*por Raphael Vidigal
“emergem pela primeira vez no mundo das ondulações duras da água esculpida com o cuidado fotográfico da instantaneidade, até então desconhecido.” Salvador Dalí
Miltinho é a voz do poema das mãos, da lágrima, da menina moça e da mulher de trinta. A voz que conta as estrelas do céu, as fases da lua e as gotas de água do mar. Na voz de Miltinho, o mundo ganha novas medidas, deixando um cheiro de saudade a cada instante.
“Nas minhas mãos a despedida
Nas tuas mãos a minha vida”
Miltinho divide os sambas com a destreza de quem esculpe uma pedra. Sambando com elegância por entre as notas. Juntando corações numa única batida de frases.
“Para Me Livrar do Mal” (samba, 1932) – Noel Rosa e Ismael Silva
São 35 os registros contabilizados de “Para Me Livrar do Mal”, samba de Noel Rosa e Ismael Silva lançado em 1932, na voz de Francisco Alves. Aliás, em muitos sambas da dupla, Francisco Alves também aparece como compositor, o que revela um expediente comum na época: pagar para ter o nome incluso na parceria. Em troca, o cantor ou radialista consagrado, oferecia a oportunidade de tocar no rádio. “Para Me Livrar do Mal” ganhou, ao longo do tempo, as vozes de Dóris Monteiro, Miltinho, Marília Batista, Aracy de Almeida, Martinho da Vila, Cristina Buarque, Ivan Lins, Elza Soares, Ciro Monteiro, MPB-4, Os Originais do Samba, e outros, o que só comprova o seu sucesso permanente.
“Bolinha de Papel” (samba, 1945) – Geraldo Pereira
João Gilberto conta que foi Geraldo Pereira um dos inspiradores da batida com a qual ele caracterizou a bossa nova. O sambista bom de bossa, aliás, vivia jogando seu charme para cima das cabrochas de seu convívio. Numa dessas acabou se dando mal, engravidou a moça e foi obrigado a casar, mas nada que impedisse suas peregrinações galantes. Na contagiante “Bolinha de Papel”, lançada pelos Anjos do Inferno em 1945, ele declara seu amor capaz de garantir até sossego para a tal Julieta. A música recebeu regravações de Miltinho e do próprio João Gilberto.
“Madalena” (samba, 1951) – Ari Macedo e Airton Amorim
Há muitas Madalenas famosas na música brasileira, a começar por aquela da música de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro, eternizada na voz de Elis Regina, em 1971. Há também a “Madalena do Jucu”, de Martinho da Vila, um samba de congo que antecedeu o Mês da Consciência Negra em 1989. Não há como ignorar que todas elas trazem à baila a Madalena bíblica, fiel seguidora de Jesus. Na música brasileira, há uma Madalena anterior à de Martinho e Ivan Lins, poucas vezes relembrada com a devida reverência. Em 1951, Airton Amorim e Ari Macedo conheceram o primeiro sucesso quando o samba “Madalena” ganhou as ruas do Carnaval carioca, na voz de Linda Batista. A música mereceu uma regravação cheia de bossa do cantor Miltinho, em 1968.
“Mulher de Trinta” (samba-bossa, 1960) – Luís Antônio
Um dos primeiros sucessos da carreira de Miltinho foi o samba-bossa “Mulher de trinta”, que cantou em 1960 depois de passar pelos conjuntos vocais Cancioneiros do Luar, Namorados da Lua e Quatro Ases e um Coringa, como cantor e pandeirista. A música de Luís Antônio era um convite feito para uma mulher que já passou por muitas experiências, com a promessa de que ainda existem trilhas a serem percorridas, quem sabe ao lado do cantor da canção.
“Menina Moça” (samba-bossa, 1960) – Luís Antônio
No mesmo ano que cantou “Mulher de trinta”, Miltinho lançou outro sucesso de Luís Antônio, com título que era justamente o oposto da outra música. “Menina moça” é um samba-bossa que reflete a beleza “mais menina que mulher” em comparações com a flor, o sol, a lua e o mar. O tempo é o grande tema da música de Luís Antônio.
