*por Raphael Vidigal
“Nós estamos na sarjeta, mas alguns de nós olham as estrelas.” Oscar Wilde
É preciso ter estilo para participar de um universo predominantemente estético como o da moda, o que certamente não falta a Clodovil, Roberta Close, Elke Maravilha, Rogéria, Clóvis Bornay e Lennie Dale. Estilistas, modelos, maquiadoras, dançarinos, foliões, independentemente da função, todos eles influenciaram o estilo de sua época através de uma forte e poderosa marca visual, que não deixava de guardar signos contra repressões de toda ordem, mas, principalmente, comportamentais. Ao liberarem as amarras e proclamarem as belezas do corpo e da alma, eles fizeram história. Como valiosos ícones, resolveram esbanjar na música brasileira, ao soltarem a voz sem comedimento.
Clodovil
Com uma inconfundível risada no começo da música folclórica “Gracias a La Vida”, de 1966, Clodovil Hernandes apresenta logo de cara ao público uma de suas facetas mais conhecidas e cobiçadas: a irreverência. Lançada pela autora Violeta Parra no último álbum antes de cometer suicídio, a canção é até hoje uma das latino-americanas mais regravadas de todos os tempos, por nomes como a argentina Mercedes Sosa e a brasileira Elis Regina, consideradas divas e referências do canto em seus países. A versão de Clodovil foi gravada em 2006 para abrir o espetáculo “Eu & Ela”, em que o estilista mais uma vez se aventurava nos palcos como cantor, ator e o que mais fosse necessário. Um artista completo que fazia da qualidade seu único limite. Por isso ele agradecia: “Gracias a la vida/ Que me ha dado tanto…”. Aliás, Clodovil foi aluno de canto de Cida Moreira.
Roberta Close
Em 1984, a dupla Roberto Carlos e Erasmo Carlos lançou a música “Close”, que popularmente ficou conhecida como “Dá Um Close Nela”. Evidente homenagem para Roberta Close, ela foi lançada e interpretada por Erasmo em clipe protagonizado pela modelo e atriz, sem dúvidas a mais famosa transexual do Brasil. A beleza de Roberta foi sempre tão marcante que ela se tornou a primeira transexual a estampar a capa da revista Playboy no país. Cumpre ressaltar o talento da artista como atriz, com atuação destacada no filme “O Escorpião Escarlate”, de Ivan Cardoso, num número de strip-tease. Mas Roberta também soltou a voz ao gravar, em 1982, um compacto com duas canções: “Sou Assim” e “Platônica”. Ainda enfrentando preconceitos, Roberta Close é um exemplo de luta e dignidade para todas que desejam usufruir de sua sexualidade livremente.
Elke Maravilha
Na esteira de uma bem-sucedida carreira de modelo, Elke colocou em prática sua multiplicidade artística e cantou em várias línguas, como russo, grego e latim (ela dominava oito idiomas), além de ter atuado em cinema, teatro e novelas, com destaque para “Xica da Silva” (1976), de Cacá Diegues, e “Pixote, a Lei do Mais Fraco” (1981), de Hector Babenco. Em 1978, protagonizou o autorreferente “Elke Maravilha Contra o Homem Atômico”, comédia escrachada. No mesmo ano, foi estrela de “A Noiva da Cidade”, com música de Chico Buarque. Em 1983, Elke gravou um compacto para a Chantecler, gravadora da época. Num lado, registrou um baiãozinho de José Ramos da Costa, que já havia sido gravado por Carlos Galindo, intitulado “Que Vontade de Comer Goiaba”. O mesmo compacto trazia “Joia Rara”. Em 2012, voltou ao Nordeste ao gravar “O Xote das Meninas”.
Rogéria
“Quero Ele” foi composta, em 1989, por Cazuza especialmente para a transformista, atriz, cantora e maquiadora Rogéria, que estrelava a versão teatral do espetáculo “Querelle”, de Jean Genet, sobre a vida do marinheiro que seduzia homens e mulheres e frequentava o submundo do crime e das drogas no universo francês. No filme “Copacabana”, de 2001, estrelado por Marco Nanini e dirigido por Carla Camurati, Rogéria interpreta “Rosa”, clássico de Pixinguinha. Em 2013, Rogéria voltou ao palco no DVD “A Diva Passional”, de Lana Bittencourt, produzido por Rodrigo Faour, e cantou em dueto com a anfitriã a emblemática “Haja o Que Houver”, de Fernando César e Nazareno de Brito, uma canção adorada pelos gays segundo o próprio Faour. Em 2016, ao lado de Jane Di Castro, estrelou “Causos e Canções”, onde novamente soltava a sua bela voz.
Lennie Dale
Quando chegou ao Brasil, no início da década de 1960, o ítalo-americano Lennie Dale, já desfrutava de relativo sucesso na terra natal. Era uma promessa cujo gênio ameaçava, desde cedo, as estruturas vigentes. Integrante do musical da Broadway “Amor, Sublime Amor”, foi barrado pelo diretor Jerome Robbins para a versão cinematográfica. Não deu outra, sem pensar duas vezes carregou as malas cheias de collant e brilho para Londres e passou a ensaiar em uma sala alugada com as portas abertas a fim de exibir seu rebolado. Tudo isso antes de desembarcar em terras brasilis. O que lhe deu mais do que a cancha necessária para fomentar o estilo de dança da bossa nova, e influenciá-la até no jeito de cantar. Ao registrar dois discos, valia-se de estribilhos rítmicos e sonoros para compensar a ausência de voz. Lennie participou de quatro LPs e um compacto.
Clóvis Bornay
Num quadro satírico, o comediante Agildo Ribeiro o apresenta como “um dos raros brasileiros alegres desse país”. Clóvis Bornay responde com bom humor, sua principal característica. Museólogo por formação e folião por farra, Bornay foi personagem carnavalesco fundamental na transição da música para a fantasia, dos adereços sonoros para os visuais, embora não tenha feito feio como intérprete de deliciosas e maledicentes marchinhas, tais como “Vamos Furunfar”, “Dondoca” e “Fla Gay”, e como jurado de Chacrinha e Silvio Santos. Foi partícipe e emblema maior da tal “Cultura da Imagem”, fundada, sobretudo, nas aparências. Tanto que o diretor do Cinema Novo, Glauber Rocha, o utilizou no filme “Terra em Transe” para dar conta desse caráter alegórico. Caricatural, moldou a imagem tradicional do homossexual afetado que ri de si e dos outros.
Foto: Instituto Clodovil Hernandes/Divulgação.