*por Raphael Vidigal Aroeira
“Se você não me queria
Não devia me procurar
Não devia me iludir
Nem deixar eu me apaixonar” Monsueto & Airton Amorim
Airton Amorim nasceu em Maceió, capital de Alagoas, no dia 8 de setembro de 1921. Aos seis anos, rumou com a família para o Rio de Janeiro em busca de melhores oportunidades, algo comum na época. Conseguiu, aos 20 anos, o emprego de discotecário na Rádio Cruzeiro do Sul, e começou a aprimorar o talento musical que o levaria a se tornar um dos mais cantados compositores de seu período. Mais tarde, ele exerceu a função de discotecário nas rádios Eldorado, Mundial e Tamoio, todas no Rio de Janeiro. O primeiro estouro veio no Carnaval de 1951, com “Madalena”. Airton Amorim nunca mais sairia da boca do povo. Até hoje, sua marchinha “Tem Nego Bebo Aí” anima os foliões. Sem contar que, na década de 1970, Milton Nascimento resgatou “Me Deixa em Paz”, um dos mais doloridos sambas-canções já escritos, cheio de ressentimento. No centenário de seu nascimento, Airton Amorim é relembrado.
“Madalena” (samba, 1951) – Ari Macedo e Airton Amorim
Há muitas Madalenas famosas na música brasileira, a começar por aquela da música de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro, eternizada na voz de Elis Regina, em 1971. Há também a “Madalena do Jucu”, de Martinho da Vila, um samba de congo que antecedeu o Mês da Consciência Negra em 1989. Não há como ignorar que todas elas trazem à baila a Madalena bíblica, fiel seguidora de Jesus. Na música brasileira, há uma Madalena anterior à de Martinho e Ivan Lins, poucas vezes relembrada com a devida reverência. Em 1951, Airton Amorim e Ari Macedo conheceram o primeiro sucesso quando o samba “Madalena” ganhou as ruas do Carnaval carioca, na voz de Linda Batista. A música mereceu uma regravação cheia de bossa do cantor Miltinho, em 1968.
“Dançando a Rumba” (rumba, 1951) – Mário Menezes e Airton Amorim
Na década de 1940, a influência da música latino-americana trouxe ao Brasil o ritmo da rumba. Foi com ela que os compositores Moacir Silva e Djalma Esteves criaram a música “Escandalosa”, sucesso absoluto do ano de 1947, na voz de Emilinha Borba, que se consolidava como estrela do rádio. “Um dia/ Uma vez lá em Cuba/ Dançando uma rumba/ Disseram que eu era/ Escandalosa!”. A música teve regravações de Aracy de Almeida e da cantora mineira Maria Alcina, que registrou sua versão em 1979, no álbum “Plenitude”. Ainda no ritmo da rumba, Emilinha Borba não perdeu a oportunidade de também lançar “Dançando a Rumba”, de Mário Menezes e Airton Amorim, sucesso de 1951. “A rumba tem um ritmo quente/ Bole com a gente constantemente/ É de amargar/ Dançando a rumba/ É que eu quero ver…”, diz.
“Me Deixa em Paz” (samba-canção, 1952) – Monsueto e Airton Amorim
Uma das letras mais fortes do cancioneiro de Monsueto foi também a responsável por seu primeiro sucesso. “Me Deixa em Paz”, parceria com Airton Amorim lançada pela não menos incisiva Linda Batista trazia os versos: “Se você não me queria/Não devia me procurar/Não devia me iludir/Nem deixar eu me apaixonar/Evitar a dor/É impossível/Evitar esse amor/É muito mais/Você arruinou a minha vida/Me deixa em paz”. Em 10 frases se resumia a música inteira. Além do poder sintético, a dramaticidade da canção foi sublinhada por Alaíde Costa, no histórico álbum “Clube da Esquina”, em dueto com Milton Nascimento. Outro que a regravou, em sintonia com o enredo pesado da letra e a sua habitual iconoclastia, foi o compositor e cantor Lobão, já no ano de 2011.
“Nossos Caminhos” (bolero, 1952) – Nogueira Xavier e Airton Amorim
Carioca da Tijuca, Sofia Gervazone adotou o nome artístico de Linda Rodrigues e se tornou musa da chamada música de fossa ou dor-de-cotovelo. Ela estreou em disco em 1945, com a música “Enxugue as Lágrimas”, que já dava a pinta do tom que as suas interpretações iriam adotar. O maior sucesso da carreira, no entanto, veio em 1952, quando ela lançou a música “Lama”, de Paulo Marques e Ailce Chaves. No outro lado do compacto, porém, havia um bolero que passou à história com menos destaque, mas também memorável. “Nossos Caminhos” é uma parceria de Nogueira Xavier e Airton Amorim, que, seguindo os preceitos da época, lamenta os desencontros amorosos com ardor. “Assim são os nossos caminhos/ Iguais, diferentes também…”, canta ela.