“Palhaçada” (samba, 1961) – Haroldo Barbosa e Luiz Reis
Famoso pelas divisões rítmicas que influenciaram nomes como Zeca Pagodinho e Roberto Ribeiro, o carioca Miltinho é, sem dúvida, o grande intérprete de “Palhaçada”, samba da consagrada dupla Luiz Reis e Haroldo Barbosa, lançado em 1961. Sua voz anasalada e metálica caiu como luva para vestir os trejeitos do homem que compreende as necessidades de sua amada e se submete a vestir-se tal qual o grande artista do circo: “cara de palhaço, roupa de palhaço, até o fim”. A música ainda recebeu versões feitas por gente do porte de Elizeth Cardoso, Ivon Curi, Isaurinha Garcia e de Dóris Monteiro.
“Meu Nome É Ninguém” (samba, 1962) – Haroldo Barbosa e Luiz Reis
Outra grande canção da parceria Haroldo Barbosa e Luiz Reis gravada por Miltinho foi o samba “Meu nome é ninguém”, lançado pelo cantor em 1962. “Foi assim, a lâmpada apagou, a vista escureceu, um beijo então se deu”. Os sintomáticos versos iniciais da canção prenunciam o clima romântico e de conquista, mas surpreende por seu gran finale trágico, encerrando o caso sem mais delongas: “meu nome é ninguém, e o seu nome também…ninguém.”
“Poema do Olhar” (samba-canção, 1962) – Evaldo Gouveia e Jair Amorim
Evaldo Gouveia e Jair Amorim deram a Miltinho uma das mais bonitas músicas de seu repertório. O samba-canção “Poema do olhar”, interpretado pelo cantor em 1962, contorna os simbolismos de uma relação baseada na entrega tão imensa que possibilita enxergar a si nos olhos da amada. Até que ela resolve fechar os olhos e não mais receber essa luz.
“Lembranças” (samba-canção, 1962) – Raul Sampaio e Benil Santos
Miltinho se envolve com as “Lembranças” de um triste Raul Sampaio ao entoar a parceria do compositor capixaba com Benil Santos, lançada em 1962. “Lembro um olhar, lembro um lugar, teu vulto amado, lembro um sorriso e o paraíso, que tive ao teu lado.”
“Com Mais de 30” (pop, 1970) – Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle
Um encontro decisivo na trajetória da cantora Claudya se deu com os irmãos Paulo Sérgio e Marcos Valle, autores daquele que talvez seja o maior sucesso de sua carreira, a música “Com Mais de 30”. “Os irmãos Valle têm uma participação fundamental na minha carreira, porque me deram uma música inédita pra gravar, que fez um grande sucesso e é lembrada até hoje pelo pessoal da mais nova geração, sendo muito moderna e conseguindo atravessar o tempo”, avalia Claudya. “Com Mais de 30” foi lançada em 1970, e recebeu regravações da própria Claudya no ano seguinte, e ainda de nomes como Dóris Monteiro, Miltinho, Jorginho Telles, Verônica Ferriani e também do autor Marcos Valle. A música segue como um hino atrelado à rebeldia juvenil.
“Foi Um Rio Que Passou em Minha Vida” (samba de carnaval, 1970) – Paulinho da Viola
Em 1968, a pedido de Hermínio Bello de Carvalho, que escreveu a letra, Paulinho da Viola compôs a melodia para “Sei Lá, Mangueira”, que se tornou uma das mais famosas exaltações à escola de samba de Cartola, Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça e outros sambistas de estirpe. Portelense de coração, Paulinho acabou recebendo críticas e os olhares atravessados de seus colegas de agremiação. Para compensar essa questão, saiu-se com a poesia e a melodia inebriante de “Foi Um Rio Que Passou em Minha Vida”, para saudar a sua amada Portela. O samba foi lançado em 1970, e fez enorme sucesso, estando, para sempre, ligado ao Carnaval. A música recebeu regravações de Elizeth Cardoso, Jair Rodrigues, Dóris Monteiro, Miltinho, e etc.
Lido na rádio Itatiaia por Acir Antão nos dias 20/02/2011, 05/02/2012 e 03/02/2013.
2 Comentários
mamãe conta que já dançou com ele num baile…
raphael—voce sempre ao lado dos amigos grato waldir silva