamés Gnatalli, de quem foi colega e legou eterna amizade. Mas seria em trio que conseguiria o maior sucesso da carreira, quando, em 1953, compôs o dobrado “São Paulo Quatrocentão”, para os festejos do aniversário da cidade natal, em companhia de Chiquinho do Acordeom e letra de Avaré. A composição virou verdadeira febre, com recordes de vendagem de disco (algo em torno de 700 cópias) e interpretação da inclusive cantora na época, Hebe Camargo, reconhecida posteriormente como apresentadora de TV.
Duas contas (samba-canção, 1953) – Garoto
Garoto estreou como letrista ao compor o samba-canção “Duas contas”, em 1953, antecipando a bossa nova. No mesmo ano, embeveceu os presentes com a interpretação solo do Concerto nº 2 para Violão e Orquestra, dedicado a ele por Radamés Gnatalli, em pleno Teatro Municipal do Rio. Mas a história que o levara a se atrever no mundo da escrita começara um ano antes, quando, a convite do diretor musical do programa da Rádio Nacional, “Música em Surdina”, Paulo Tapajós, topou se alinhar a Fafá Lemos e Chiquinho do Acordeom naquele que ficaria conhecido como o “Trio Surdina”. Seguiram-se dois discos, e no primeiro deles vinha a música que comprovara seu atrevimento, sem rimas, levando o próprio autor dos versos à insegurança. Paulo Tapajós, que o incentivara, estava certo, a música correspondia a seu talento já comprovado como instrumentista, também na letra. E bastava: “teus olhos são duas contas pequeninas, qual duas pedras preciosas, que brilham mais que o luar”.
Gente humilde (1970) – Garoto, Vinicius de Moraes e Chico Buarque
A gravação de “Gente humilde” aconteceu informalmente, quase por acaso, como presente a um amigo querido de Garoto, o professor mineiro Valter Souto. Num acetato simples, eternizou-se o momento de inspiração que recaiu divino, com a espontaneidade que acalora os corações de artistas. A cena observada passaria incólume, não tivessem aquelas mãos o poder de restringir às cordas a leveza de um sentimento inalcançado. Afinal o poeta vê a árvore e se encanta por ela, e nos encanta com sua poesia. A mesma árvore que vemos todos os dias. Com auxílio de Vinicius e Moraes e Chico Buarque, a canção abraçou em 1970 versos que Garoto não disse, mas zumbiu.
“Comecei a tocar sozinho, e com o falecido Pinheirinho Barreto e Aluisio Silva formamos um novo grupo. Foi quando gravamos ‘Zombando da Morte’, um samba que se tornou muito popular.” Garoto
Raphael Vidigal
Lido na rádio Itatiaia por Acir Antão em 10/07/2011.
18 Comentários
mt bom mesmo, façam como Raphael Vidigal, resgate a nossa grande e preciosa musica brasileira!!!
show
Que beleza….vou divulgar….continue me enviando. ..abração.
Maravilha!
Parabéns!
Raphael Vidigal veja se vc tem essas informações dele:
O violão tenor é um instrumento de origem americana cujo nome original é Triolin. No Brasil, foi batizado e lançado por Garoto, em 1933, com o nome de violão tenor. Este instrumento mostrou-se de grande utilidade em conjutos regionais, tanto para solo como para acompanhamento. Como o banjo tem a mesma afinação do violão tenor, este método serve para os dois instrumentos e, também, para o bandolim, que segue a mesma seqüência de intervalos em sua afinação, diferindo apenas na altura.
Annibal Augusto Sardinha, mais conhecido por Garoto, um dos mais fenomenais e mitológicos músicos brasileiros, o método “Tupan” está no mercado há 50 anos e continua sendo um dos mais importantes trabalhos para o aprendizado do cavaquinho, instrumento que se incorporou tão bem à música popular brasileira.
ele é muito conhecido pelos métodos de aprendizado de VIOLÃO TENOR, BANDOLIM, BANJO e CAVAQUINHO
Aníbal Augusto Sardinha ou Garoto, 1915-1955, Grande talento brasileiro
Que maravilha!!! Post importantíssimo, amigos e amigas! 🙂
Cresci ouvindo e cantando “Duas contas” de Garoto. Amo esta canção!
Garoto Bom .
Maravilha!
Excelente… vale muito ler!!! 🙂
Parabéns Raphael Vidigal ….
Uma noite de muita paz amigo!!!!
putz! não sabia que 2015 era ano do centenário do Garoto! Muito legal esses textos sobre as composições dele, é um pouco difícil achar ele na internet. Ainda planejo tocar algumas obras dele!
Esse cara que fez o texto é amigo meu. Amigo da internet! O Raphael Vidigal escreve muito bem, e conhece muito de música brasileira.
Muito bom!
Querido Raphael mais uma parabenizo-o pela história e pelas belíssimas músicas do talentoso Canhoto.Saúde e paz.Fraternal abraço.Manassés Fróes