“Tem Nego Bebo Aí” (marchinha, 1955) – Mirabeau e Airton Amorim
O início da década de 1950 marca o estouro definitivo da cantora Carmen Costa com a música “Cachaça”, e dá a pista sobre um insurgente romance. Entre os compositores da marchinha, propagada a plenos pulmões pelos foliões, está Mirabeau, de quem Carmen se tornará amante. “Você pensa que cachaça é água/ Cachaça não é água não/ Cachaça nasce no alambique/ E água vem do ribeirão”, ensinam os versos etílicos. Na sequência, ela aposta no mesmo tema com “Tem Nego Bebo Aí”, de 1955. Desta vez, a parceria de Mirabeau era com Airton Amorim. “Tem Nego Bebo Aí” ganhou uma regravação entusiasmada no espetáculo teatral “Sassaricando”, do ano 2007.
“Tens Que Pagar” (samba-canção, 1956) – Alaíde Costa e Airton Amorim
“A partir daí tive a oportunidade de gravar o meu primeiro disco de 78 rotações, na Odeon, com uma música belíssima, ‘Tarde Demais’, de autores desconhecidos”, relembra Alaíde Costa. Descobriu-se depois que os autores são Hélio Costa e Raul Sampaio, que compôs o sucesso “Meu Pequeno Cachoeiro”, gravado por Roberto Carlos, e também fez parte da segunda formação do Trio de Ouro, ao lado Herivelto Martins e Lourdinha Bittencourt. Na verdade, Alaíde Costa já havia estreado em disco com dois sambas-canções, “Nosso Dilema”, de Hélio Costa e Anita Andrade, e “Tens Que Pagar”, da própria Alaíde em parceria com o compositor alagoano Airton Amorim.
“Esperei por Você” (samba-canção, 1956) – Paulo Menezes, Milton Legey e Airton Amorim
Cauby Peixoto despontava para o estrelato como o galã que tinha suas roupas rasgadas pelas fãs e, claro, todo compositor gostaria de ser gravado por ele. Em 1956, após uma série de compactos, ele gravou o LP “Canção do Rouxinol”, e o trio formado por Paulo Menezes, Milton Legey e Airton Amorim conseguiu emplacar uma música no repertório do “Professor”. Trata-se de “Esperei por Você”, um samba-canção bem à moda da época, lamentoso, derramado, sem esconder da amada todas as aflições que inundam seu coração. “A noite era fria e o vento batia em meu coração/ Saí pela rua escura e sem lua/ Mas foi tudo em vão/ Me veio o cansaço/ Eu adormeci e você não chegou/ Eu jurei nunca mais esperar por você/ Mas tudo passou”, canta Cauby.
“Vai Que Depois Eu Vou” (samba, 1956) – Zé da Zilda, Zilda do Zé e Airton Amorim
A exemplo dos casais que colocam fotos em que aparecem juntos em perfis de redes sociais, Zé da Zilda e Zilda do Zé citavam um ao outro nos respectivos nomes artísticos. Nascidos no Rio de Janeiro e casados desde 1938, eles compuseram sambas como “Saca-Rolha”, o maior sucesso da dupla. Em 1954, um fato trágico pôs fim ao casal. Zé da Zilda morreu subitamente, vítima de um acidente vascular cerebral, logo após gravar com a esposa a marchinha “Ressaca”, outra parceria da dupla. Ainda remoendo a partida de seu amor, Zilda do Zé gravou, em 1955, o samba “Vai Que Depois Eu Vou”, creditado a ela, Zé da Zilda, Airton Amorim e Adolfo Macedo. O samba foi lançado no Carnaval de 1956, com versos simples, porém carregados de puro sentimento.
“Briguei Com Meu Amor” (samba-canção, 1962) – Rutinaldo e Airton Amorim
Seresteiro dos bons, Raul Sampaio nasceu em Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, e compôs a famosa “Meu Cachoeiro”, regravada por Roberto Carlos, também natural da cidade litorânea que ainda deu ao Brasil o talento do indomável Sérgio Sampaio. De volta a Raul Sampaio, o cantor lançou, em 1962, o samba-canção “Briguei Com Meu Amor”, de Rutinaldo e Airton Amorim. “Briguei com meu amor/ Estou sozinho/ Não sei como viver/ Sem seu carinho”, entoa o cantor. Naquele mesmo ano, Airton Amorim também teria o samba “Ainda É Cedo”, parceria com Zé Pretinho, regravado por Gilberto Alves, outro seresteiro de respeito. Sem o mesmo clamor de outrora, Airton seguia popular.
“Ciumento” (samba, 1962) – Moreira da Silva e Airton Amorim
A parceria entre Moreira da Silva e Airton Amorim começou em 1952, quando o primeiro gravou “Cavaleiro de Deus”, parceria do segundo com Ferreira Gomes. Na sequência, os dois compuseram “Rosinha” e “São Sebastião”. Em 1962, Moreira registrou outra parceria com Airton Amorim, desta vez no LP “Moreira da Silva, o Tal… Malandro”, lançada pela Odeon. “Ciumento” segue todos os preceitos arraigados à paternalista e machista canção popular brasileira, justificando o comportamento tóxico e abusivo do homem, que se acha no direito de expor as próprias inseguranças com ares de autoridade. “Toma atitudes que condeno e que reprovo/ Certamente não aprovo/ O seu modo de andar…”, lamuria o eu-lírico da canção. Ultrapassada em termos de discurso, a canção é um arquivo histórico de como a sociedade se comportava.
Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2021.