*por Raphael Vidigal
“Um trem de ferro é uma coisa mecânica
mas atravessa a noite, a madrugada, o dia,
atravessou minha vida, virou só sentimento.” Adélia Prado
Sueli Costa nasceu no dia 25 de julho de 1943, no Rio de Janeiro, e foi criada em Juiz de Fora, interior de Minas. Entre seus sucessos, estão músicas como “Jura Secreta”, “Coração Ateu” e “20 Anos Blue”, gravadas por nomes da envergadura de Simone, Maria Bethânia, Nana Caymmi e Elis Regina, algumas das maiores cantoras do país. Sueli nos deixou no último dia 4 de março, aos 79 anos, mas, antes disso, legou uma contribuição fundamental para a música brasileira, como compositora sensível e pioneira, que desbravou um ambiente que, à sua época, era ocupado praticamente só pelos homens. Influenciada por Dolores Duran e admiradora de Sylvinha Telles, Sueli criou a sua bela música…
“Por Exemplo, Você” (MPB, 1967) – Sueli Costa e João Medeiros Filho
Em 1967, Sueli Costa ainda morava em Juiz de Fora quando ficou sabendo, pelo jornal O Globo, que sua música “Por Exemplo, Você”, parceria com João Medeiros Filho, havia sido gravada por Nara Leão, à época já uma cantora de destaque da música brasileira. Entusiasmada, a dupla de compositores resolveu comemorar numa churrascaria, mas João Medeiros, por ter uma viagem marcada para aquela noite, levou uma mala que chamou a atenção dos agentes do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social, órgão de repressão da ditadura brasileira) presentes no local. A solução foi ele sair antes, sem a mala e, depois, correndo, Sueli ir entrega-la. No final das contas, deu tudo certo, tanto para a dupla quanto para nossa música popular brasileira.
“Vinte Anos Blue” (blues, 1972) – Sueli Costa e Vitor Martins
Depois de ter o seu talento devidamente reconhecido por Nara Leão, a estreante Sueli Costa chamou a atenção da substituta da cantora baiana no espetáculo “Opinião”. Maria Bethânia, já morando no Rio de Janeiro, selecionou nada menos do que três canções de Sueli para o aclamado show “Rosa dos Ventos”, todas com letras de Tite de Lemos. Na sequência, foi a vez de sua obra receber a voz daquela considerada por muitos a maior cantora do Brasil. Elis Regina gravou, em 1972, “Vinte Anos Blue”, parceria de Sueli com outro compositor iniciante, o letrista Vitor Martins, que se consagraria ao lado de Ivan Lins. A música, uma reflexão sobre angústias inerentes à passagem do tempo, mostrava o talento de Sueli para se espraiar em outras praias musicais.
“Coração Ateu” (MPB, 1975) – Sueli Costa
Em 1975, Sueli Costa viu as portas da indústria fonográfica abrirem-se definitivamente para ela. Já conhecida como habilidosa instrumentista, revelou-se também uma letrista de talento ao compor, sozinha, a música “Coração Ateu”, lançada por Maria Bethânia naquele mesmo ano, em gravação que entrou para a trilha sonora da novela “Gabriela”, da Rede Globo. O sucesso levou Sueli a gravar o seu primeiro LP, mostrando-se também como cantora e instrumentista. “Coração Ateu” ainda mereceu regravações de Simone, Wanderléa, Eduardo Conde e da própria Sueli, consagrando-se como um dos grandes sucessos da compositora e que, em 1977, gravaria o seu segundo LP.
“Dentro de Mim Mora Um Anjo” (MPB, 1975) – Sueli Costa e Cacaso
João Medeiros, que já era parceiro musical de Sueli Costa, foi quem a apresentou ao poeta Cacaso. Carioca criada em Juiz de Fora, Sueli logo se identificou com o mineiro de Uberaba que se mudou para o Rio. Juntos, eles criaram “Dentro de Mim Mora Um Anjo”, que foi gravada, em 1975, por Sueli para a trilha da novela “Bravo”, da Rede Globo. Atenta, Fafá de Belém não demorou a perceber a beleza daquela canção, e a regravou em seu terceiro disco de estúdio, “Banho de Cheiro”, lançado em 1978. A música abria o álbum em que Fafá aparecia na capa com um generoso decote e seu olhar sensual. A música foi gravada por Leila Pinheiro, Lucinha Lins e Wanderléa, entre outras.
“Jura Secreta” (balada, 1977) – Sueli Costa e Abel Silva
Talvez o maior sucesso de toda a carreira de Sueli Costa seja a balada “Jura Secreta”, feita com seu parceiro mais frequente, Abel Silva, e lançada pela cantora que mais a gravou, Simone, em 1977. Embebida em melancolia, a música é um apanhado dos arrependimentos do eu-lírico. A canção entrou para a trilha sonora da novela “O Profeta”, da TV Tupi, e saiu no LP “Face a Face”, de Simone. O sucesso e o poder de identificação foram tanto que ela seguiu sendo regravado ao longo do tempo, por nomes como Fagner, Wando, Zizi Possi, Zélia Duncan, Dóris Monteiro, Elymar Santos e, claro, a própria Sueli, dado o seu discurso amoroso, ao mesmo tempo íntimo, universal e sofisticado.
“Vida de Artista” (MPB, 1978) – Sueli Costa e Abel Silva
Em 1978, foi a vez da mais cristalina voz da MPB entregar-se à música de Sueli Costa. Gal Costa foi quem lançou “Vida de Artista”, mais uma parceria com Abel Silva, e uma das pérolas do disco “Água Viva”, em que a cantora aparecia submersa na água. O título da música tornou-se uma espécie de epíteto de Sueli Costa, e serviu para batizar o álbum que Wanderléa dedicou às suas canções, em 2016. Embora lírica, a canção não deixa a realidade de lado, muito pelo contrário, e tece comentários sobre a difícil condição de sobreviver da arte em meio a um mundo cada vez mais pragmático, e não apenas, estendendo sua reflexão para outras profissões, enfim, para todos nós.
“Medo de Amar Nº 2” (MPB, 1978) – Sueli Costa e Tite de Lemos
A óbvia inspiração para a música de Sueli Costa e Tite de Lemos é “Medo de Amar”, de Vinicius de Moraes, gravada por nomes como Nana Caymmi, Elizeth Cardoso e Ney Matogrosso. Em “Medo de Amar Nº 2”, as desventuras do amor dá as cartas novamente, desta vez com alta dose de sensualidade. Feita especificamente para Cauby Peixoto, a canção permaneceu encantando vozes do calibre de Maria Creuza, Simone, Roberta Sá, Lucinha Lins e Zélia Duncan. O poeta Tite de Lemos, um dos grandes parceiros de Sueli, morreu precocemente, em 1989, aos 42 anos, vítima de um câncer. Ele ainda deixou outra canção sensual com Sueli, “Açúcar Candy”, lançada por Ney Matogrosso.
“Alma” (MPB, 1982) – Sueli Costa e Abel Silva
Em 1998, o modelo, ator e cantor Eduardo Conde dedicou um álbum às canções de Sueli Costa, em que dava voz a sucessos do porte de “Dentro de Mim Mora Um Anjo”, “O Primeiro Jornal”, lançada por Elis Regina, “Coração Ateu”, “Jura Secreta”, “Altos e Baixos”, parceria com Aldir Blanc, Vida de Artista, dentre outras. Um dos destaques do álbum era a canção “Alma”, cuja delicadeza era sublinhada pelo canto vigoroso de Eduardo Conde, lançando mão de todo seu talento dramático. Marotamente, a música fazia uma referência, em seus versos finais, a “Da Cor do Pecado”, de Bororó, tornando, um só, corpo e espírito. “Alma” foi lançada, no ano 1982, pela cantora Simone.
“Voz e Suor” (MPB, 1983) – Sueli Costa e Abel Silva
Uma canção de Sueli Costa e Abel Silva intitulou o álbum que Nana Caymmi e César Camargo Mariano lançaram juntos, em 1983. O encontro da cantora com o pianista era descrito como “Voz e Suor”, pegando emprestados os versos do poeta e a melodia de Sueli. Arranjador de peso da música brasileira, companheiro de Elis Regina durante anos, César Camargo Mariano se sentia em casa ao interpretar ao piano a melodia da carioca Sueli, criada na cidade mineira de Juiz de Fora. A mesma desenvoltura era demonstrada por Nana ao cantar os versos de Abel. “Voz e Suor” seria regravada por Tito Madi, ás da transição do samba-canção para a bossa nova, em 2001. E, de tudo isso, permanecia a sofisticação da música de Sueli Costa.
“Nenhum Lugar” (balada, 1984) – Sueli Costa e Tite de Lemos
Compositora de verve e sensibilidade, Angela Ro Ro costuma privilegiar as suas próprias canções na hora de gravar um álbum. Por isso não é qualquer um que consegue o feito de ser gravado por ela. João Donato e Abel Silva estão entre as exceções com “Simples Carinho”, um dos maiores sucessos da cantora. Sueli Costa e Tite de Lemos entraram para esse seleto time em 1984, quando Ro Ro concedeu sua voz encorpada e rouca a “Nenhum Lugar”, balada com toda a pinta e delicadeza de Sueli. Na capa do álbum, a cantora aparecia com semblante gentil, coberta por uma manta rosa, como se fosse Nossa Senhora. Em meio a polêmicas, Ro Ro não perdia o humor ou a sensibilidade…